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segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

AS SETE ONDAS...

Janeiro. A primeira onda veio. Olhei aquele mar imenso e senti-me lá dentro. No ondular tenso do ano inteiro. Vaivém de esperanças e incertezas. De janeiro à dezembro. Brasil das tempestades e alagamentos. Maré no começo. Pulei a onda sem receio.

A segunda onda chegou, com águas que vinham do outro lado do mundo. Trazia velhos sentimentos. Ondas de extremos. Guerra por céu e por terra, triste atmosfera. Chorei pela Ucrânia, Palestina. Mas não sabia hebraico, russo ou mandarim. Pulei rapidim.

A terceira onda chegou. Trouxe queixas e o troco da natureza. Vieram nas águas, plásticos, tampinhas, além de flores brancas e garrafas. Não gritei, nem me indignei. E de tanto que me calei, me envergonhei. Pulei essa onda também.

A quarta onda veio e era artificial. Entrei nela e naveguei, mas presa não fiquei. Preferi meus erros e o olhar o real da natureza. Só curti, consultei e pulei.

Na quinta onda vieram os peixinhos. Trocamos olhares rapidinho. Era rasinho. Dei um aceno abrindo os meus braços e os cardumes ligeiros partiram com receio. Pulei feliz.

Na sexta onda eu entrei de corpo inteiro. Queria sal grosso limpando o corpo e a alma. Tirando o ranço desse ano pra entrar zerado em janeiro.

E a última onda, enfim, foi chegando. Era onda pequena. Miúda. Mas foi crescendo. 

Tinha uma crispa branca de espuma. Dobrei os joelhos. Olhei para as estrelas. Fiz o meu pedido e voltei pulando feito criança. 

Ah, essa onda chamada esperança.

Ainda hoje recomeço. Novinha em folha. Com força e menos celular.

Temos um mundo real pra consertar! 

 

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segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

AUSENTES PRESENTES



A saudade é, na alma, uma leve lanterna. Ilumina os cantinhos escuros, quando a gente menos espera.
Feito uma criança malcriada que passa e abre a gaveta trancada. Depois sai correndo deixando escorrendo a saudade e as lembranças guardadas, ainda machucadas.

Meu irmão mais velho gostava dos Beatles e nos Natais ele cantava. Com notas semitonadas. Soava lindo aos meus ouvidos. Agora, é uma saudade desafinada.

Do meu pai, lembrei ontem no almoço pedindo um pedaço de pão. Seu sotaque italiano insistia em falar “pon”.  Deu um nó na garganta e no coração. E assim a saudade vai pegando a gente no caminho. Pega no cantinho. Pega pelos olhos. Pelos colarinhos.

Este ano, foi no canto final da sala, montando a árvore de natal. Com as mãos hesitantes e a voz meio rouca. Em cada bolinha presa, uma lembrança solta. 

O sorriso da vovó e seu vestido florido. O presente repetido que a tia reembrulhava todo ano. O drink azul da cunhada, com curaçao e açúcar. A mãe com seus abraços de ternura. A gente não se dava conta como era boa aquela quentura.

No final da montagem, a árvore ficou pronta! Mas antes de ligar as luzes,  um suspiro profundo veio da alma e um instante de calma e a constatação... dolorida e reticente.

A cada ano, mais lembranças, menos entes. 

Estão ausentes. Mas, ainda tão presentes!


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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

NUM PISCAR DE OLHOS



Foi numa quinta de manhã. Na hora de ler a minha receita preferida naquela página toda amarrotada, com marcas de gordura de chocolate em barra. A folha mais manuseada do caderninho, guardado com carinho na gaveta da cozinha. 

Olhei firme para a receita e todas as letrinhas, tal qual os ingredientes do bolo, haviam se misturado num grande liquidificador. O texto repleto de medidas, itens e pequenos parágrafos se transformou num bloco único. Nebuloso e compacto. Ilegível e incompreensível. Um tratado aramaico.

Esfreguei os olhos afastando a mão que segurava o papel. Afastei mais. Mais um pouco. Fui perto da janela. Quase peguei uma lanterna. Veio, então, a constatação. Não conseguia ler! De um dia pra outro. Num piscar de olhos. Eu não enxergava mais as letrinhas e coisinhas miúdas. E elas eram tantas... nos rótulos, nas bulas, nas tampas. Nos contratos e boletos à pagar.

Dr Luciano, meu oftalmo, disse que é assim, um grauzinho por ano depois dos quarenta. Ele está certo. Meu olho esquerdo já passou dos três. A coisa é rápida. Mas o que é rápido mesmo? Relativo, diria o grande cientista judeu-alemão, mostrando a sua língua na foto, com toda razão. 

Por trás de cada mudança, um processo interno e particular de perdas e transformações já vem engatinhando. Muitas vezes, silencioso e invisível. Porém contínuo e implacável. Inevitável com o correr dos anos.

Nascemos, crescemos, criamos filhos, escolhemos caminhos. Acertamos, erramos, recomeçamos. Assim seguimos, cambaleantes e exaustos. Com a alma de sustos e sobressaltos.

Então, feito fruta madura, numa tarde dura, a gente amadurece e cai. Não dá pra saber quando vai. É o ponto xis. O piscar de olhos! 

É quando de repente nos percebemos mais velhos. Mais feios. Mais arqueados. Mais sábios, talvez.

Porém ingênuos. Acreditamos que tudo foi... num piscar de olhos! Ah vai...

 

 

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foto: cromossomosblog 
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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

ACORDANDO COM PASSARINHOS...


Avistei, sonolenta, pela janela... Biquinhos, saltitos e penas! A felicidade plena. Ao nível de um habitante do Butão. Aquele país próximo ao Nepal, onde as pessoas não desejam quase nada. Não há muito mais o que desejar. Onde a brevidade das coisas está sempre presente. Onde a mente, simplesmente, repousa serena e feliz.

A felicidade tinha asas e pousou junto com os dezoito passarinhos que avistei. Logo de manhãzinha, na grama do jardim do pequeno paraíso verde onde me recolho aos finais de semana. Dezoito! Contados. Um a um. Capitão do mato, pardal, sabiá, bem-te-vi! Sem contar os colibris. E as borboletas azuis e amarelas que rodeavam alegres e belas, o mini-flamboyant vermelho em frente à janela. Aérea pintura. Leve aquarela! 

Outros bichos também moram lá. Donos do pedaço. Um casal de quero-quero que insiste em nos tocar de lado quando atravessamos sua área, bem no meio do caminho que leva à casa. São bravos os danados. Um tanto mal-humorados. Temos sempre que lembrá-los que adquirimos o terreno legalmente. Que eles tem o direito de lá morar se quiserem e nos derem a mínima chance de um convívio pacífico. São tão ariscos!
     
Nos afeiçoamos também a mais dois estranhos bichos. Um saruê feio e meio pelado. Espécie de gambá do mato que dorme largado entre dois ou três galhos da árvore. É tranquilo, gordo e folgado... E um lagarto que cruza lentamente a área verde e segue em direção ao vizinho. Um terreno de mato fechado com arbustos e espinhos. Talvez prefira o solo rude e natural. Denso matagal. Como devia ser o local antes da chegada da minha casinha branca, com pergolado, deck de pedras e cascata artificial! O lagarto passeia por lá, exibindo seus tons marrons de outono. Sabe que não vamos enxotar o legítimo dono...

Tudo nesse paraiso é calmo e reconfortante. Mas no final do ano, por conta do trabalho, não deu pra passar as festas nestas terras verdejantes. Tivemos que ficar na cidade, em clima bem diferente. Espocar de fogos, gritos e gente! Pedidos e desejos evocados ansiosamente. Novos planos. Desafios. Metas exigentes! 

Péra lá! Por que raios alguém que já tem o que precisa, quer mais o que conquistar? Quero é ficar parada. Sentada no meio do jardim. Olhando os passarinhos e o mini-flamboyant vermelho....
Por meses... O ano inteiro...  Quem sabe, milênios...



*                              *                                *                         



Para saber mais sobre o Butão * um país localizado no sudeste da Ásia, ao sul da China. O país é famoso por ser minúsculo, e pela genuína felicidade de seus habitantes. Qual é o segredo deles?...   leia em:
https://www.contioutra.com/10-coisas-que-o-povo-butao-faz-diferente-e-que-faz-dele-o-povo-mais-feliz-mundo/



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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

FINADOS, MAS NÃO!




Olho com ternura e delicadeza as fotos da família espalhadas sobre o velho piano. 

Consigo ver o nariz aquilino da avó, na bisneta já crescida. As duas tão lindas. E os olhos verdes da tia avó? O mesmo da prima distante. Preciso visitar urgente aquela gente. Saber se tudo está bem. Quantos filhos eles tem... 

Vejo agora, a testa alta e a calva acentuada do avô, no meu pai. Do meu pai, no meu irmão. Eles não gostam dos sinais. Ficam todos iguais. Avô, neto, filho e pai. Carimbo da geração. Carecas, com bom humor.

Paro um pouco mais na foto do meu irmão mais velho. Já foi tão pequeno um dia. Está ali, criança miúda. Roupa de batismo! E que sorriso... 

As fotos antigas desfiam um enorme novelo. Tristes e alegres enredos. Importantes e agora, inúteis segredos. Histórias de descendentes imigrantes. Uns sobreviventes. Outros vivos e ausentes. Muitos, já partiram. Mas continuam nas fotos, altivos e sorridentes.

Uma enorme e silenciosa paz me invade quando olho com saudade as fotos de família sobre o piano, agora desafinado. Castigado pelo tempo e pelos dedos cruéis dos netos e bisnetos levados. 

Sinto nas fotos uma espécie de perdão coletivo. Dos erros cometidos. Dos gestos sem sentido. Das mágoas sufocadas. Que ainda embaçam e deixam mais triste a imagem de alguns personagens. Bobagem! Estão mortos. Eu é que viajo nos parentes idos e suas marcas de passagem. Parecem ainda presentes. Dentro e fora de mim. Numa espécie de tatuagem em asas dos querubins. 

Minha mãe e seu vestido de noiva com enchimento e tecido de cetim. 
Meu pai com o filho nos ombros, um pouco esmaecido, no jardim. Meu irmão que tão cedo se foi.
Paro nele alguns minutos. A morte não dói. Nas fotos, ninguém mais sente.

A  saudade é que dói. Ela é presente.  


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quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O SAPATO DA MARIA...


A criançada se juntava debaixo da velha escadaria. Não havia lugar melhor para ouvir histórias de medo contadas em segredo pela tia Zilda.  

O sapato da Maria era a nossa preferida. A luz na saleta, sempre fraquinha. Só a lâmpada da cozinha dando um tom amorcegado ao ambiente escuro e pálido.

Tia Zilda contava a história da pobre Maria, empregada por uma mulher rica e de miserável coração. Era quase escrava em sua mansão. Ganhava muitos insultos e pouco tostão.

Maria não desistia. Tirava dali o sustento para cuidar dos seus pais doentes. Um enredo triste demais se desenhava em nossas mentes. Uma megera impertinente, de verrugas peludas, cheirando a mofo e resmungando contra as paredes.

Certo dia, a cruel senhora foi enxotar um cãozinho que lhe pedia comida e carinho. Ao sair correndo atrás do cão, atravessou a rua sem atenção e foi colhida por um caminhão. Era horror e tragédia. A criançada vibrava, sem piedade, com a ideia.

No enterro da mulher, a família agradeceu à Maria tamanha dedicação: - É justo que leve uma recordação! Maria lembrou da festa da família e que só tinha um chinelo de dedos remendado nas tiras. Pegou de presente um fino sapato de salto alto e levou para casa, colocando-o debaixo da escada.

Passados três dias, Maria dormia, quando ouviu o som de passos se aproximando. Encolhida nos lençóis, tremeu todos os dentes já imaginando em prantos quem era. O fantasma da patroa queria de volta o que era dela! 

Tia Zilda então mudava o tom da voz e tremulava feito fantasma, soltando a frase que a gente tanto esperava... - Maria, me dá meu sapato! - Maria, me dá meu sapato! Maaariaaaa...  

E um par de sapatos caia bem no meio da roda, jogado do alto da escada. Tudo orquestrado. Era criança pulando pra tudo que é lado.

Todos previam o momento. A hora de soltar o grito que vinha de dentro. 

A história se repetia. A gente sabia de cor, mas pedia e pedia — 

 conta de novo, tia — a do sapato da Maria!

 

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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

A GRAÇA, DO JINGLE.


A ideia nasceu pronta. Como se soubesse desde sempre o caminho e esperasse o momento certo de acontecer.

Às vezes é assim. A gente tem a sensação que a criação foi feita nas nuvens e a gente trouxe aqui pra Terra.

O jingle da Graça telefones, o mais famoso e sem medo de errar, o mais tocado nas décadas de 80 e 90 no rádio santista, nasceu assim. De bate pronto.

O Boka era o meu amigo músico da faculdade. Foi ele que me convidou para fazer a peça publicitária. Tínhamos vinte e poucos anos. Curtíamos as mesmas músicas e bandas. Ele já tocava bem o violão e eu ainda arranhava uma ou outra canção. Às sextas feiras, havia música no corredor da faculdade. Sexta Super. Lá começou nossa amizade.

Que tal fazer um jingle, loira? Você bola a letra e eu coloco a música. Não tem ninguém aqui em Santos produzindo jingles. Topa?

O convite foi mágico. Cheguei em casa com um pedacinho de papel escrito à mão com caneta Bic... Graça Telefones. Instala em três dias. 378537. Repete. Peguei o velho violão herdado do meu irmão da época da faculdade de Medicina, que conservava como prova da sua trajetória vários esparadrapos grudados na tampa e comecei a dedilhar na cozinha da casa, sem ninguém pra ouvir ou palpitar.

Meu gosto musical sempre foi pop rock. Mas ideia que vem fácil a gente não rejeita e me veio à cabeça um samba de breque. Surpresa!

Imaginei um cliente querendo comprar uma linha telefônica (na época era cara à beça uma linha) e mandei um dó maior...  

– ALÔ! EU PRECISAVA DE UM TELEFONE!

Daí pra frente a sequência veio vindo. Alguns acertos aqui e ali e em meia hora eu já tinha dado à luz na folha de papel, à letra que viralizou.

No dia seguinte mostrei para o Boka. O jingle tinha o lance comercial e ele deu toques refinados no instrumental. Ficou redondo. Fácil de cantar. E o telefone repetido duas vezes, como pediu o cliente, tinha tudo pra grudar nas mentes.

Agora só faltava gravar. Mas onde?

Na rádio Tribuna não deu certo. Partimos para o Heavy Metal, casa de shows que sacudia a cidade com o rock nacional do momento.

Foram horas de ajustes nos equipamentos. Fios invertidos, microfonias e dez versões gravadas. No final da noite, um ruído indefinido apareceu do nada e o trabalho foi desperdiçado.

Vamos gravar no Estúdio do Blow Up. Ou vai ou racha!

Lá fui eu e o Boka, com a ajuda da banda amiga, para a nova empreitada.

O Luigi, um cara tranquilo, cheio de filhos e que tinha uma livraria no Gonzaga, dividia comigo a cantoria. Tinha que gravar tudo junto numa só gravação, voz, instrumentos e locução. Sem cortes. Sem erros. Sem discussão.

O saudoso *Robson pediu silêncio. Um, dois, três... gravando! Numa só levada, o jingle saiu por inteiro.

-"ALÔ! Eu precisava de um telefone. Quando um amigo indicou seu nome. Quero saber qual a ligação, muito prazer, satisfação! Pra colocar você na linha, eu tenho um plano que é uma gracinha. Financiado e com garantia, pra instalar leva só três dias. Seu telefone vai fazer assim... tirrim tirrim tirrim tirrim! 378537. Repete... 378537. Promete. Não desligar de mim. Promete, não desligar de mim! GRAÇA TELEFONES, com você sempre na linha!"

Jingle pronto. Em pouco minutos. Ficou com quarenta e cinco segundos. Era longo, mas na época era fácil negociar com as emissoras.

Não tinha quem não cantasse. Até hoje, encontro por aí alguém que lembra da letra e do refrão. Anunciantes mais antigos usam o jingle como referência na hora de fazer suas peças publicitárias.

Simples. Simpático. Artesanal. Coisas que acontecem. Sorte, ou acaso?

Sei não. Só sei que virou Hit! ALÔ!...


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*Robson Melo, querido amigo, guitarrista e backing vocal da Banda Blow Up.

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QUER RECORDAR O JINGLE?

ouça aqui no CANAL INESPLICANDO  You Tube.

https://youtu.be/OwAlkaDVGaY?si=0hbXqpeSrx4KS8DO

 

 

 

 



 


quarta-feira, 16 de outubro de 2024

CASA EM CONSTRUÇÃO

 

Nada se parece mais com uma casa em ruínas, do que uma casa em construção. Essa frase, repetida alegre e diversas vezes pelo Dr. Pio, velho amigo da minha família, levei comigo para a vida adulta e hoje posso cravar que ele estava certo! Concordo plena e profundamente.  

Vítima de várias reformas e construções, às vezes mais duradouras que os profissionais que contratei, percebi que sempre é preciso destruir mais um pouco. Quase sempre é preciso destruir tudo, para erguer o novo.  

E como é duro olhar para os tetos arrebentados, os forros arrancados, pisos destroçados e dividir com o que restou e os pedaços de lembranças e o mesmo espaço. São caquinhos, pó, aborrecimentos. Tempo, dinheiro, cimento e cal. Ruínas. 

Sem falar nos ajustes que temos que fazer. Dormir em outros lugares. Criar outros espaços. Cozinhar na sala. Dormir no corredor. Sair do alto da cama para deitar humildemente no colchonete, jogado num cantinho qualquer do chão. A casa, em construção.

Tão sucateada que foi com o tempo e as intempéries. Desabamentos. Desalinhos. Fendas. Corrosão. A tinta fraca, feito alguns sonhos, a chuva foi quem levou.  

Mas chega, então, a hora de reformar. Construir algo novo. Sem adiar. Chama o engenheiro. Chama o pedreiro. Chama o encanador! Uma nova empreitada vai começar. 

E como tudo, a reforma é também passageira. Um belo dia, o cimento rejunta, o piso se emenda, a tinta seca e a casa fica fantástica! Raros, os vestígios do que ela já foi. Só a sombra na parede, de um prego que machucou mais fundo. 

E o Dr. Pio estava certo. Nada se parece mais com uma casa em ruínas do que uma casa em construção. Falou com a sabedoria de quem reformou muitas vezes a sua casa. 

E a vida!

 

 *                                  *              

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terça-feira, 15 de outubro de 2024

O TOQUE DO MESTRE


A Avenida Paulista era um mar de gente às sete da manhã. 

Eu, com a pressa dos meus dezessete anos carregava livros, cadernos e planos entuchados numa mochila azul marinho e corria para chegar a tempo na aula do cursinho. 
O "Vaticano" era a sala de maior tamanho, onde eu me juntava a cento e cinquenta vestibulandos sonolentos que iam acordando lentamente, à medida que a aula ia passando.

Eu não sabia ao certo porque tinha escolhido o curso de biológicas. Talvez, por ser o mais forte. Ou, por influência da professora de ciências. Uma japonesa brilhante em quem eu me inspirava na época do colégio. Aprender com ela foi um privilégio.

Naquela sala gigante eu sentava, pensamento distante, com meus sonhos, espinhas, colinhas e tarefas estranhas. Física, matemática... e a mais terrível de todas: a química orgânica! 

Eu detestava química orgânica. Meu Deus, para que serve o benzeno? Sei que tem seis ligações, ao menos.   

Foi num dia de Vaticano que o toque iluminado de um anjo ou seria, um arcanjo? ... aconteceu. Ele nem percebeu. Foi um toque de mestre. Toque divino dado com carinho, no meio da aula de português: - o que faz aqui, cara Inês?

O professor Arlindo desceu do púlpito e veio até a minha cadeira mexer com minhas certezas e mudar uma vida inteira. Parado ao meu lado, enquanto todos se preocupavam com os textos de interpretação, ele segurou o meu caderno em suas mãos. Olhou as folhas soltas. Os rabiscos pelos cantos. Letras dos Beatles. Frases  que eu guardava e nem sempre lia. Papeis celofanes e poesias.

O mestre foi direto, com sua voz literária de velho conhecedor:  

- Tens alma canceriana! Nesta sala de biológicas? A quem enganas? Você é de humanas! E apontou meus rabiscos, meus textos e os inclinados traços artísticos.

Ainda hoje sigo escrevendo, rabiscando, inventando, contando histórias e crônicas do meu tempo. Culpa do toque certeiro. 

Valeu, Mestre Arlindo! Eu não gostava, mesmo, de benzeno.


*                        *                                                     



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quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A SANTINHA DO RELÓGIO

Foi uma breve caminhada na calçada, ao redor da Igreja Coração de Maria na Avenida larga e movimentada.

Junto ao poste, entre entulhos amontoados, portas e armários quebrados, eu vi o oratório. Madeira escura. Detalhes em barroco, rebuscado. Agonizava entre os trecos e objetos largados. Dispensados pela igreja sem chance de restauração. 

Dei quatro passos adiante sem pensar no resgate. Revirar toda a tralha, no meio de carros e pessoas na avenida ensolarada, era impensável.

Não pensei. Fiz. 

Feito um cãozinho farejador e voraz revirei a coisarada até puxar a peça cobiçada sem olhar para os lados, levando pela mão por três ou quatro quarteirões até chegar em casa.

A peça era quase perfeita. A embúia, com entalhes frontais sem nenhum dano. E na parte de dentro, ao invés da imagem esperada, uma espécie de corda de alumínio enrolada. Corda de relógio! Que santo engano. Mas com um pouco de arte e fé, seria o oratório dos sonhos.

Retirei a corda do fundo e saí para encontrar uma santinha que coubesse lá dentro. - Que santa é essa, azulzinha e de olhos pretos? O vendedor não soube dizer. - É a Santa do relógio? Brinquei. Ele concordou, interessado em vender. - É sim. Dizem que é milagreira.

Nesse instante ela virou a santa do relógio. Ficou na parede no seu novo oratório num cantinho especial da minha casa. 

Algumas visitas perguntavam como ela agia. - É senhora do tempo! Adianta o que tem urgência de ser e faz retardar o que precisa de mais tempo pra se resolver.

Assim foi por anos o nosso segredo. Amigos ligavam pedindo ajuda pra minha santinha do Tempo. Talvez tenha sido um pecado. Mas se ela fez algum milagrezinho, já está pago.

Angela não conhecia a história e cuidava da casa quando derrubou o oratório que quebrou em duas partes. A santinha do tempo partiu em mil pedaços. Nunca mais achei uma imagem parecida.

Hoje, o oratório está no sítio da família. Restaurado por meu irmão que lhe deu novos contornos, tintas e uma pátina rosada com efeitos. Colocou um terço e uma Nossa Senhora de Lourdes dentro.

Até quando vai durar? Não sei. Quem sabe é o Deus do tempo. Sei que entra santa e sai santa e o relógio abandonado continua um oratório. 

E boto fé... é milagreiro!

 

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quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A TRAVESSIA DAS CAPIVARAS...



Uma grande família, em fila e comportada, atravessava a pista de asfalto da perigosa estrada. O motorista se desculpou da brusca frenagem mostrando a placa: - Pare para as capivaras!

Antigas habitantes de Itaipu, as capivaras foram despejadas do local durante a obra da usina monumental. Uma gigantesca manobra para desviar o rio que feriu gente e desinstalou centenas de espécies e animais silvestres.

Hoje, as poucas capivaras que sobraram são prioridade. Quase santidade. Uma espécie de reparação tardia. Os bichos pacíficos parecem sempre lembrar do triste desfecho familiar e passam altivos pela estrada que já foi sua casa, agora sem medo. Às vezes param para um descanso ou um clique de algum turista no meio do passeio. Sem constrangimento.

Terminada a travessia dos bichos, seguimos até o destino, a Usina de Itaipu. Buracos feitos por tatus, de aço. Imensos. Dentados. Detonadores, tratores e explosões a todo tempo.

Milhares de ajudantes, engenheiros, pedreiros e boias-frias unidos pela coragem e o cansaço dos intermináveis dias. Assim as barragens foram erguidas. Usina construída. Abastecendo o país. Não mais abrigava os animais gentis.

O espetáculo das luzes às sextas feiras para os visitantes de Itaipu é poderoso. Pouco a pouco, cada ponto da barragem é iluminada, ao som de uma música forte e orquestrada.

Os motores da usina estavam desligados no dia de nossa visita. Maior seria o impacto se estivessem jorrando os milhões de litros de água em poderosas cataratas.  

A plateia aplaudiu no final, energizada, diante da tecnologia avançada.

A usina gigante e iluminada deixou nossas sensações mega ativadas. Voltei impressionada.

Mas nada, nada se comparou — à travessia tranquila  das capivaras. 


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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

O CONTEMPLÁRIO...


Sempre imaginei o paraíso em azul e branco. Um imenso oceano com  águas tranquilas, esparramando espumas na areia  fina de uma praia deserta... Isso foi até visitar o Contemplário! Acho que me enganei todo esse tempo. As almas voam mais livres por aqueles campos...        
Sem falar do cheiro fresco das quatro estações que estão todas ali reunidas  e espalhadas no ar. Eu me perdi naquele lavandário na Cidade de Cunha, como quem se esquece no tempo. Eu, que nem sabia o que era um lavandário. Nem a cor e o cheiro das lavandas. Azuladas, mais para violetas! Vivas, com o balançar do vento.  
Foi no meio da plantação que um visitante perguntou quem era o dono daquilo tudo. - Henry! Veio a resposta. Um homem que se encantou com as terras onde o por do sol era o mais fantástico daquela região de montanhas. Resolveu plantar as lavandas e diante de tamanho presente da natureza decidiu dividir com todas as gentes aquela riqueza. Além de dar chance para os locais oferecerem seus produtos de lavanda numa espécie de loja-cafeteria que fica no alto do campo com vista para o grande espetáculo. 
Ah, e havia o biscoito de lavanda com uma pequena xícara de café fumegante vendo o sol se por. E o melhor ainda estava por vir...  
O Contemplário mesmo, onde a mirada é de paraíso, é um simples trapiche de madeira onde o vento bate no rosto e os olhos se enchem de cor. Campo dos sonhos e coisas santas. Paraíso azul-violeta onde moram as lavandas! 
Mas no fundo eu sabia que o Henry não era o dono daquilo tudo.  
Quando eu estava indo embora, olhando as lavandas ao sabor do vento, o sol batendo nas flores, realçando suas cores, descobri a quem pertencia.
Àquela que beijava as flores todos os dias. Que via o sol se levantar... e o sol se por. Que percorria o campo saudando as lavandas de um lado para o outro, livre, como as almas no paraíso.
Era uma abelhinha. Uma pequena abelhinha... que piscou para mim!


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quarta-feira, 31 de julho de 2024

A SAIA CINZA...



A saia cinza chumbo era tão curtinha que as garotas subiam as escadas, engraçadinhas. Segurando firme, com uma mão de cada lado. No corredor, risos abafados. E os garotos, eram só garotos. Olhando as meninas e suas saias curtinhas. Enfeitando o pátio. Colorindo as esquinas.

Logo vinha a campainha. As meninas e suas saias entravam na sala de aula, cada qual no seu lugar. Eu sentava na carteira da janela. Virando as pernas para o lado. Bem juntinhas, com medo de um lance mais descuidado. 

A aula de História passava voando. A de matemática, durava cem anos. E vinha a campainha do meio. Intervalo. Recreio! As sainhas se alvoroçavam. E as pernas das meninas corriam ligeiras e finas, rumo à cantina. Entre lanches e lances. Canções e romances. E na hora de sentar nas escadas. Mãos nos joelhos, meninas! Alguém olha lá de baixo, se não está aparecendo nada! Todas aliviadas... Ajeitam os cabelos, trocam confidências, sorriem por nada. 

As saias eram a nossa cara. A preocupação despreocupada. O vacilo que não dá em nada. Só risos e apostas. Quem sabe, uma ou outra calcinha à mostra. Os garotos eram só garotos. Com olhares de rapina. Devorando as pernas das meninas. Com aquelas saias curtinhas. Saia de prega. Cinza Chumbo. Cinto vermelho, de fivela. 

No dia seguinte, a educação física era um desafio de fato. Botar um shorts vermelho, meio elástico por baixo. Então, a saia subia de vez. Hora de amarrar a jaqueta jeans na cintura e proteger a formosura. Escondendo com malícia e timidez, a saia curta, outra vez.

Que saudade das saias.... dos olhares marotos e dos garotos, nas aulas de português...



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sábado, 6 de julho de 2024

O BARULHO DA ÁGUA DO RIACHO...

Riacho. Acho que ri. Acho que corre. Acho...

Acho que riacho é um gotejar fresco de barulho delicado. Vai levando intermitente o passado. Pois é água corrente. É sempre presente. Um agora sem fim.

Acho a felicidade um riacho que corre em gotas. De alegrias pequenas, serenas. Um café sobre a mesa. Um pio de ave na natureza. Um beijo macio de delicadeza. 

Riacho, eu acho, é um existir tímido e tranquilo.  

O oceano é intempestivo. Rítmico e mítico. Tem nome e sobrenome. Atlântico, Índico, Pacífico. O riacho nem nome tem. Ele vem, continua e some. Vai pra onde ninguém vê e se mistura sem ego, num maior ser. 

Mais jovem fui um oceano rufando. Com águas revoltas e Júpiter evocando. Acho que hoje, diacho, hoje sou um riacho. Acalmei as marés cheias e as ondas crespas do passado. Está tudo mais calmo. Serpenteio maleável em cada curva do leito, ao som de uma leve música que acalma meu peito.

Olhar o canal e a ponte de madeira trouxeram de volta a imagem do riacho que eu acho que corre. Acho que ri. Acho até que canta. Ouço o barulho do seu gotejar inundando a lembrança. 

Hoje, mais humilde e mansa, brinco e me alegro em pingos. Todos os dias são domingo. Vou saboreando a beleza da natureza e dos bichos. Conservo poucos e bons amigos. 

Sou um fio de rio. Flor que boia. Não para o oceano aberto, mas para um lago manso que eu sinto mais perto. Lago da maturidade. Lago com um banco branco e jardim.

O riacho, hoje, passa lento... dentro de mim.


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terça-feira, 2 de julho de 2024

CHEIRO DE CHÃO MOLHADO...


Alguns cheiros da infância estão guardados em nossa memória.

Talvez residam lá há séculos, num arquivo vivo ancestral. Lembro de cheiros dos tempos da escola. O cheiro do caderno novinho e suas páginas intactas. Cheiro de papel bom. Eu rodava as páginas com as mãos para sentir o vento no rosto. Cheiro branco. Gostoso. Da brochura a desabrochar.

Bom também era o cheiro da borracha verde qua apagava o lápis. Macia e diferente da borracha de caneta. Metade azul, metade vermelha. Dura e rasurenta. Quem é que não furou um papel assim? Era preciso experiência e bom olfato para distinguir o cheiro exato das duas borrachas. E a serragem com grafite ficava presa no apontador. Acabava na ponta do nariz na hora do assoprar... feliz.

São incontáveis os cheiros da infância. Cheiros de criança. Alguns azedos e passados. A laranjada que escorria dentro da lancheira encharcada. O cheiro de xixi na calça, quando pingava. E da massinha de modelar que nos dedos grudava.

Havia cheiros maravilhosos, como o dos jasmins ao lado do colégio, na casa da Dona Joaquina. O cheiro do queijo torrado na chapa que vinha da cantina. E no intervalo das aulas, na porta da escola, o árabe de boina abria sua sacola de lona e eu sentia o cheiro das esfihas empilhadas. Incrivelmente perfumadas. Ele cortava e espremia o limão e o cheiro cítrico ficava em nossas mãos até o final das aulas. 

Mas o cheiro que me enche de ternura de um jeito úmido e impregnado é o cheiro do chão molhado. Depois da chuva dos dias quentes de verão...
É o cheiro que vem da calçada. Das gotas grandes que batem no chão e molham rapidamente as ruas e praças.

Depois de um tempo, a chuva vai embora, a água evapora e sobe lentamente o cheiro de chão quente. 
Ele invade a minha mente e inunda os meus olhos e a minha alma carente, com um leve vapor de saudade!


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domingo, 5 de maio de 2024

O NOME DA MÃE

Ela dizia que nem nome tinha. 

Os imigrantes portugueses que chegaram ao Brasil no começo do século passado tinham fama de atrapalhados. Alguns fatos na minha família reforçam essa pecha de forma irretocável.

Por distração ou esquecimento, meu avô só registrou minha mãe depois de um ano de seu nascimento. Levou junto a filha mais velha ao cartório e ao ser perguntado qual o nome da menina, disse Zilda, referindo-se a filha que trazia pelas mãos. Conclusão: a menina mais nova, minha mãe, que todos em casa já chamavam de Olga, foi registrada com o mesmo nome da minha tia, Zilda.

Meu avô, ao chegar em casa, consertou prontamente o engano do seu jeito prático-lusitano. Riscou com um lápis o nome Zilda, escrito à máquina no documento, corrigindo por cima, Olga. E deu-se por satisfeito.

Anos mais tarde, quando ingressou no colégio, minha mãe descobriu que não se chamava Olga, mas na verdade, Zilda. E foi assim que os colegas de classe e os professores passaram a lhe chamar. Era seu nome oficial a partir daquele dia, usado em crediários de loja e documentos oficiais. Mas para a família, continuava a ser a Olga, a Olguinha. Zilda sempre foi e seria a outra filha. Ora pois, não é vovô? Quem é que não sabia?

A confusão aumentou quando saíram os proclamas do seu casamento no jornal. Meu pai foi avisado pelos amigos do bairro. Corre lá, Sylvio, avisa que tem coisa errada. Estão te casando com a tua cunhada! Como bom italiano, irônico e sorridente meu pai explicava o incidente.

Por essas e outras, minha mãe dizia ter tido tudo na vida, família, filhos e filha. Mas que nome de verdade, de verdade ela não tinha. Não era Olga. Nem era Zilda! 

Quando fez seu livro de poesias não sabia o que colocar. Quem sabe uma composição? Mas Zildolga, convenhamos, não seria a melhor solução.

Hoje que ela já se foi, eu sei ao certo seu nome. Podia ter sido Olga, Zilda, Lia, Tereza, Eduarda. Cumpriu tão divinamente sua maternal jornada que seu nome no livro pouco importava. 

Mãe, eu lhe chamava. Com maiúscula. Porque Mãe, na forma mais perfeita lhe cabia. 

- Mãe! E ela, tal qual Maria, me atendia!


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