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terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

ONDE ANDA A ANTA?

                               
                                                                                                 
Não era uma pegada qualquer. Era enorme. Na minha cabeça, tomada de surpresa e receio, diante dos vestígios sulcados na terra, era como se fosse de um urso ou de uma onça pintada. Mas não existem ursos no litoral de São Paulo. Nem mesmo ali, colado na mata atlântica. E as onças... bem, quanto às onças, tenho minhas dúvidas.

As pegadas apareceram numa bela manhã, num pedaço estreito de terra que mais tarde se transformou num lindo jardim na lateral da casa de praia que tínhamos acabado de construir. Havia uma. Duas. Três pegadas. E seguiam em direção ao terreno ao lado, floresta ainda virgem.

Depois de algumas opiniões e da observação de que era uma pegada ungulada, de mamífero, veio a feliz sensação de que não corríamos risco. Que mal faria, um boi, uma vaca, um cabrito? À noite, o mistério se desfez por completo...

Na rua de asfalto em frente a nossa casa, com pocotós lentos e ritmados, ela veio desfilando calmamente. Uma anta! Uma bela anta. Adulta. Que passou altiva, parando na esquina para comer alguns raminhos verdes. E sumiu logo depois de ter ganhado pão e carinho dos vizinhos, espantados como nós.

A anta morava ali, no nosso condomínio. E tinha direitos e total acesso. Livre. Dona do pedaço que um dia já foi sua casa, seu espaço. 

Meses passaram e não vimos mais a anta. Onde anda a anta? Aonde a anta anda? Passei a me perguntar brincando com a sonoridade infantil da frase que me divertia mais do que me preocupava.

Deve estar por aí tomando conta da mata que um dia foi sua. Sua, dos tiê-sangues, saguis, pica-paus que foram espremidos pelos condomínios de casas, ruas urbanizadas e piscinas de cimento. Coisas impróprias para antas andarilhas...

Foi numa dessas casas, bem na última, que dava acesso ao pé da mata, que o homem, selvagem, colocou uma cerca de posse e arame farpado: propriedade particular!   

Com seu andar apressado para à casa voltar, a anta se enroscou na cerca e por ali ficou por horas tentando se desvencilhar. Nenhum vizinho amigo veio para ajudar, passou a noite ali, inteira, a sangrar...

Onde anda a anta? A anta morreu. Deve andar em outro planeta, outras matas. Outros campos.
Em outro melhor lugar, para anta viver e andar...


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Foto da anta: Tony Lamers

                                
  


domingo, 3 de fevereiro de 2019

GARÇOM, SEM PRESSA...


Não entro. É tão deselegante, garçom plantado na porta do restaurante. Parece estar nos dizendo... Pode vir, mas coma depressa! Já deu minha hora. Louco pra ir embora...  

Quando é assim eu dou pista e sem contestar parto pra outro lugar. Afinal, comer é mais do que devorar rapidamente. Primitivamente. Com mastigadores dentes, caças, suflês ou massas ainda quentes. Pera lá! Já evoluímos o suficiente. 

Um bom jantar tem de ter entrementes. Escolher o prato. Esperar chegar. Olhar todo o ambiente. E a conversa? Deliciosa e reticente... Com muita calma. Saboreada com a alma. Observando o movimento da boca e o brilho no olhar. Não podem faltar inesperados cheiros, temperos, cores e sabores. Sejam simples amoras ou grandes amores.

Um bom vinho também não combina com pressa. Deve ser sorvido lentamente. Durante uma, duas horas ou mais. Minutos imortais. E no final, o tempo para as frutas ou licor, tanto faz. Um jantar pode ser inesquecível. Nunca à toque de caixa. Coisa sem graça. 

Por isso, ou escolho um bom lugar ou prefiro em casa o jantar. Lá não tem fila. Nem horário pra terminar. Sentamos em qualquer lugar. Não é preciso reserva em datas especiais. Nem falar francês ou calçar sapatos sociais. A alma é que deve estar elegante... 

E o convidado amado, do meu jantar prolongado, nunca tira a carteira no fim. Só beijos e abraços... Depois, é claro, do pudim!       


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