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quarta-feira, 18 de maio de 2016

O GAROTO QUE ASSUSTAVA POMBOS


                                             
                                                                                foto: Water
Não era um garoto mau. Tinha amigos, jogava futebol, amava os pais... Mas tinha uma coisa a mais: gostava de assustar pombos!

Corria enlouquecido em direção aos bichinhos até que largassem seus milhos e partissem em revoada. Depois, com o canto da boca, sorria. Lançando um olhar saborosamente mau...

Menino como ele, perguntei certo dia porque gostava tanto de assustar os pombos. Sem muito pensar ele respondeu: - Não sei!
E era sempre assim. Assustava os pombos na rua, nas praças, no mercado. Onde estivessem pousados. Sem saber por quê.

Vinte anos se passaram e aquele menino tornou-se um homem de sucesso. Gerente. Diretor. Dono da empresa. Soube que teve dois infartos e um AVC que lhe entortou definitivamente parte da boca. Mesmo assim prosseguiu com sua dura postura. Grande fortuna. Embora os pés rastejassem ligeiramente no chão...

Nossos destinos se cruzaram novamente no meu último emprego.
Era ele o dono da agência onde eu havia me empregado como redatora. Expectativa muito boa.

Na última reunião da semana, pude ficar frente a frente com o “chefe”. De ouvidos atentos e com a impaciência de um general, ele escutou as idéias. As minhas e de mais uns cinco funcionários da agência. Gente empenhada. De excelência. Não gostou de nenhuma! Olhou com displicência. Ar de aborrecimento...  

Num exato momento, virou-se enfurecido na cadeira e batendo com a mão na mesa ordenou à obediente platéia: - saiam daqui e só voltem com novas idéias! Depois sorriu com o canto da boca, lançando aquele olhar... aquele olhar, saborosamente mau.

Todos partiram, feito os pombos. Em revoada para suas salas. Menos eu... Dez pras três já estava em casa. No programa, um final de tarde inteirinho. A família, meus livros, um bom vinho... 

Amanhã será outro dia. Outras idéias? Talvez. Ou um outro emprego? Muito provável. Ainda não sei... Mas agora sei porque aquele garoto assustava pombos...
Eles sabiam voar!




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