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quarta-feira, 29 de março de 2017

PÉ NO PRETO... PÉ NO BRANCO...

Pé direito no preto. Pé esquerdo no branco. Direito no preto. Esquerdo no branco. Atenção pra não errar... 
Não sei quantas vezes, na minha infância de rua, o desenho lúdico das calçadas Copacabana se transformou num grande tabuleiro. Nele, a garotada pulava sete casas até o céu. Pisava até dez, numa só cor. E seguia rente as curvas do mosaico feito carro a cem por hora! Cento e cinquenta, duzentos, mil...       
É incrível como os números enfeitavam a nossa infância e criavam proporções mágicas... Era um só lobo mau e três porquinhos. Sete, os anõezinhos. E cem dálmatas para latir e brincar! Dez mandamentos para ler.  E quanto doze pra decorar! Doze apóstolos. Doze meses e doze signos. Doze horas para a metade do dia acabar...   
Sorte mesmo, era os treze números acertar! Azar do Ali Babá, que tinha ao lado, quarenta ladrões...  
E os números iam ganhando vida, ainda sem muita importância ou ambição... Quem nunca contou carros brancos na rua? E Fuscas? E os pneus abandonados na via? Quem nunca contou estrelas no céu? E as centenas de carneirinhos na cama, sem pregar um olho sequer?                              
Os números estavam por todos os cantos. Mas não era má, a matemática! Era só número bom. Número de brinquedo. Número de magia. Números que só faziam sentido em cada jogo. Em cada história.                                                                    
Hoje, números chatos insistem em nos rodear. E eles não brincam mais. Toda hora, nas tevês e nos jornais. Os números assustam cada vez mais! Número do desemprego. Número da Taxa de juros. Números da Selic. Tem ainda o RG, o CPF, número do PIS, PASEP e no momento, até nota de rebaixamento! 
Número de anos pra se viver... Número de anos pra se aposentar... 
Acho que vou é voltar pra calçada. Pé no preto, pé no branco! Um dois, feijão com arroz... porque lá, os números são amigos. 
E a qualquer momento, a gente pode parar de brincar!

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quarta-feira, 22 de março de 2017

O CONTEMPLÁRIO...


Sempre imaginei o paraíso em azul e branco. Um imenso oceano com  águas tranquilas, esparramando espumas na areia  fina de uma praia deserta... Isso foi até visitar o Contemplário! Acho que me enganei por todo esse tempo. As almas voam mais livres por aqueles campos...        
Sem falar do cheiro fresco das quatro estações que estão todas ali, reunidas  e espalhadas no ar. Eu me perdi naquele lavandário na Cidade de Cunha, como quem se esquece no tempo. Eu, que nem sabia o que era um lavandário. Nem a cor e o cheiro das lavandas. Azuladas, mais para violetas! Vivas, com o balançar do vento.  
Foi no meio da plantação que um visitante perguntou quem era o dono daquilo tudo. - Henry! Veio a resposta.  Um homem que se encantou com   as terras onde o por do sol era o mais fantástico daquela região de montanhas. Resolveu plantar as lavandas e diante de tamanho presente da natureza, decidiu dividir com as gentes de todo canto aquela riqueza. Além de dar chance para os locais oferecerem seus produtos de lavanda numa espécie de loja-cafeteria que fica no alto do campo com vista para o espetáculo. 
Ah... aquele biscoito de lavanda com uma pequena xícara de café fumegante, vendo o sol se por. E o melhor ainda estava por vir...  
O Contemplário mesmo, onde a mirada é de paraíso, é um simples trapiche de madeira onde o vento bate no rosto e os olhos se enchem de cor. Campo dos sonhos! Paraíso azul- violeta onde moram as lavandas! 
Mas no fundo eu sabia que o Henry não era o dono daquilo tudo...  
Quando eu estava indo embora, olhando as lavandas ao sabor do vento, o sol batendo nas flores, realçando suas cores, descobri a quem pertencia... Àquela que beijava as flores todos os dias. Que via o sol se levantar e o sol se por.  Que percorria o campo saudando as lavandas de um lado para o outro, livre, como as almas no paraíso.
Era uma abelhinha. Uma pequena abelhinha... que piscou para mim!


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       Esta crônica faz parte do livro "Inesplicando 50 crônicas e um poema",