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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

CORAÇÃO BOBO


O coração, às vezes, perde o juízo. Dá pulos. Retumba. Batuca. Salta na boca e termina num sorriso. Perto da nuca.
É o pulsar da alegria... Às vezes, vem com grito e intensidade. De quem viu seu nome na lista da faculdade. Alegria manifesta. Que se lê nos olhos e na testa. É o coração rufando tambores. Tipo grand finale!
Mas tem também o pulsar das alegrias medianas. Sorrisos singelos. Dos que se esbarram na faixa de pedestres no sinal amarelo. O coração bate leve. Piano. Meio por engano.
As alegrias mais visíveis são dos amigos boçais. Que se abraçam na rua, batendo no peito. Trocando tapas e palavrões. Tão leais e retumbantes, seus corações! Tem ainda as alegrias escondidas. Do coração que não se agita. E bate feito tambor abafado. O da menina que recebeu “in box”, um nude ousado!
Melhor é o “tun-tá” dos corações que galopam em disparada. Alegria escancarada. Que vem com gargalhada. Das crianças, brincando na manhã ensolarada. Alegria ruidosa. Que se ouve de longe. E o coração batuca feito pandeiro, reco- reco e timbal. Som da aorta, em pleno carnaval!
Mas é na tristeza que o coração se encolhe e toca outros instrumentos. São as tristezas de momentos. Acordes longos em tons menores. No velho peito, uma triste partitura. O miar de gatos na noite escura. O choro noturno das viúvas. Que não se cura. E a nota triste, que ecoa do ninho. No pio do solitário passarinho... Aí o coração se encolhe e se apequena. Fica cada vez mais fino. É a tristeza do violino...
E a gente se ilude, dizendo, já não há mais coração!


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Texto inspirado na poesia de Raul Drewnick, que me apresentou a profunda "tristeza dos violinos". E Alceu Valença, eterna inspiração! 
Foto: Nosso Jornal

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quarta-feira, 22 de agosto de 2018

MENINA, NO BOTECO DA ESQUINA?


O violão é um amigo. Daqueles leais. Que só escutam, não falam. Ouvem a nossa voz. O nosso canto. De tristeza, nas horas de melancolia. De alegria, nas noites de festa e cantoria.
Está lá, ponteando entre risos, coros e desafinos. Houve tempo em que era tido como instrumento meio malandro. Daqueles que tocam no boteco da esquina! Não era coisa de menina. Mas eu me entendia bem com aquele tipo “chinfrim”...
O primeiro violão que ganhei foi um Giannini. Pequeno. Perfeito para mãos miúdas de criança. Lembro dos primeiros acordes. Dó e Sol maior. A primeira valsa. A revistinha Vigu. E a primeira pestana, toda torta, com som espremido. Onde eu ia, o violão ia comigo.
Aos quinze anos ganhei aquele que seria o mais marcante de todos. Um Di Giorgio herdado do irmão mais velho. Tocou em todas as festas da Faculdade de Medicina. Tinha ótima acústica e esparadrapos por todo o corpo, vítima que foi de um descolamento da madeira. Ficou curado. Em perfeito estado.
Nele assinaram com caneta e carinho, grandes amigos, incluindo Toquinho, que junto com Vinícius, tocou e cantou na formatura, entre doses de whisky, poemas e juras!
Depois, nos anos dedicados ao rádio, ganhei outros violões que foram tocados por artistas queridos, numa espécie de show particular. Carlinhos Vergueiro, Sergio Reis, Luiz Américo, Paulo Ricardo e muitos outros.
Era violão, bate papo e um café! Porque amigo é assim. Pode ser malandro. Pode ser mané. Sem toque de preconceito. Pode gostar da noite. Ou gostar do dia. Preferir Segovia. Ou Paco de Lucia! 
Mas é nas noites de solidão que a gente entende o valor de um violão. Nas madrugadas frias. Nas canções vadias. Na melancolia que insiste em nos acompanhar.
E pensar que uma antiga vizinha, na sala de casa, em frente à minha mãe, ao me ver tocando um samba canção, disparou no mais lamentável engano,,, - você deixou a menina tocar violão?
Violão é coisa de menino. Menina toca piano!


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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

CHEIRO DE CHÃO MOLHADO...

Certos cheiros da infância ficam guardados em nossa memória.
Talvez residam lá há séculos, num arquivo ancestral. Lembro de cheiros dos tempos da escola. O cheiro do caderno novinho e suas páginas intactas. Cheiro de papel bom. Era inevitável rodar as páginas com as mãos para sentir o vento no rosto. Cheiro branco. Cheiro gostoso. Da brochura a desabrochar.

Bom também era o cheiro da borracha verde qua apagava o lápis. Macia e diferente da borracha de caneta. Metade azul, metade vermelha. Dura e rasurenta... Quem é que não furou um papel assim? É preciso experiência e bom olfato para distinguir o cheiro das duas borrachas. E a serragem com grafite que ficava presa no apontador? Tudo acabava na ponta do nariz na hora do assoprar feliz.

São incontáveis os cheiros da infância. Cheiros de criança. Alguns azedos e passados. A laranjada que escorria dentro da lancheira ensopada. O cheiro de xixi na calça, quando pingava. Cheiro de creolina nos ralos. E da massinha de modelar que nos dedos grudava...

Outros eram maravilhosos, como o cheiro dos jasmins ao lado do colégio, na casa da Dona Joaquina. O cheiro do queijo torrado na chapa que vinha da cantina... E no intervalo das aulas, na porta da escola, outros cheiros ganhavam vida. O árabe de boina, abria sua sacola de lona e eu sentia o cheiro das esfihas! Já meio moles e empilhadas. Incrivelmente perfumadas. Ele cortava e espremia o limão na hora e o cheiro cítrico em nossas mãos ficava até o final das aulas. Ninguém se importava...

Mas o cheiro que me enche de ternura desde a infância até hoje, é o cheiro do chão molhado depois da chuva. A chuva forte dos dias quentes. Das gotas grandes que batem  no chão e molham tudo rapidamente...
Depois de algum tempo, quando ela vai embora e a água evapora, sobe lentamente o cheiro de chão quente e minha mente docemente invade. Molhando os meus olhos. Inundando minha alma de criança... e de saudade!



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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O SILÊNCIO DAS DUNAS...

Bem no meio das dunas. Das areias sem fim. Não havia norte, sul, leste, oeste. Nem farol. Nem placa dizendo: atenção! Eu era apenas um pontinho nas areias da imensidão.
O guia sim, era um sujeito bem orientado. Nordestino. Arretado. Bom de Bugre e proseador. Mas aquela sensação de pequenez ficou guardada em meus olhos. Coube por inteiro, com um pouco de areia e vento, no meu vasto coração.
A gente do sudeste é acostumada com arranha-céus. Vê beleza nos prédios imensos, cinzentos, nas avenidas pujantes, de grandes aglomerações. Nos dão a ideia de imponência. Diversidade. A adrenalina da cidade. Ostentação!
Foi assim na semana passada quando visitei o Brooklin novo. Fiquei assustada. Shoppings, yuppies, lap tops, new looks, modernidades...
Imaginei ali o amigo Cirino, aquele nordestino que viveu desde menino nas dunas encantadas. Cheias de espaços e nadas. E das areias sem fim. Será que sentiria o mesmo medo e a pequenez que eu senti? Creio que sim.
Mas ele diz que não! Disse que seu sonho era viver em São Paulo. Trabalhar na Avenida Paulista e ganhar muito dinheiro. Como guia de turistas! E eu, neste exato momento, querendo a serenidade das dunas. Só areia pura. Sem fumaça. Nem a poeira das ruas...
Vicente de Carvalho, em seu velho tema estava certo. “A felicidade que supomos, árvore milagrosa que sonhamos, existe sim; mas nós não a alcançamos, porque está sempre apenas onde a pomos. E nunca a pomos onde nós estamos.”
O Cirino quer sentir o ruído dos carros e das ruas. E eu, sonhando com o silêncio das dunas...  

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Para ver o poema inteiro e saber mais sobre Vicente de Carvalho



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