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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O MAR ESTÁ LÁ DENTRO...

A casa era de um silêncio absurdo. O tictac de um pequeno relógio na parede era percebido por qualquer pessoa que adentrasse a porta, seguindo pela sala, chegando até o quarto.
Amplo e arrumado. Era o canto de estudos do casal de adolescentes. Lá também havia um silêncio denso. Quase palpável. E profundo. Eu já estava acostumada a sentir aquele nada ensurdecedor todas as quartas, quando ia à casa da família Gorsk, para estudar com sua filha Amanda, como eu, vestibulanda.
Nem a presença da mãe, na cozinha, era percebida. Talvez andasse com polainas, sapatilhas ou algo assim. De lã ou cetim. Eram tão suaves... Como toda a família.
Filhos inteligentes e estudiosos. O pai, sempre no trabalho. A mãe quase não falava. Sorria gentil. E no final da tarde, chás e biscoitos ofertava. Coisa de ingleses, naturalmente. Embora não fossem. Eram poloneses.
Tudo diferente da ruidosa realidade onde eu vivia. Rodeada de cachorros latindo. Mãe cantando no quintal. E a tevê sempre ligada em um programa informal. Aquele silêncio semanal era necessário para o meu objetivo traçado e real. E o tic tac hipnótico do relógio da sala, marcava o tempo exato para o exame final...
E foi numa das minhas compridas idas ao banheiro, na hermética e silenciosa casa dos Gorsk, que encontrei em cima de um antigo buffet, limpo, conservado e com muito uso, uma enorme concha na forma de caramujo. A senhora, antes arredia, interrompeu meu olhar dizendo: - Ouça o que tem dentro! Fazemos isso todos os dias...
Segurei a bela concha creme e marrom, aproximando dos meus ouvidos. E ouvi, ali dentro, o ecoar das ondas, sentindo por alguns segundos e de olhos fechados, o cheiro do mar entronizado... Um bálsamo entre química, física e itens enumerados.  
Tão lindo e contraditório. A casa em silêncio. Uma família amável e diferente. Que tomava chá da tarde e ouvia um tictac rígido e intermitente. 
Eu jamais poderia imaginar...
Todas as tardes, eles paravam para ouvir o mar.   


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Link abaixo,  para ler  a interessante matéria: Por que ouvimos o som do mar nas conchas?


Foto: Site : Fatos desconhecidos

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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

AS VELHAS BOLINHAS AZUIS...


Todo ano é igual. Nunca sei ao certo o dia de montar minha árvore de Natal. Vinte de novembro? Um mês antes? Primeiro de dezembro? Ainda bem que alguém estabeleceu o dia seis de janeiro para o seu desmonte. Aí é moleza. Sem incertezas. Sem muito pensar.  Quanto às bolinhas velhas dos anos que passaram, para mim continuam sendo um dilema. Não consigo me desvencilhar.

Não sou de acumular coisas. Guardar papeizinhos, caixinhas, vidrinhos e coisinhas materiais. Pra ser sincera, nem documentos importantes eu guardo. Muitas vezes, somem e eu me atrapalho. Mas com relação às bolinhas de Natal, bate uma coisa, sei lá, sentimental... 

Tenho seis ou sete bolinhas azuis bem descoradas. Desbotadas. Feias de fato. Mas que não consigo desprezar. Todo ano é o mesmo movimento. Armo a árvore. Compro bolinhas novas. Modernosas. Com glitter. Purpurina. Laços de fita. Mas na hora de jogar fora as azuizinhas... Velhas e desbotadinhas. Vem aquele aperto! O coração encolhe, vira bolinha dentro do peito. E me rendo às recordações.

Estiveram em tantos Natais com a gente. Ouviram canções em coros estridentes. Viram nossos olhos brilhando a cada presente. E à meia noite, os abraços mais quentes. Como posso jogar fora por estarem velhinhas e desbotadas? Santa desalmada!

Um ano até tentei. Coloquei no cesto da lixeira. Mas logo resgatei. Que loucura! Jamais desta maneira.Vou dar para minha mãe. Ela enxerga pouco, quase nada. Não iria se importar com as bolinhas desbotadas. Que nada! Rejeitou logo de cara. Oras, filha. São tão baratinhas. Troca todas as bolinhas! 

E lá trouxe eu de volta, as bolinhas feinhas e azuizinhas para casa. Este ano, pensei em não colocar na árvore e deixá-las na caixinha. Mas é discriminar do mesmo jeito. O meu dilema continua. E antes que eu tenha que fazer muita terapia... 
Alguém quer ficar com as minhas bolinhas?


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quinta-feira, 15 de novembro de 2018

CASA EM CONSTRUÇÃO

 

Nada se parece mais com uma casa em ruínas, do que uma casa em construção. Essa frase, repetida alegre e diversas vezes pelo Dr. Pio, amigo da minha família, levei comigo para a vida adulta e hoje posso cravar que ele estava certo! Concordo plena e profundamente.  

Vítima de várias reformas e construções, às vezes mais duradouras que os profissionais que contratei, percebi que sempre é preciso destruir mais um pouco. Quase sempre é preciso destruir tudo para erguer o novo.  

E como é duro olhar para os tetos arrebentados, os forros arrancados, pisos destroçados e dividir com o que restou e os pedaços de lembranças, o mesmo espaço. São caquinhos, pó, aborrecimentos, tempo, dinheiro, cimento e cal. Ruínas.                                                                   

Sem falar nos ajustes que temos que fazer. Dormir em outros lugares. Criar outros espaços. Cozinhar na sala. Dormir no corredor. Sair do alto da cama para deitar humildemente no colchonete, jogado num cantinho qualquer do chão. A casa, em construção... 

Tão sucateada que foi com o tempo e as intempéries. Desabamentos. Desalinhos. Fendas. Corrosão. A tinta fraca, feito alguns sonhos, a chuva foi quem levou.  

Mas chega então a hora de reformar. Construir algo novo. Sem adiar. Chama o engenheiro. Chama o pedreiro. Chama o encanador! Uma nova empreitada está para começar. 

E como tudo, a reforma é também passageira. Um belo dia, o cimento rejunta, o piso se emenda, a tinta seca e a casa fica fantástica! Raros, os vestígios do que ela já foi. Só a sombra na parede, de um prego que machucou mais fundo. 

E o Dr. Pio estava certo. Nada se parece mais com uma casa em ruínas do que uma casa em construção. Falou com a sabedoria de quem reformou muitas vezes a sua casa. 

E a vida!

 

 *                                  *                                     *                                    *


     

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O PERFUME DAS CARTAS...




Tão estranha, a Beatriz. Gostava de cheirar papéis... Cadernos. Livros. Brochuras. Papel sulfite. Até folhetos de propaganda, recém impressos. Cheiro forte. De tinta fresca. Chegava a franzir o nariz e a testa... 

Depois, começou a cheirar tecidos. Roupas. Lingeries.Vestidos. Novos e lavados, bem entendido... Ganhava de presente e cheirava, fechando docemente seus olhos, apontando a cabeça para o alto. Apreciava ao máximo o olfato. 

Mais estranho foi observar os elementos espalhados pelo seu quarto... Retratos virados, guardanapos usados e uma gaveta velha, em cima da cama, com inúmeras cartas espalhadas por sobre os lençóis. Beatriz cheirava uma carta de cada vez  e depois, completava sem timidez... Sergio, almíscar! Olhos negros, andar macio, mãos aveludadas. Passávamos as noites conversando até chegar a ciumenta madrugada. Então, ele partia e me deixava embriagada. Fui, por dois anos, sua namorada. 

E Beatriz cheirava outra carta... Rogério, lavanda! Corpo de atleta, rosto europeu. Beijava doce. Língua estrangeira, sorrateira, no meio dos lábios meus. Foi amor de verão. Bastou, enquanto durou... 

Celso, madeira! Rude e forte, me tocava de todas as maneiras. Na cama, no chão, na esteira. Rompemos em curtos dois meses. Muita fúria. Muito ardente. Foi só paixão. Amor insuficiente... 

E, antes que eu pudesse perguntar à Beatriz se eram reais os namorados e supostos amantes, ela apontou um novo frasco de perfume e disse, com estranhíssimo olhar :  - esse acabou de chegar... Marcelo. Aviador, braços fortes... ele quer se casar! 

Não posso aceitar.  Alguns perfumes gostam de aprisionar...  



*                             *                             *                          *

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quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O CASACO CARMIM...


As pessoas mais queridas e amadas do meu convívio passado usavam casacos... 
Não desfrutei muito tempo com minha avó materna, uns seis anos apenas, mas lembro do seu casaquinho marrom. Tricô. Feito a mão. Ficava por cima de um vestido largo. Ou de uma camisola de flanela estampada, já no fim de sua caminhada, mais frágil e adoentada. Era quentinho quando ela me abraçava. Cheiro de vó. Aconchego de amores. Sopa de couve e sabonete Alma de Flores! 

Minha tia também tinha um casaquinho. Era azul, com dois bolsinhos pequenos. Cardigan. Sempre tinha umas moedinhas. Às vezes, balas de hortelã. Ela pedia pra eu pegar lá dentro. Casaquinho perfeito! 

Até minha mãe teve um casaco marcante. Vermelho, com botões gigantes. Dava a ela juventude e elegância. Usou uns dez anos, sem constrangimento ou pudor. Na maioria das festas e comemorações. Não esqueço aqueles botões... 

Os casacos deixam marcas. Os pequenos e os grandes. Lembro dos filmes clássicos dos anos cinquenta. Homens e mulheres com casacos de lã. Em Paris. Nova Iorque. Amsterdã... Ou numa ponte em Veneza. A cena era sempre a mesma. Despedida, com tristeza e muita elegância... 

Deixo pra lá os casacos da Europa... O que me importa são os casaquinhos das mulheres queridas que conheci e conheço por aqui. Marcas que não tem preço. A Dona Domingas, por exemplo... Faz limpeza aqui no prédio. Vejo de longe seu casaquinho carmim. Tem sempre um sorriso e um bom dia pra mim. 

Doem suas pernas. Anda já curvada. Batemos papo na escada. Ela conta da família. Três filhos, um só trabalha. O marido não pode. Só atrapalha. Tem netos que não acabam mais. 

E ela, aos sessenta e cinco, com asma, bronquite e rinite, ainda tem que trabalhar.  Ah, Dona Domingas, merecia muito mais... 
Tá na hora... do seu casaco carmim se aposentar...



*                             *                                   *                                     *

AGRADECIMENTO! 
Exposição “ Mulheres, o poder além das imagens”, na Pinacoteca de Santos!
Linda iniciativa da jovem e talentosa fotógrafa Isabela Garcia, retratando o universo feminino, representado por 21 mulheres atuantes na Baixada Santista. 
Muita honra e alegria de ter sido uma delas!



                                                    Inês e Isabela/ Pinacoteca de Santos

terça-feira, 6 de novembro de 2018

AS PEDRAS... E AS ÁGUAS DE PARATY

           
As pedras de Paraty escondem segredos que ninguém, nem os últimos calceteiros,  sabem decifrar. Paraty tem história escondida. Árvores que saltam das paredes. Igrejas e casarios. Fantasmas da abolição.

As ruas de Paraty não gostam de salto alto. De pedras lisas e irregulares, elas pedem sandálias... Chinelos rasos e humildes, para os pés dos visitantes. Ou até mesmo, pés descalços, como os dos escravos que lá pisaram. Pés sujos de areia, pele grossa, pés de trabalhador servil.

Mas é lá no vão das fendas entre as pedras, que escorrem os maiores segredos... o sangue dos negros que há muito sofreram, a magia da culinária simples de peixes e pão. E a verdade dos livros que nunca estiveram nas feiras de literatura.

As pedras de Paraty tentam esconder as memórias do Brasil colônia e quase conseguem. Mas só até de tardezinha, quando a água do mar, sagrada e salgada, vem e invade as ruas. Lava e leva as lembranças para além do alto mar!

A noite, então, as casinhas pintadas de azul, amarelo e branco fervilham ao som de conversas distintas, de obras de arte, cachaça amarela e futebol. E muita bossa nova o ano inteiro. Afinal, é o Rio de Janeiro!

E na manhã brilhante de mais um dia de sol e um mar verde sem retoques, as escunas se preparam para o passeio, repletas de turistas de diferentes línguas...

Mas é o sotaque carioca que nos avisa alegremente, bradando da proa: - Hora de partir, rumo ao paraíso! E nas tímidas caixinhas de som da embarcação começa a tocar, também em mim, a canção...

“Isso aqui ô ô... é um pouquinho do Brasil iá iá...”    

E como é!

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