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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

DISCUTINDO A RELAÇÃO...

 

Em casa tinha pato, coelho, tartaruga, cachorro, pintinhos... E uma coruja que iluminava as noites com seus olhos grandes e acesos tocando medo na vizinhança. Era uma boa coruja. Bem agourada. O mundo animal coexistia em liberdade dando alegria à nossa infância.

Os bichos soltos, vira e mexe apareciam em espaços alheios. O coelho corria atrás do pato. O papagaio denunciava o fato. E a cachorra, sempre bondosa, com os pintinhos em cima da barriga rósea. Sissi era dócil. Amiga. Peluda. Mas o que surpreendia era o seu ódio pela tartaruga!

À noite dormiam no mesmo espaço. A cascuda era dureza. Em câmera lenta e sorrateira, mordia a cachorra na pata traseira. Sissi não latia. Segurava a agonia e preparava o revide. Colocava o focinho e virava a tartaruga de casco pra baixo. Com as patas para o ar! Até que alguém fosse desvirar.

Até tomate cru a Sissi comia para tirar da inimiga íntima o motivo da sua alegria. Era um ódio danado. Talvez, uma disputa direta pelos nossos afagos. Colocamos as duas em quintais separados.

Para nossa surpresa, a tartaruga cruzava a cozinha todo santo dia para dar no quintal da cachorra. Outra vez, era a Sissi que ia até o outro quintal só para ficar rosnando para a cascuda. Havia ódio e amor naquela rusga.

A briga só terminou quando a Sissi envelheceu e perdeu a energia da disputa e o prazer da vingança. Já velhinha, queria sossego e paz. A tartaruga ficava no seu canto e não provocava mais.

Talvez, dentro do seu casco, seu velho e mole coração soubesse a imensa vantagem que tinha. O tempo é distinto entre as raças. Por muito mais anos ela ainda viveria. 

Agora apenas curtia... o resto curto e sonolento da canina companhia.

  

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quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

A SANTA DO RELÓGIO...

Foi uma leve e breve caminhada, passando em frente à Igreja Coração de Maria no final da movimentada Avenida.

Junto ao poste, no meio da porção de entulhos amontoados com portas quebradas e armários, eu vi o oratório. Madeira escura. Detalhes em estilo barroco. E todo entalado entre os trecos e rejeitos largados. Objetos dispensados pela igreja. Sem muita certeza, dei quatro passos adiante evitando pensar no resgate. Custava-me a ideia de revirar toda a tralha, no meio das pessoas na avenida ensolarada.

Não resisti. Feito um cãozinho faminto e voraz comecei separando e revirando toda a coisarada até puxar a peça cobiçada sem olhar para os lados, levando pela mão por três ou quatro quarteirões até chegar em casa.

A peça estava quase perfeita. A embúia, com entalhes frontais sem nenhum dano. E na parte de dentro, ao invés da santa que julguei ter se quebrado ou sido roubada, uma espécie de corda de alumínio enrolada. Corda de relógio! Mas vá lá, com um pouco de arte e fé, um oratório poderia ser recriado.

Retirei com muito custo a corda de metal do fundo e saí para encontrar uma santinha que coubesse lá dentro... Que santa é essa, azulzinha e de olhos pretos? O vendedor perdido não soube dizer... É a Santa do relógio? Ele concordou prontamente, interessado em vender. É sim. Dizem que é milagreira!

Pronto! Virou a santa do relógio. Ficou pendurada com o novo oratório num cantinho muito especial da minha casa. Algumas visitas perguntavam como ela agia. É senhora do tempo! Adianta o que tem urgência de acontecer e faz retardar o que precisa de mais tempo pra se resolver.

Assim foi por anos o nosso segredo. Amigos ligavam pedindo ajuda pra minha Santinha do Tempo. Santo Deus, será que foi pecado? Mas se ela fez algum milagrezinho, já está pago.

Angela, que não conhecia a história e cuidava da casa, derrubou o oratório que se quebrou em duas partes. A santinha do tempo partiu em mil pedaços. Nunca mais achei uma imagem parecida.

Hoje o oratório está no sítio da família. Restaurado por meu irmão que lhe deu novos contornos, cores e uma pátina azul com detalhes em branco e amarelo. Colocou uma fitinha e uma Nossa Senhora do Bonfim lá dentro.

Até quando vai durar? Nao sei. Quem sabe é o Deus do tempo. Sei que entra santa e sai santa e o velho relógio continua um oratório. E boto fé... é milagreiro!

 

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