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quarta-feira, 20 de março de 2024

FOLHAS DE OUTONO...


Meu prazer era caminhar nas tardes de outono pelo caminho forrado de folhas secas, caídas das copas das árvores. Foi o tempo ou foi o vento? Eu perguntava e eu mesma respondia, os dois! O outono é assim. Tempo de ventos e renovação. Algo sempre morre. O novo toma lugar.

O caminho de terra sombreado pelos galhos acumulava várias camadas de folhas marrom-escuro, produzindo um crepitar seco e quebradiço ao pisar. Muitas vezes eu ia com os pés descalços para tatear. Apreciava o som de cada passo. E o piar de alguns pássaros completando a trilha natural. 

As aves entocadas também trocavam suas plumagens. De quem é essa pena? Sabiá laranjeira, eu dizia sem convicção. Pode ser que sim, ou que não. O outono é assim...

Nos dias chuvosos a estrada ficava úmida. Também tinha sua beleza. Era o pisar do macerar. Macieza umectante. Alguns pássaros, ainda que distantes nos acompanhavam na esperança de algum bichinho na terra, saltitante. Minhocas. Insetos. Sempre havia um descuidado, coitado. 

Eu ia com minha mãe procurar pinhas para enfeitar o Natal. Mas já? É que as pinhas tem de descansar. Secar bem, para abrir os gomos por inteiro, feito flores de madeira, prontas para enfeitar a ceia. E elas estavam lá, espalhadas pela estrada. Algumas pequenas e quebradas. Outras perfeitas. Colocávamos as melhores no chapéu de palha. E o sol tímido não esquentava nossas cabeças. O outono é assim...

Levávamos, eu e ela, um cajado. Galho duro que eu procurava feito detetive no meio do mato. Logo achava um pequeno e ajudava minha mãe a encontrar um cajado maior para nos acompanhar. O andar era calmo e cheio de perguntas sem respostas. A cerquinha caiu! Foi o tempo ou foi o vento? Os dois. O outono é assim...

Hoje, os passeios e o chão de folhas secas ficaram na lembrança dos outonos da minha infância. Em algum sítio da memória. Tenho pisado em terrenos urbanos. Ouvindo sons de carros e lamentos humanos. As caminhadas na areia resistem, mas as pisadas somem rapidamente com as ondas do mar.

As folhas, o cajado e minha mãe ao lado, continuam eternos. A saudade bateu hoje em mim. Foi o tempo ou foi o vento? O outono é assim...      


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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

ALMA TAMBÉM PARA!


A gente para. Ou a vida para a gente? Às vezes no meio do caminho. No meio da estrada. É dura a estancada. Não vemos  mais nada. Apenas névoa. Visão miúda e esvaziada.

Tem tempos que são assim.

Minha rede social foi raqueada. Sumiram milhares de amigos de jornada diária, crônicas e memórias compartilhadas. Roubo cibernético para alguém de má fé tentar um delito qualquer. Feliz, por não ter sido uma parada final, cardíaca, letal. Uma parada digital é mais breve, eventual. Junto dela veio uma conjuntivite de três semanas. Alérgica ou viral? Não sei. As duas arderam corpo e alma. Dor, nevoeiro, isolamento. Há noites que duram mais que outras noites.  

Depois veio a calma e o desprendimento. Um respiro mais lento silenciou o lamento. Foi pausa saudável.  Muita rede nos faz mal. Seria um toque providencial?

Tem tempos que são assim...

Até a palmeira imperial por quem eu tinha paixão foi ao chão, gigante e estrondosamente com um vendaval daqueles que agora se tornaram recorrentes. Resposta da natureza ao mal que  lhe fazemos.                                                                                               

As outras duas palmeiras arranquei como quem arranca as raízes de dentro da alma. Empatia não pode ser só palavra.. Ferir alguém é me ferir também. E lá se foram as árvores gigantes que de pequenas plantei. Viraram cepos cortados, sem folhas, bancos tristes e escuros. Os vizinhos estão agora mais seguros. Nós também.

Tem tempos que são assim.

A minha conta em breve será recuperada com os milhares de amigos e leitores e nossas histórias continuarão a ser compartilhadas. Quanto à conjuntivite, curei como muita coisa na vida se cura. Água pura. Gelada. Colocada constantemente de hora em hora, em casa e na enevoada estrada.

No meio da pressa, recordei a lenda do pequeno aprendiz e seu sábio cavalo, companheiro na floresta.

- Não consigo ver nada à frente. Nem gente, nem caminho, nem árvores ou restos de alguma construção. Só neblina densa sem visão. Minha alma para. O corpo para. Ajude-me, alazão!

Consegue ver o próximo passo? Faça apenas isso. Quando menos perceber, terá chegado ao seu destino!

Êia meu cavalinho, devagarzinho, passo a passo, vencendo aos poucos este súbito cansaço.

Tem tempos que são assim...


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quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

AS SETE ONDAS...

Um de janeiro. A primeira onda veio. Olhei aquele mar imenso, senti-me dentro. No ondular tenso desse ano inteiro. Vaivém de esperanças com incertezas. De janeiro à dezembro. Brasil da ressaca, dos arcabouços, orçamentos. Maré no começo. Pulei sem receio!

A segunda onda chegou, com águas que vinham do outro lado do mundo. Trazia os mesmos sentimentos. Onda de extremos. Guerras por terras, atos absurdos. Chorei. Eu não sabia russo, nem árabe ou mandarim. Pulei rapidim.

A terceira onda chegou. Trouxe as queixas e o troco da natureza. Vieram plásticos, tampinhas, além das flores brancas e garrafas de cachaça. De tanto que me calei, que não gritei e me envergonhei. Pulei também.

A quarta onda era virtual. Não fui fundo. Nem pesquei. Apenas curti e pulei!

Na quinta onda vieram os peixinhos. Conversamos rapidinho. Era raso. Dei um aceno rápido, abrindo os meus braços e eles tiveram que partir...

Na sexta onda eu entrei de corpo inteiro. Sem receio. Queria o sal grosso limpando o corpo e a alma. Tirando o ranço desse ano grosseiro.

E a última onda chegou enfim. Era onda pequena. Miúda. Mas foi crescendo. Tinha uma crispa branca de espuma e esperança. Dobrei os joelhos. Olhei para as estrelas. Fiz o meu pedido e voltei pulando feito criança. Ah, essa onda chamada esperança...

Ainda hoje recomeço. Novinha em folha. Com força e sem avatar. Temos um mundo real pra consertar! 

 

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CHEIO DE LIVROS E ESPERANÇA!

terça-feira, 14 de novembro de 2023

TROMBA DE CALOR!


O mapa de atrações do Parque temático era um labirinto. Ao invés do musical de sereias cantantes, paramos num mini Zoológico com animais sonolentos e entristecidos.
Um espaço grande e com animais alimentados. Mas o calor escaldante do dia deixava os bichos lentos e entediados. Os maiores, jogados por sobre as pedras, como o urso e o leão, tinham um ar de melancolia naquele enjaulado dia. Eu apertava meus passos e meu coração.   
Avistei os flamingos, os macaquinhos e os nada pacatos suricatos. Muito alegres, um barato! Quem me encantou de fato foi a elefanta, ou aliá. Eu prefiro “elefanta”, o som do “anta” parece combinar com o movimento alongado da sua enorme tromba. Bem longa. De grande e boa milonga. À procura de água para encher a tromba e se refrescar...

Ela começou um lento caminhar em nossa direção. Havia um fosso, mas não era distante e pudemos acompanhar o desfile monumental. Uma massa grossa de fina graça e elegância vindo mansamente com suas centenas de quilos e pele enrugada. Balançado a tromba e a pênsil cauda. Parou em frente do grupo e vaidosa, ajeitou-se para posar.

Cabeça enorme. Olhinhos pretinhos e miúdos. Virou para um lado e para o outro, moveu a tromba, coçando delicadamente suas patas, esfregando a direita na esquerda, num movimento leve feito balé. Senti ali a poesia de Drummond, que dizia se fantasiar em frágil elefante de papel crepom e sair às ruas, desmoronando todos os dias...

Meu coração de algodão quase se desmanchou ao ver o desalento e a solidão. E no meio daquele mini zoológico escaldante veio a vontade nada poética e delirante de dar uma patada gigante em quem prendeu os animais ali. 

Tirem já esses bichos entristecidos... daí!




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quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A VILA COM NOME FLOR...

A placa lembra o lugar. Vila Flor. Onde ele nasceu e conheceu seu grande amor. Mas sua flor tinha espinho. Maria Emília era dura de conquistar. Partiu para o Brasil. E o coração dos jovens enamorados foi separado por dois anos, por um grande e impiedoso oceano.                

A placa lembra o navegar. Sua aventura de cruzar o mar. Até Emília reencontrar. Agora dona da venda. Comércio em expansão. Continuava dura feito pedra do porto. Dona de um singrado coração. Mas o Henrique veio da Vila Flor, vila de nome lindo. De clima umedecido, campos verdes e limbo. Cidade feita de pedras. Um vilarejo de poucos habitantes. Distante daqui, em Portugal. 

Os passos de Henrique que ecoavam em Portugal chegaram enfim ao Brasil. Com a Emília insistiu, casou, formou família. Um filho e duas filhas. Henrique de amor "Henriqueceu", como nunca se viu. 

A placa lembra o lutar. Sentava ao contrário na velha cadeira e ficava na porta da venda. Vendinha antiga com sacos de cereais a granel. Tocava bandolim. Espantava a clientela assim. Não foi fácil a jornada. Vida dura. Trabalho na madrugada. Um acidente de carro que invadiu a calçada e sua memória doente aos poucos se apaga. Foi-se aos sessenta e seis. Deitado feito flor, na cama, ao lado do seu único amor.

A placa Vila flor lembra sua passagem. Minha linhagem. Vila Real, Portugal. Vi recentes imagens que mostravam uma espécie de carnaval. Fila de portugueses seguindo um tambor ritmado. Um som triste e desolado. O povoado de Vila flor desce as ruas de pedra lembrando o antigo povoado. Homens, mulheres, crianças. Meus olhos úmidos do passado desceram a ladeira. Tudo terminava em feira, num mercado, como Emilia e Henrique num velho encontro enamorado.

O amor que cruzou o oceano veio dar em mim. Tem Vila Flor no meu sangue. Meu coração tem flor. Nestes dias perfumados de primavera mandei fazer a placa e prendi na parede ao lado da janela. Olho com ternura para ela.

A placa do meu avô! Que por amor... veio da Vila Flor!

 

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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

UM DIA SEM SALTO ALTO...

O tio Toninho tinha uma Kombi de duas cores. Branca e azul clarinho. Era o sonho da criançada. Servia para levar as mercadorias da fábrica. Atendia os clientes que moravam mais distantes. Às vezes, em cidades vizinhas e fazendas gigantes.
Nas férias, ele resolveu atender o pedido da garotada. Momento raro. Decidiu nos levar até Amparo, visitar um antigo cliente alemão. Fomos em cinco. Os três primos, tio Toninho e a sofisticada tia Zilda, para tomar conta da família.
Tia Zilda era chique. Vestidos longos, salto alto e um cabelo que saltava quinze centímetros da cabeça, sustentado por um laquê duro e perfumado. Frequentava os lugares mais finos de São Paulo e descia a serra para comer no Gáudio, o ponto mais nobre e atraente no litoral de São Vicente.
Na ida, o de sempre. Cheiro de óleo queimado e quente dentro e fora do carro. E as crianças se divertindo com o sacolejo destrambelhado. Lombadas inesperadas levavam nossas cabeças ao teto, afundando o lindo cabelo da tia Zilda em dez centímetros. Que dó. Mas ficava melhor!
Duas horas depois, na venda do alemão, tio Toninho deixou os produtos e pegou o pacote de dinheiro. Ganhamos queijo da fazenda e um pote de mel pro ano inteiro.
A volta que complicou. Um prego enferrujado na pista e o pneu da Kombi furou. Com o carro parado, os três pequenos endiabrados e o parafuso que não queria sair, tia Zilda resolveu sair da pose! No meio da pista ergueu de lado a saia fazendo sinal para algum santo homem parar. Pararam cinco. Só um, com a intenção de ajudar.
Depois do auxílio e da troca demorada, tio Toninho seguiu até o borracheiro. Uma bimboca suja a dez quilômetros dali. O estômago das crianças roncava e a tia Zilda não teve receio. Pegou o facão do borracheiro, passou umas três vezes no vestido azul de veludo e cortou grandes lascas de queijo, colocando mel por cima de tudo.
Foi melhor que um banquete. Lembro do gosto até hoje. E da elegância da tia Zilda, com uma finura maior que a fineza. Nem todo dia... é dia de princesa!


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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

PASSARINHOU, FLORESCEU, FLORIU...



Abelhinhas fartas e meladas entraram valsando pela janela aberta como se tivessem cumprido seu grande papel. E pelas asas de alegria, devem ter produzido um ou dois baldes de mel. Chegaram as borboletas azuis, amarelas e pretas. Sabiam de alguma novidade. Largaram, amarrotadas, seus escuros casulos e pela primeira vez, experimentaram voos mambembes e inseguros à luz da liberdade.  
      

Os curiós, curiosos, foram os primeiros a saber. Não deram um pio. Um deles fingiu que não me viu. Comecei a desconfiar de alguma notícia mais quente. Os bem-te-vis bem-te-viram bem antes de todos que as paisagens estavam diferentes e entoaram notas de terças numa eloquente harmonia sertaneja.

 

A grama estava mais verde. Sapos pulavam. Insetos voavam. Nos cantos, bichinhos doidos se embolavam. E sem pudor se amavam. Que raios acontecia ao redor? Quem espalhava esse tanto de amor? E sacudia poléns afrodisíacos nas florações?

 

O bem me quer não bem me quis estragar a surpresa. Melhor perguntar à mãe natureza. Fui até o pé de milho. Sussurrei ao pé do seu verde-amarelo ouvido... quem é que arrancou o terno cinza e vestiu todo mundo com traje florido? 

O milho pipocou e não falou. O dente de leão rugiu, mas não contou. Nem o vento quente que bateu, me soprou. Alguém pode dizer o que foi que rolou? Tudo desabrochou. Explodiu de amor...


E debaixo da janela, a Maria sem vergonha, tagarela não se segurou... ainda não sabe?

A primavera... que chegou!



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