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quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A VILA QUE CHAMAVA FLOR...

A placa lembra o lugar. Vila Flor. Onde ele nasceu e conheceu seu grande amor. Mas sua flor tinha espinho. Maria Emília era dura de conquistar. Partiu para o Brasil. E o coração dos jovens enamorados foi separado por dois anos, por um grande e impiedoso oceano.                

A placa lembra o navegar. Sua aventura de cruzar o mar. Até Emília reencontrar. Agora dona da venda. Comércio em expansão. Continuava dura feito pedra do porto. Dona de um singrado coração. Mas o Henrique veio da Vila Flor, vila de nome lindo. De clima umedecido, campos verdes e limbo. Cidade feita de pedras. Um vilarejo de poucos habitantes. Distante daqui, em Portugal. 

Os passos de Henrique que ecoavam em Portugal chegaram enfim ao Brasil. Com a Emília insistiu, casou, formou família. Um filho e duas filhas. Henrique de amor "Henriqueceu", como nunca se viu. 

A placa lembra o lutar. Sentava ao contrário na velha cadeira e ficava na porta da venda. Vendinha antiga com sacos de cereais a granel. Tocava bandolim. Espantava a clientela assim. Não foi fácil a jornada. Vida dura. Trabalho na madrugada. Um acidente de carro que invadiu a calçada e sua memória doente aos poucos se apaga. Foi-se aos sessenta e seis. Deitado feito flor, na cama, ao lado do seu único amor.

A placa Vila flor lembra sua passagem. Minha linhagem. Vila Real, Portugal. Vi recentes imagens que mostravam uma espécie de carnaval. Fila de portugueses seguindo um tambor ritmado. Um som triste e desolado. O povoado de Vila flor desce as ruas de pedra lembrando o antigo povoado. Homens, mulheres, crianças. Meus olhos úmidos do passado desceram a ladeira. Tudo terminava em feira, num mercado, como Emilia e Henrique num velho encontro enamorado.

O amor que cruzou o oceano veio dar em mim. Tem Vila Flor no meu sangue. Meu coração tem flor. Nestes dias perfumados de primavera mandei fazer a placa e prendi na parede ao lado da janela. Olho com ternura para ela.

A placa do meu avô! Que por amor... veio da Vila Flor!

 

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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

UM DIA SEM SALTO ALTO...

O tio Toninho tinha uma Kombi de duas cores. Branca e azul clarinho. Era o sonho da criançada. Servia para levar as mercadorias da fábrica. Atendia os clientes que moravam mais distantes. Às vezes, em cidades vizinhas e fazendas gigantes.
Nas férias, ele resolveu atender o pedido da garotada. Momento raro. Decidiu nos levar até Amparo, visitar um antigo cliente alemão. Fomos em cinco. Os três primos, tio Toninho e a sofisticada tia Zilda, para tomar conta da família.
Tia Zilda era chique. Vestidos longos, salto alto e um cabelo que saltava quinze centímetros da cabeça, sustentado por um laquê duro e perfumado. Frequentava os lugares mais finos de São Paulo e descia a serra para comer no Gáudio, o ponto mais nobre e atraente no litoral de São Vicente.
Na ida, o de sempre. Cheiro de óleo queimado e quente dentro e fora do carro. E as crianças se divertindo com o sacolejo destrambelhado. Lombadas inesperadas levavam nossas cabeças ao teto, afundando o lindo cabelo da tia Zilda em dez centímetros. Que dó. Mas ficava melhor!
Duas horas depois, na venda do alemão, tio Toninho deixou os produtos e pegou o pacote de dinheiro. Ganhamos queijo da fazenda e um pote de mel pro ano inteiro.
A volta que complicou. Um prego enferrujado na pista e o pneu da Kombi furou. Com o carro parado, os três pequenos endiabrados e o parafuso que não queria sair, tia Zilda resolveu sair da pose! No meio da pista ergueu de lado a saia fazendo sinal para algum santo homem parar. Pararam cinco. Só um, com a intenção de ajudar.
Depois do auxílio e da troca demorada, tio Toninho seguiu até o borracheiro. Uma bimboca suja a dez quilômetros dali. O estômago das crianças roncava e a tia Zilda não teve receio. Pegou o facão do borracheiro, passou umas três vezes no vestido azul de veludo e cortou grandes lascas de queijo, colocando mel por cima de tudo.
Foi melhor que um banquete. Lembro do gosto até hoje. E da elegância da tia Zilda, com uma finura maior que a fineza. Nem todo dia... é dia de princesa!


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