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quarta-feira, 30 de março de 2022

VERDADE... ESSES BILHETES!

A praia do Pântano do Sul estava vazia. Apenas um cão solitário, preto e enorme se aproximou mostrando pouca simpatia. O desconforto foi passando quando aceitamos a sua liderança. O cão guia nos levou até a porta do conhecido restaurante... Bar do Arante! 

Instalado no meio da praia, com janelas de vidros embaçados pelo hálito das bocas alegres entregues aos goles e palavras à toa. O bar conversa com as pessoas. Quem entra é recebido com um copinho de barro de cachaça da região e ouve do garçon a sugestão... - Pastel de berbigão! Lá dentro, um mar revolto de bilhetes pendurados no teto e nas paredes descamam em diferentes texturas, convidando para um mergulho na leitura.

Foi na década de sessenta que o Arante e sua mulher Osmarina abriram a vendinha para os pescadores. Vendiam de tudo, pão, paçoca, ovos, leite, farinha. A partir de setenta, a venda mudou de endereço e foi parar à beira mar. Virou bar. E restaurante! Agora com peixe frito, mariscos, ostras... e "ostros" tira-gostos. Os estudantes de São Paulo e Rio Grande do Sul descobriram as praias do Pântano do Sul e vieram acampar. Para avisar os amigos que estavam para chegar, deixavam bilhetes nas paredes. 

João, rua do Torto ao lado da cantina. Assinado, Cristina. Gerson, aqui é a Marina, ainda te amo, me liga! Zé Galindo, já fomos. Estou fugindo com seu amigo Antonio... Se são sérios ou brincadeira os recados, ninguém sabe dizer. A verdade ficou no passado. Alguns preferem esquecer.

Entrei no bar como quem entra numa caverna de estalactites de papel e olhei alguns bilhetes escritos a lápis, já quase sumindo. Outros, com letras perfeitas, tinham poemas escritos com caneta preta. Uns raros que sobraram, são dos anos sessenta. A maioria é de três anos atrás. Sabe como é o papel... assim como certos amores,  o tempo vai esmaecendo. Alguns levam vinte, trinta anos. Outros não duram um mês. Uns poucos e sortudos, resistem além do papel e continuam sua escrita em algum manuscrito misterioso do ceú!

Um doido varrido disse aos frequentadores que contou um a um. Seriam perto de setenta mil bilhetes pendurados. O meu, de vinte e poucos anos atrás deve estar soterrado. Talvez tenha sobrado um pedacinho ou uma letra apenas de um resto de poema. 

O cão guia nos esperou na saída e nos levou até o carro. A praia continuava vazia...


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sexta-feira, 18 de março de 2022

OITO CACHOS... NADA MAIS!

Ela subia num degrauzinho de madeira para ficar mais alta e ajudar por alguns minutos no caixa. A venda da Dona Emília era daquelas antigas, com prateleiras de madeira escura, grandes sacos de juta com bordas enroladas, cheios de arroz, feijão e milho em grãos. Latões de óleo. E uma vitrina de doces coloridos que atiçavam as crianças feito formiguinhas no açucareiro.

Na lousa preta, na porta principal da venda, escrito com giz, o chamariz... Aqui tem. O melhor sorvete de ameixa do Belém! Devia ser. Aos sábados fazia fila na venda da Dona Emília.

A casa da família era no andar de cima e perto do meio dia, minha vó subia para aprontar o almoço, entornar as ameixas no leite cremoso e fazer mais um latão do sorvete famoso. O avô que tinha levantando às três da manhã para comprar as mercadorias, acordava a contragosto e descia para tomar seu posto, embora ficasse o tempo todo sentado numa cadeira espantando clientes e tocando malemal seu bandolim.

As meninas do bairro pensavam nos vestidos e nos cabelos de domingo. Minha mãe continuava no caixa, lendo um livro ou um gibi. Foi assim até a adolescência. As meninas liam revistas. Minha mãe, Machado de Assis.

A revista Cruzeiro com as estrelas de Hollywood definia a roupa e os cabelos da moda. As costureiras do bairro trabalhavam para reproduzir igualzinho, encontrando os tecidos perfeitos. Minha mãe escolhia um vestido antigo que não servia mais para a irmã mais velha e vestia. Dona Emília ajustava no corpo com a ajuda da velha máquina de costura. Mas o cabelo era a parte mais dura. Não tinha paciência, nem desenvoltura.

Algumas garotas contavam seus cento e vinte cachinhos. Sessenta pra cada lado. Ou nem saiam para o desfile de sábado. Ser Shirley Temple dava um trabalho danado. A manhã inteira com bigudins pendurados. Pensando em penteados encacholados e nos futuros namorados.

Poucas horas antes do footing, minha mãe largava os livros e corria para fazer seus oito cachos. Quatro pra cada lado. Nada mais. A tarefa a aborrecia demais. Pouco antes de sair ela soltava as madeixas. Os cachos lambidos escorriam da sua cabeça. Ela sorria. Não ligava. Não combinava com as cabeças empoladas.

Meu pai, um dos rapazes cobiçados do bairro do Belém, disse certa vez, o que viu de diferente na minha mãe, no meio das divas hollywoodianas com seus cabelos de spray...

Sua mãe tinha a justa medida. No vestido simples, o corpo bonito transparecia. Sua boca alegre sorria. E o cabelo... um cabelo natural e leve... com o vento desenrolava, bailava... e se mexia!


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EM BREVE... 

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terça-feira, 15 de março de 2022

AMOR A CÉU ABERTO...

Quem jogou no campo as sementes da atração? O galo, meu Deus, quanta orgia, sacolejando as penas em cima de uma, duas, cinco galinhas... Pintinhos hão de pintar por aí. Com riso maroto saí pelo caminho que dá na jaqueira ao lado do silo, abrigo dos ninhos de passarinhos. Contei setenta jacas numa só galheira. Melhor abrir e guardar as bolinhas na geladeira. Sabor de banana melada. Fruta na língua se movendo sexy e lambuzada.

Voltei carregada. Cambucis e mini abacaxis, que enfim resolveram da terra sair. Pontas viris com folhas espinhudas. E tem cigarra que lá se gruda cantando e se amando no meio da fruta. Fico na minha, ouvindo de noite a ladainha descarada. Sibilos e cantadas.

A grama cortada na sexta passada já está alta e desgrenhada. O sol quente e a chuva de verão deixam convidativos esconderijos no chão. E no jardim de capim crescente, ninguém é de ninguém. Insetos se amam. Borboletas se entrelaçam. Cãezinhos tremem-tremem em embaraços. A onda do amor animal deixa cheiros e rastros. Saio do pasto e vou atrás do pavão...

Lindão, com sua esposa marrom e sem lindas penas. Mas eles se escondem. Os dois entocados, ligados não sei por onde.

Enfim, chego nas araras. A vermelha fujona voltou e já fez amor. Não tente se aproximar da casinha de madeira. Elas não querem visitas nem mamadeiras. E continuam se amando em frente as nossas vistas. Enquanto os pares de calopsitas se beijam sem parar.

O campo é total sedução. Animais em excitação. As plantas enlouquecidas de amor. As árvores com desejo. E nos bichos todos, um furor e a sexual atmosfera.

Flagrei, sem censuras, o cio dos bichos na Terra!

 

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sexta-feira, 4 de março de 2022

PRECE PRETENSIOSA DEMAIS...

Se possível for... Devolva-me o oceano com sua profundeza e cada uma de suas miudezas. Devolva o tom azulado dos dias calmos e serenos. E o ondulado cinzento, vivo e remexido pela força dos ventos. Prometo contar cada onda nascente e todos os peixinhos que couberem no seu ventre. Apenas deixe, mais uma vez, que no oceano eu entre...

Devolva-me o céu infinito com o brilho das estrelas. Contarei cada uma delas, sem me importar com o passar do tempo e se vai amanhecer mais cedo. Ficarei observando dias e anos, deitada no chão tamanho que me acolhe. Apenas deixe mais uma vez que os céus eu olhe...

Devolva-me os parques cheios de crianças. Com seus risos e gritos. Serei uma delas, brincando nos balanços, abraçando e beijando seus rostos. Apenas deixe que sem máscaras e sem medo, eu abrace a todos.

Devolva, sobretudo, a paz e a alegria do mundo. Que o vírus invisível retirou. E a guerra dilacera, deixando nas casas vazios de solidão.

E se não for pedir demais... Devolva-nos os que partiram. Os bons e os maus. Prometo amar diferente. Dar minha mão, caridosamente. Apenas deixe-me aprender a ser gente.

E se possível ainda for... Daria pra recomeçar tudo, do ponto onde o mundo descarrilou?

 

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