Dois mil e vinte veio com defeito. Vinte e um também. Andamos e travamos a todo momento, num abre e fecha sem fim. E não tem ninguém que dê jeito. Garantia não temos. Nem um dia estável ao menos.
Certos anos, como a vida, são imprevisíveis. Deve haver um porquê. Uma forte razão. A lei de retorno, talvez. Ou preço de nossa insensatez.
No futuro não muito distante, alguém lerá um chip gravado em diamante e poderá melhor compreender. Resta-nos, agora, o cumprimento. Mais empatia que lamentos. Estamos juntos neste sofrimento.
Mas tem algo constante e ensurdecedor que também nos tortura. Tira o sono e nos leva à loucura. As construções. Elas não pararam um só instante. Também viraram pandemia. Um tipo de vírus diferente que ataca concreto e cimento. Não assusta, mas é barulhento.
A serra grita, a porta range, o martelo cai do andaime. Os prédios, as casas e os comércios decidiram reformar todos ao mesmo tempo, formando bandas com sons imperfeitos...
Sinfonia de furadeiras! Histéricas britadeiras. Serras elétricas distorcidas e estacas mal batidas. Música concreta, sem maestria. E a orquestra desafina.
No andar em cima ao meu, a construção nunca termina. No bloco da frente, sem gente, trocaram o piso da cozinha. O martelo bate e os azulejos solfejam noite e dia. No prédio em frente, trocaram as pastilhas da fachada. Plac-plac, fazem as placas despedaçadas, numa ópera caótica e saculejada.
Começa às oito da manhã e vai até o fim de tarde. Sem dó, nem piedade. Home Office? Gravação de aula? De música? Descanso ou lazer? Nem mesmo à noite, quando as buzinas começam a aparecer. Os coletores passam com seus motores ligados e o homem dos ovos num autofalante, oferece duas dúzias por trinta reais! Não descansamos jamais.
Só uma coisa, torço pra acontecer. Tudo, ou quase tudo, para... se chover!
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