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quarta-feira, 31 de julho de 2019

SAUDADE DE VOCÊS...


O apito longo e doído do velho carrinho do vendedor de paçoca, me fez recordar coisas que há tempos já não vejo mais...

Foi surpresa sem igual. Quando vim morar na Olavo Bilac, poética e estreita rua do litoral. Tão diferente das grandes avenidas que morei na Capital... Lá veio ele, com seu apito longo e conhecido da garotada. O carrinho com chaminé e fumaça lembrava a frente de uma locomotiva. Ainda na ativa, ele vendia amendoim e paçoca quentinha. De rolha ou farelinha. Delícia macia.

Depois da paçoca e do amendoim, passavam durante a semana, vários outros ambulantes. Engraçados sujeitos! Com seus gritos e frases de efeito... Olha o amolador! De facas, tesouras ou outro laminado que for. Passava também o consertador de panelas de pressão! Cheio de válvulas, correias de borracha e panelas de antigas marcas. Panex, Panelux, Fulgor! Cheguei a correr atrás do vendedor. Minha válvula pifou! Levei outra seminova. À toda prova. Palavra do vendedor. 

Sem falar dos ambulantes da praia... Onde anda o vendedor de biju? Olha o Beeeeju! Batendo forte na sua matraca de madeira e ferro, marca registrada do biscoito seco e quebradiço, misto de polvilho e farinha de trigo. Ao contrário do vendedor de algodão doce, que usa uma buzina para anunciar a sua chegada! Quanto tempo não vejo mais nada. Cadê os vendedores de cocada? 

São tantas coisas lindas que não tenho visto mais... Lembro das noites iluminadas pelos insetos que acendiam e apagavam na madrugada. Pra mim, eram seres encantados! Dezenas deles, espalhados. Nas noites da cidade. Nas praças e descampados. Aonde andam os pirilampos? Cadê os vagalumes fosforilados? 

Receio que essas coisas belas que eu via quando criança... Os antigos ambulantes... As abelhas e suas doces andanças... 
Restem, apenas e tão somente, na nossa lembrança...



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quarta-feira, 24 de julho de 2019

VIAJA... QUE MELHORA!


A fila de idosos era imensa na loja de departamentos. Só mulheres. Ruidosas e em pé, na longa e lenta fileira. Os homens idosos, na certa, deveriam estar em filas de bancos, INSS, lotéricas... Eu estava a dois passos delas e um pouco mais distante, na faixa etária. Apoiada em um pequeno balcão à espera da gerente que demorava horas. Foi inevitável ouvir a conversa de duas senhoras... 

A primeira, mais arqueada e entristecida. A outra, falante e jovial. Ambas davam sugestões de como passar o tempo. Sem solidão, nem baixo astral. - Eu pago uma loja a cada semana! Uma numa esquina. Outra, a três quarteirões do Centro. Eu me divirto desse jeito. Não posso andar muito tempo, disse a mais tristonha. 

Olha só minha perna, a idosa mais alegre falou mostrando no meio da fila e sem receio, uma cicatriz no joelho. Não me importo não. Não paro em casa. Em vez de remédio, eu tomo é ônibus! Vivo viajando. Ontem fui até Peruíbe. De graça. Chego lá e dou uma volta na praça. Tomo um cafezinho. Quatro Reais, no máximo! Mas tem que fazer uma coisa.... e deu o roteiro completo... saio do Centro e vou até Tude Bastos. De lá, tomo o ônibus pra Peruíbe. Não pago passagem. Não é vantagem? 

É muito longe, a outra replicou. E o que é que tem? O ônibus leva, meu bem. A gente vai de carona, sentadinha na poltrona. Dando uma larga risada... amanhã vou até Mongaguá. Cada dia um lugar. E já caminhando para o caixa, aconselhou a alegre senhora. -Aprende agora: tá com dor? Viaja, que melhora! 

A fila andou. Sai da loja. Pensando nas mulheres que em maioria vivem mais que os seus parceiros... Geralmente sós e sem muito dinheiro. Acho que farei como a segunda senhora. Tomarei mais ônibus que remédios. Visitarei lugares e conversarei com todos nas ruas e praças... 

Até a viagem final, aquela que não tem volta. Mas como acho que ainda tenho um certo tempo. Vou conhecer o litoral inteiro. Logo, logo... e de graça!

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terça-feira, 2 de julho de 2019

DE CARROÇA, NA AUGUSTA?



Chuva fina. Cena comum nas noites frias de inverno na capital de São Paulo. Na esquina da Rua Augusta com a Paulista, eu estava só, à espera do trólebus que deslizava com seus suspensórios de borracha na vagarosa e extensa subida. Meus pensamentos desviavam dos carros, ignorando as buzinas enquanto um aperto estranho no meu peito paulistano eu sentia...

O sinal se fecha e tudo em mim vira um retumbante silêncio. Ouço apenas e  claramente, o tilintar dos cascos dos cavalos se aproximando. Mulata e Ferrugem! Os animais que puxavam a rústica carroça de meu avô, abarrotada de sacos de cereais para vender na feira. 

Na verdade, uma pequena feirinha, quem diria, que acontecia aos sábados, no final da Avenida Paulista, endereço nobre dos casarões e das últimas fazendas dos barões do café. O dia começava às três da manhã e junto com meu avô, ia um ajudante e um lampião para iluminar a escura e íngreme subida da rua.

Às vezes, o peso era tanto, que era preciso descer da carroça para poupar os pobres cavalos amigos. Ferrugem e Mulata trabalhavam duro, como meu avô. Ganhavam favos, afagos, gratidão...

Na hora singela da feira, os comerciantes transformavam a avenida em festa, com suas frases bem humoradas e risos largos. Já na Consolação, grandes árvores na mata virgem e densa, completavam o antigo cenário da década de quarenta. 

Meu avô ia gostar de ver os artistas de rua, as bandas de música e os ambulantes, agora aos domingos, devolvendo à avenida, a antiga alegria, a caminhada, o lazer...

O ônibus elétrico chega. Subo rapidamente, olhando pelo vidro de trás. E no lusco-fusco esbranquiçado e mágico, vejo o vulto da velha carroça, os cavalos e meu avô, com o lampião na mão...
Foi um breve sorriso e um carinhoso piscar de olhos. Depois, fez a curva fechada na primeira alameda e sumiu no meio da noite no meio do nada.

O tranco do trólebus me fez voltar. Outro tranco e tudo de volta ao normal.A chuva, o frio, os carros e as buzinas.... 
Menos meu coração, que continuou apertado, naquele galope ancestral.                                                      

                                                                                        
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Foto: Sãopauloinfoco
https://www.saopauloinfoco.com.br/rua-augusta/