Páginas

terça-feira, 25 de maio de 2021

BOA VIAGEM... ALEMÃO!


Não é Karl. É Karl-Heinz! Hanna apresentou assim o marido naquela tarde ensolarada na praia de Jurerê. Bastaram alguns olhares e veio logo a pergunta sobre o drink vermelho que os encantou. - Caipirinha de Morango, dissemos! Eles apelidaram alegremente de “ caipirango!”. 

Nascia ali a improvável amizade entre dois casais, brasileiros e alemães. Ela tinha um inglês difícil e germânico e era assistente social. Viajava em missão. Tinha um filho especial. Nos entendemos mais com o olhar fraternal. Karl Heinz era engenheiro de alimentos. Entendia de biscoitos e bolachas. Mas gostava mesmo de velejar e provar do nosso "bom" cachaça. 

Navegamos longas e belas tardes em caiaques de dois lugares. Karl contava dos mares gelados. Da pesca. Dos escandinavos. Oceanos distantes e bravos! Era um alemão branquinho, com bochechas avermelhadas. Nos últimos dias, ardidas e estorricadas.
Karl chegou na praia com camisa de flanela. Xadrez. Manga comprida vermelha e amarela. Rimos muito. Sem abraços apertados, ardiam demais os seus braços. 

Dois anos depois, o casal veio de Brehmen até o Brasil e se hospedou em nossa casa. De manhã, a surpresa. Estava pronta a mesa! Pão. Leite. Café que ele mesmo fez em nossa engenhosa cafeteira. Biscoitos e manteiga que ele achou na geladeira. Hanna sorriu. Karl-Heinz é assim! Tomamos o café e eles tiveram que partir...
 
Não vou esquecer seus olhos azuis e marejados no dia do último abraço. Hoje, folheando o livro que ele nos presenteou, revi a carta indesejada falando da sua partida e da missa de sétimo dia...

Agora as lágrimas são minhas. Lágrimas de água e sal. Feito o biscoito. Feito o mar. Que nos uniu e nos separou. Boa viagem, Almirante Karl... Karl não, Karl-Heinz! 
Tanto faz. As palavras e as distâncias já não atrapalham mais!          



****************************


















quarta-feira, 19 de maio de 2021

ORELHA DE PAU?

Meu passatempo preferido é andar pelas ruas da vizinhança observando as árvores e flores que interagem na paisagem urbana. Sempre há uma surpresinha aqui e ali. Uma flor que eu não conhecia. Uma orquídea nova florescendo e sorrindo. Uma ou outra pitanga bem no alto que nenhum atrevido conseguiu pegar de assalto.                  

Sofri ao ver o velho e enorme chapéu de sol, vítima de uma poda destrutiva e desastrosa, se transformar num tronco sem vida. Olhei o tronco com dor, lembrando da sua copa aberta e generosa, alegre e espraiada, agora um pedaço de tronco torto e mais nada. 

Veio a seguir a surpresa inesperada. O tronco pelado estava florido! Enfeitado de branco. Com pétalas grandes encravadas. Pareciam rosas grudadas. Fui me aproximando tentando entender a visão surpreendente. Não achei brotos nem flores, apenas cogumelos estranhos à minha frente! 

Os cogumelos tem aura de mistério e magia. Estão nas lendas e fantasias. Aparecem subitamente em bosques úmidos e sombrios. Alguns são venenosos como os mais famosos de chapeuzinho vermelho e pintas brancas. Conhecido como Amanita ou Cogumelo do Papai Noel. Por conta da sua ingestão, os nórdicos talvez vissem renas e trenós voando no céu... 

Deixei de onda os alucinógenos e fui procurar os tais cogumelos brancos entre as centenas de tipos e diferentes formas. Queria saber o que enfeitava o tronco oco do antigo e exuberante chapéu de sol. Encontrei vários, muito bonitos de se ver. Várias cores e padrões. Alguns bons de comer! 

O orelha de pau foi o que mais se aproximou. Não sei se é ele o cogumelo que nasceu no tronco seco e cheio de rachaduras. Mas me encantou a ideia de ser uma orelha dura. Continuo andando pelas ruas olhando as árvores. Sentindo a dor do corte e da morte de algumas. 

O sol continuará firme e forte brilhando além das tragédias provocadas pelo homem. E depois das chuvas, alguns cogumelos nos darão a breve e fugaz sensação florida de vida e de cores! 

Não foi alucinação. Olhei cogumelos... e vi flores!


*****************************

 VEM AÍ... 

NOVIDADES INESPLICANDO!

AGUARDEM...

 

 


 

 

 

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

O VENDEDOR DE MELANCIAS

A antiga Avenida Celso Garcia cortava o bairro do Brás até chegar no Tatuapé. Era extensa, cinzenta e com cheiro de fumaça. Carros e ônibus cruzavam barulhentos e vagarosos. Via perigosa para uma pré-adolescente que todos os dias cruzava a passagem para chegar ao colégio. Agora sem a ajuda da mãe. Prova, aparente, de amadurecimento.

Uma coisa destoava daquele cinza tristonho da avenida. O vendedor de melancias que ficava na esquina do Largo da Concórdia. Alegre, falante e nordestino, como a maioria por lá. Às vezes, cantava. Às vezes, assobiava. E cortava com facão afiado e rara habilidade, as fatias de melancias verde-róseas. Pareciam deliciosas, refrescantes e geladinhas. Nunca ousei comer um pedaço sozinha. 

Além da falta de dinheiro, parar numa banca de madeira entre dezenas de homens recostados, alguns trabalhadores, muitos desbocados, era impensável! Havia pouca  higiene e muita poeira dos carros. E se alguém me visse? Crime demais para uma garotinha. Mas aquelas fatias de melancia geladinhas... 

A Celso Garcia foi ficando mais caótica a cada dia. E depois da implantação do corredor de ônibus, tudo ficou espremido. Mais cinzas empoeiravam as poucas árvores que haviam sobrevivido. 

Os retirantes que chegavam aos montes na Estação do Brás viravam ambulantes e se instalaram nas calçadas. Vendiam de tudo. Miçangas, relógios, churrasquinhos, cocada... Às vezes, a polícia baixava. A maioria não tinha licença. Nem perdão! Era uma correria danada.

O Largo da Concórdia era pura discórdia. Um território hostil onde ninguém se entendia. E o vendedor de melancias continuava sorrindo e abrindo suas melancias, verde-róseas, deliciosas...

Uma tarde, na volta do colégio, a cena que parecia impossível. Meu irmão mais velho, com seus vinte anos de idade, chegando da faculdade ao lado do alegre ambulante, com um pedaço de melancia na mão! Sai correndo em sua direção como quem implora autorização. Compra um pedaço pra mim? Foi delicioso aquele... sim! 

Saboreei junto com ele a grande lasca, roendo até o verde final da casca. Comer melancia na avenida Celso Garcia, entre ônibus, operários e cheiro de fumaça... era uma grande ousadia.

 

 **************************************

 SITE INESPLICANDO! 

CRÔNICAS, MÚSICAS, RESENHAS DE FILMES, SÉRIES,

 LIVROS...   TUDO NUM SÓ LUGAR! VISITE JÁ!

terça-feira, 4 de maio de 2021

BONECA À PRESTAÇÃO...

Toda quarta-feira eu ficava pronta. Com a minha melhor roupa. Esperava sentada, próxima à porta. Dia de ir à loja da Dona Cristina! Lojinha pequenina. A uns quatro ou cinco quarteirões de onde eu morava. As velhas prateleiras expunham os bordados e linhas. Agulhas e novelos coloridos de lã. Também havia centenas de botões e fitas entocados nas gavetas. E em destaque, ela, a boneca mais linda da face da Terra! 

Roupa feita à mão. Braços e pernas maleáveis. Cara de porcelana. E dois olhos de vidro brilhantes. A boneca dos meus sonhos. Devia ser cara, na época. Minha mãe bolou um plano mágico! Vamos comprar a boneca passo a passo. Cada mês, um pedaço. E com a Dona Cristina combinou uma espécie de crediário mágico. Mexendo com o meu imaginário... 

Eu ia na loja todo mês, acrescentando ao sonho, um novo pedaço. No primeiro mês, o pé direito foi comprado. Depois o esquerdo. As pernas, direita e esquerda. Depois os bracinhos. E a parte central do corpo, com o coração em tecido fino de seda, alinhavado por dentro. Acabamento perfeito. 

No último mês, a parte final, os olhos brilhantes e a cabeça! – Podemos levar pra casa? – Com certeza! Dona Cristina entregou a boneca e eu segurei forte em meu peito. Como Gepeto, agarrado ao seu Pinócchio... 

Se a boneca ganhasse vida, escutaria as alegres e saltitantes batidas do meu coração. Voltamos pelo caminho. Eu, segurando a boneca. Minha mãe, a minha mão. Mal sabia ela... Mais do que a boneca, me deu a compreensão. A felicidade... começa no sonho!



************************************************



QUER O COMBO DOS LIVROS INESPLICANDO
PARA PRESENTEAR SUA MÃE?

PEÇA PELO 13 997754072
E RECEBA EM CASA PELO CORREIO!