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terça-feira, 11 de maio de 2021

O VENDEDOR DE MELANCIAS

A antiga Avenida Celso Garcia cortava o bairro do Brás até chegar no Tatuapé. Era extensa, cinzenta e com cheiro de fumaça. Carros e ônibus cruzavam barulhentos e vagarosos. Via perigosa para uma pré-adolescente que todos os dias cruzava a passagem para chegar ao colégio. Agora sem a ajuda da mãe. Prova, aparente, de amadurecimento.

Uma coisa destoava daquele cinza tristonho da avenida. O vendedor de melancias que ficava na esquina do Largo da Concórdia. Alegre, falante e nordestino, como a maioria por lá. Às vezes, cantava. Às vezes, assobiava. E cortava com facão afiado e rara habilidade, as fatias de melancias verde-róseas. Pareciam deliciosas, refrescantes e geladinhas. Nunca ousei comer um pedaço sozinha. 

Além da falta de dinheiro, parar numa banca de madeira entre dezenas de homens recostados, alguns trabalhadores, muitos desbocados, era impensável! Havia pouca  higiene e muita poeira dos carros. E se alguém me visse? Crime demais para uma garotinha. Mas aquelas fatias de melancia geladinhas... 

A Celso Garcia foi ficando mais caótica a cada dia. E depois da implantação do corredor de ônibus, tudo ficou espremido. Mais cinzas empoeiravam as poucas árvores que haviam sobrevivido. 

Os retirantes que chegavam aos montes na Estação do Brás viravam ambulantes e se instalaram nas calçadas. Vendiam de tudo. Miçangas, relógios, churrasquinhos, cocada... Às vezes, a polícia baixava. A maioria não tinha licença. Nem perdão! Era uma correria danada.

O Largo da Concórdia era pura discórdia. Um território hostil onde ninguém se entendia. E o vendedor de melancias continuava sorrindo e abrindo suas melancias, verde-róseas, deliciosas...

Uma tarde, na volta do colégio, a cena que parecia impossível. Meu irmão mais velho, com seus vinte anos de idade, chegando da faculdade ao lado do alegre ambulante, com um pedaço de melancia na mão! Sai correndo em sua direção como quem implora autorização. Compra um pedaço pra mim? Foi delicioso aquele... sim! 

Saboreei junto com ele a grande lasca, roendo até o verde final da casca. Comer melancia na avenida Celso Garcia, entre ônibus, operários e cheiro de fumaça... era uma grande ousadia.

 

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