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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

JOELHOS...


No meio da bagunça da minha estante, entre os velhos discos de vinil, achei uma foto da Nara. Nara Leão! Os mais novos não saberão... Ela tinha joelhos famosos. Figura e voz fina. Afinadíssima. Musa da MPB.

Pensei que fosse namorada de algum ilustre compositor. Chico, Vinícius, João, Tom... Mas, não! E por que notar mais seus joelhos que os seus tons leves e perfeitos? É que Nara era o meio. Meio à mostra, meio escondida. O colo semicoberto. O delinear dos seios. E as pernas dentro da mini saia, lindas e semi-contidas...

Tímida e sedutora. Linda para os olhares distraídos que procuravam as fendas nos vestidos. Nara era rara. Voz e violão. Doce... e forte como leão! Linha de frente. Como quem, gentilmente, não muda fácil de opinião.

Os joelhos alegres da moça séria encantavam a galera da velha MPB. Sentada num banquinho. Violão do lado. Vestido tubinho. Restava ouvir e cair de joelhos. Por seus joelhos. Sua beleza quase inglesa. Seu açúcar, seu afeto. E um certo ar modesto que beirava à tristeza...

Minha prima Tereza também tem joelhos lindos. Usa shorts curtos, jeans. Anda por aí, se exibindo... Não toca violão nem nada. Dança solta, virando as madrugadas. E vive sorrindo...

Viva Tereza! Viva Nara! Cada uma no seu tempo. Cada uma do seu jeito. Viva a beleza que salta. Mesmo que seja... um simples joelho!

Retornei a velha foto e o disco para a estante. Olhei meus joelhos, meu corpo. E um sorriso antigo iluminou minha cara. Peguei o violão. Saí cantando Nara.
Feito uma cigarra...



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terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O CHÁ DE MULUNGUÊS!

Zeza nasceu, cresceu e aterrissou direto de Mulungu, cidadezinha de nove mil habitantes no interior da Paraiba, pra ser minha vizinha em São Paulo. Foi na capital que acabou de estudá e se mudenizá, sorria ao falar. Aprendeu confeitaria e fez muito sucesso, depois de um tempo de dureza e maus pedaços.  

Zeza tinha um dialeto especial, o mulunguês, que com o passar dos anos passei a me acostumar e quase entender. Ela barria com a bassoura. Fazia chazinho pro figo desagordurá. E todo final de mês pusitava os cheques dos clientes na conta... - Não é pusitá, Zeza. É depositar! É isso mesmo, despois eu pusitei.

Não tinha jeito. Fui me adaptando ao mulunguês. Difícil mesmo era entender quando ela falava rapidamente com os parentes. O mulunguês corria solto feito garanhão no sertão da sua Paraiba. Eu nada entendia e a Zeza se divertia... Parece ingrêis, mas nóis se entende, dona Inês! 

Zeza tinha um coração maior que o seu sotaque, sua cidade. Eu adorava aquela autenticidade. E também dos seus repentes, trazendo sempre um chazinho de mulungu quentinho e docinhos folheados de presente. 

Quando nasceu seu primeiro neto, o caldo engrossou a língua de vez. Zeza ainda não tinha comprado telefone e a família mulunguense queria saber do rebento. Era Mulungu inteiro ligando pra minha casa todo o tempo. À cobrar, querendo a vovó parabenizar. Tio Zinho. Creilson. Deudete. Jucinha. Jonatan. Luzinete, tia Zerina e por aí seguia. Eu compreendia só metade das frases e chamava a Zeza correndo... pega aqui que eu não entendo.

Foi na hora de dar o meu presente pro rebento que a Zeza se superou. Eu queria dar algo de valor pra mobiliar o quarto do bebê que com ela e a filha iriam morar. - Zeza, compre o que faltar! Ela voltou da empreitada feliz e arretada. - Comprou o presente pro menino? Oxê, disse com seu sotaque de carinho. Deu direitinho. Comprei a cômbida... e o belcinho! 

Ah, Zeza, que saudade do seu mulunguês, do bebê... e do chazinho!


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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

O SILÊNCIO DAS BORBOLETAS...

As duas entraram girando. Feito hélice. Eram branquinhas. Alegres. Duas borboletinhas que chegavam festivas no meu jardim. Passaram pelo araçá, o limoeiro, o flamboyant vermelho e ficaram ali um tempo, à borboletear. 

Uma ia à frente. A outra, atrás. Trocavam sempre de lugar. Enamoradas... Devem ter se amado durante a madrugada! E no silêncio da manhã sem vento, só aquele alegre movimento despertou meu olhar. 

Depois de algum tempo elas foram embora. Da mesma forma giratória. Beijar, quem sabe, outras flores e árvores, de manga, pitanga ou amoras... Felizes, as borboletinhas seguiram quietas e livres. A paisagem voltou ao normal. Nem o sibilar do vento se ouvia... 

A noite caia de mansinho. A lua foi se chegando, devagarzinho. Vieram as estrelas, algumas nuvens pequenas e o silêncio imenso no céu continuou... Apenas o som de um avião cortou e rapidamente passou. No mais, era a paz desejada.  

Mas que nada. Os sapos, sempre eles, quebraram o terno momento. Começou, então, o ruidoso lamento... Poxas e puxas, gritavam alto a coaxar. Acompanhados da cigarra estridente... 

Os vizinhos também chegaram. De carro, com risos altos de feriado. Voltei pra casa, lembrando das borboletinhas felizes e quietinhas. Que não alardeiam seu amor, suas idas e vindas... Nem a lua, as estrelas e o universo em movimento. Eles não precisam! 

Os sapos, sim, querem contar tudo. Pra todo mundo! Mas a felicidade plena, essa... não faz barulho!   


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terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O ÚLTIMO TOQUE...

Tarde quente. A Rua da Liberdade fervilhava feito um vespeiro. O recém- aposentado não esquentava como o tempo. Não estava preso à mais nada. Nem emprego, nem mulher ou namorada. Mas alguma coisa ele ainda procurava.

Entrava e saia das lojinhas, subindo e descendo as ruas- artérias que alimentavam o coração da cidade. O centro comercial de tantas glórias, tinha uma espécie de circulação extracorpórea. Indo e vindo de ambulantes, pedestres, pedintes e suas histórias... 

Primeiro pensou em comprar roupas e calçados. Desistiu no ato. Não precisava mais de sapatos. Nem de ternos, gravatas e nós enforcando o pescoço. Poderia viver de moletom e um tênis velho que durasse até o osso.

Não queria livros. Nem relíquias em vinil. Tinha tecnologia suficiente para baixar o que bem entendesse nas redes. Também não queria nada esportivo. Seu time em baixa. Barriga em baixa. Pressão, colesterol e triglicérides em alta. O melhor era correr. Para um médico assim que possível. Talvez, no ano que vem!

Queria se dar um presente. Entrou rapidamente numa lojinha de importados e comprou um despertador. O melhor e mais barulhento que havia. Pagou cem pratas e foi pra casa.

Na véspera do novo ano. Colocou-o para despertar as cinco em ponto. Compromissos não tinha. Nem peru para colocar no forno. Era o Reveillon do abandono.

Queria  o prazer imensurável de acordar no velho horário de trabalho e interromper o alarme maldito e diário que destruia sua mente e o labirinto.

O alarme tocou. Esticou as mãos e deu o último toque. Definitivo, no torturador suíço. Virou-o contra a parede... e foi dormir numa rede.

 

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