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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

DELICADEZAS...


Entrelaçando. Retorcendo. Revirando os fiapos pequenos de madeira... Com seu biquinho feito agulha fina de rendeira, ela foi formando, num tricô de galhos miúdos, a sua leve casinha! Pequena e redondinha. No fundo, uma pequena portinha.  

Em poucos dias já se via o esboço do ninho. Delineado com bico e carinho. Coisa de artesão. Ficou bem preso e protegido, entre as folhas de um verde amarelecido pelo sol quente do verão. Por vários dias, assisti a árdua jornada da alegre passarinha que ia e vinha. Levando gravetos e linhas...Construiu no meio da planta. Na minha varanda, a sua delicada casinha... Não me perguntou nada. Não precisava. Alguém mais importante que eu, a autorizava. 

E no recém formado ninho,  nasceram os filhotinhos. Batizei: João do pio, Bicuda e Pedrinho... Cresceram escondidos, até voarem sozinhos. A mim, bastou acompanhar. Sem assustar. 

Têm me encantado as delicadezas... Das pessoas e da natureza. Duas faces de mesma leveza. A gota de orvalho quando rola suave pelas folhas e balança leve na incerteza... Cai? Não cai? Amparo na palma da mão, com humana delicadeza. Os colibris beijando as flores sem distinção de cores. Experimentando vários sabores. Suaves beijos, que mal tocam a boca e aumentam ainda mais os desejos. Ou mães, ajeitando seus filhos junto aos seios... São tantas, e santas, as delicadezas... 

E depois de semanas, o ninho já estava vazio. Bateu um vento e caiu. Leve como surgiu. Sobraram palhas secas e alguns fiapos amassados. Peguei delicadamente nas mãos e voltei para o meio dos galhos... Servirá para outro pássaro? Um pardalzinho? Um canário? 
Deixei na mesma planta o pequeno lar empalhado que vi delicadamente se formando. E, de tão feliz, amanheci cantando...



*                                *                              *                              *
                           

                                       VEM AÍ...

              PROJETO " VEM QUE TREM POESIA"..

                                       AGUARDE!







quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A BUSCA DE UM OLHAR...


Corpo jovem. Ágil. Andar perfeito... Era assim com meus vinte e poucos anos. Eu carregava mil planos. Possíveis e impossíveis sonhos. A luz das estrelas. A força dos oceanos.

Não sou mais como antes. Ganhei marcas, ruguinhas, implantes. Rápido agora, só alguns instantes. O resto é mais sonolento. Olho com discernimento. Quase não me engano. Com o passar dos anos, escolho os melhores planos. Segredinhos do caminhar humano.

Faço marcas na areia e olho as ondas apagando. Não preciso deixar nada. Nem sequer, pegadas. Ando calma. Quase flutuando... Antes, tinha olhos de lince. Mirava sucesso. Dinheiro. Corria milhas e milhas para nem sempre alcançar. Hoje, meus olhos repousam no mar.

Até o amor se aquietou. Antes, suor e vertigem. Paixões que eu julgava indestrutíveis. Agora é paz e calmaria. Valsa suave. Rica melodia. Nada mais sufoca. Na minha aorta, bate o amor verdadeiro que nada pede em troca. Às vezes, sua válvula cansada é que entorta. Mas o amor está lá, por inteiro. Sem refluxos, nem reviravoltas! A paz é que importa. 

Não sou mais como antes. Pele macia. Joelhos sem dor. Articulações perfeitas. Esquece! Tudo está meio usado, mas muito decente. Até a boca afiada que usava palavras erradas em momentos de fúria, deu lugar à ternura. 

Não sou mais como antes. Não sou mais do jeito que um dia você me viu. Busco agora outro olhar. Que não repare tanto nas fortes linhas, marcas e ruguinhas. Nem nos visíveis defeitos. 

Quando me olhar agora, por favor... leia-me por dentro!


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 PELO YOUTUBE CANAL INESPLICANDO

Veja o LANÇAMENTO VIRTUAL DO LIVRO " INESPLICANDO VOL2" 60 CRÔNICAS E UM CHORINHO...


 


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

DÁ PRA CONSERTAR?


Tio Carlos era contador de piadas. E tinha uma profissão que desapareceu. Consertava máquinas de escrever! 

Fez isso durante décadas, numa loja do centro velho da cidade... Com o passar dos anos, seus clientes foram diminuindo. Alguns, desaparecendo. Até que zeraram. Lembro da sua alegria, quando levei, nos anos noventa, minha Olivetti Lettera 80 pra ele consertar. Queria a peça funcionando. Uma relíquia em cima da minha mesa lateral. Lembrança dos primeiros textos poéticos, imitando escrita manual. 

Depois disso, não vi mais o velho Carlos. Sua esposa adoeceu e ele aproveitou a idade avançada para se aposentar do ofício. Os amigos da delegacia ao lado devem ter sentido falta das suas piadas, do sorriso simpático e do sotaque madeirense... 

Lembrei dele esta semana, quando vi o senhorzinho que conserta guarda-chuvas perto da minha casa... Sempre sentado no seu banquinho, ao lado da velha Kombi cor creme mal emassada nas portas e laterais. Podia chover ou fazer sol que lá estava ele, às voltas com suas varetas. Soube que a quitanda em frente era da família. Mas, depois que ela fechou, nunca mais havia visto por lá o tal senhor. Pensei em depressão. Lembrei do Tio Carlos e seus dias de inatividade. Sozinho em casa, sem fazer nada. Nem trabalho. Nem amigos. Nem piadas...  

Semana passada fiquei feliz ao rever a Kombi e o velho consertador. Ele voltou! E estava sentado com um guarda-chuva preto na mão. Começou a chover. Apertei o meu passo e tentando alegrá-lo perguntei com sorriso largo... Tenho um guarda-sol em casa sem uma das varetas. O senhor pode consertar pra mim?  

Ele me olhou estranhamente e indignado com a minha total incoerência disparou: hoje, não! Não está vendo que está chovendo? Hoje conserto guarda chuva. Se amanhã fizer sol, a senhora traz o guarda-sol...  
Sai, com os pingos da água fria molhando meus ombros... 



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COMPARTILHO A MINHA ALEGRIA... E O SUCESSO DO LANÇAMENTO DA

 ANTOLOGIA " ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU" DA CHIADO EDITORA, 

 NA LIVRARIA CULTURA EM SÃO PAULO !  

OBRIGADA A TODOS QUE COMPARECERAM... FOTOS NO @INESPLICANDO




LEIA AGORA , O MEU POEMA SELECIONADO,


LUA DOIDA 



A lua anda.
Branda. No meio da noite. No fim da rua.
Ah, a lua...
Surge na janela. Imensa e amarela. Linda donzela.
Às vezes, é filete minguante. Feito a vida. Foice cortante.

São tantas, as luas...
Lua dos amantes. Das cartas de tarô...
Lua pequena e distante. Lua vermelha de sangue.
Lua cheia. Dos homens. E do lobisomem.

Lua dos nevoeiros. Do sertão. Dos seresteiros. 
Lua do brilho prateado no mar...
Lua de Ushuaia. Lua de Madagascar.
Lua dos loucos. Como ela, a girar...

É doida a lua, sim! Lua que bóia e flutua. 
Dona de estranho poder. 
Acorda os poetas. Faz criança adormecer...

E depois de tanta aventura, a lua ainda anda,
nas noites escuras... 
Completamente nua!

É doida a lua.   


quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A CASA QUE ESPIA...

São duas janelas. Ou dois olhos? Espiando sobre o muro... Ela deve ter uns cem anos de existência. E resistência. Tem os cabelos armados pelas árvores. Estilo despojado e legal. Juba natural! O nariz e a boca não se vê. Imagino um sorriso triste. Ou irônico, talvez.

A casa fica no meio do velho caminho que vai dar na Ponte Pênsil, em São Vicente. Tem cara de gente! Os olhos, abertos e atentos. Com uma dose de sofrimento... Deve ter sido linda no passado! Hoje, maltratada, vê tudo ao seu redor, estagnado. Será que acompanhou  a construção da ponte? O intenso movimento dos dois lados? E o sangue dos operários que trabalhavam sol a sol, derramado? Alguns morreram por lá. Tristes gemidos dentro da casa, ainda devem ecoar... Nem ouso entrar!

Hoje, a casa só espia e ouve o tiritar das tábuas de madeira soltas na ponte a chacoalhar. Sempre gostei da sensação do tremular. Mas ela não deve gostar. Difícil deve ser descansar... Carros passam e buzinam. Pescadores, em grupos, chegam pra pescar. Meninos loucos, pulam da ponte pro mar. E a casa a espiar... É a vida que lhe resta olhar. 

À sua esquerda vê a velha estrutura pênsil e sua linda arquitetura. Embaixo, os barcos passando, fazendo onda e espuma. E o sol se pondo defronte, na linha do horizonte. Mas é bem à sua frente que a casa se desespera. Vê a casa das bananadas. Desde mil novecentos e nada. Ainda útil e movimentada. Ponto certo de parada. Todos entram e a visitam para comer e se deleitar. 

E para a casa que espia, minguada, ninguém dá nada. Nem tinta, nem reboco. Nem pomar. A casa só espia, espia, espia... Até que um dia, alguém, mais cruel, venha até os seus olhos tampar.      


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Foto : Tony Lamers


Atualizando... a casa foi demolida em 2022. R.I.P.


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FOI UMA HONRA PARTICIPAR...

CONFIRA COMO FOI O LANÇAMENTO DA COLETÂNEA DE POESIA

CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

" ENTRE O CÉU E A TERRA" DA CHIADO EDITORA! 

NA LIVRARIA CULTURA DA AVENIDA PAULISTA

FOTOS NA GALERIA DO FACE @INESPLICANDO



quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

TIRANDO AS RODINHAS...


Ela andava mais de seis quarteirões. Sempre de tardezinha. Logo após lavar a louça, as roupas, ajeitar as coisinhas. E não era fácil a caminhada. Minha mãe na frente e eu do lado, na bicicleta com rodinhas de alumínio cromado. 

Devia ter uns cinco ou seis anos. As pernas magrelas roçavam no cano da bicicleta e o pedal escapava, ás vezes e batia duramente na canela. Atravessávamos avenidas, ruas e praças cheias de gente pra chegar numa fábrica onde havia uma imensa plataforma. Pista grande, de cimento. Sem gente. Sem movimento. Devia estar desativada há um bom tempo. 

Ideal para o primeiro teste de liberdade. Ali eu poderia tirar as rodinhas e enfim, pedalar sozinha, feito gente grande de verdade. Eram três ou quatro tentativas em vão e alguns medos e frustração. Na semana seguinte, tudo se repetia... Que energia a minha mãe tinha. Ela tirava as rodinhas e seguia sempre ao meu lado. Às vezes, um pouco atrás. Eu ia ziguezagueando e entortando. Pondo o pé e parando. Eu vacilava e lá estava ela em um segundo. Pronta pra me segurar no mundo. Não tinha como cair. Não podia desistir. Ela sorria e me fazia recomeçar... 

Ah, mãe, que falta me faz. Nesses dias inseguros. É tanta gente cortando a nossa frente e jogando nossa bicicleta contra nos muros... Já tirei as rodinhas faz tempo. Ando sozinha todo o tempo. Gostaria de poder olhar pra trás e ver seu sorriso novamente. Meu porto seguro. Amor confiante. Sempre presente, me dizendo docemente:  
-  Vai filha, sem rodinhas! Estou por perto. Segue em frente!


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