Páginas

terça-feira, 30 de maio de 2023

ORA DIREI... QUE VI ESTRELAS!

Estavam espalhadas na areia. Eu, na infância, chamava de estrela. Estrela do mar. Alguém disse que caiam do céu. Nunca acreditei. Não cheguei a perder o senso, sabia que vinham do oceano imenso.

As vivas e com cílios em movimento eu devolvia para a água imaginando que pudessem se salvar. As quebradas e já sem vida eu partia ao meio para ver a estrelinha pequenina. Eu não levava pra casa, nem fazia coleção. Eram do mar. Por alguma razão, apareciam no final do verão.

Nome esquisito dessa espécie de serzinho. Equinodermo! Uma face tão doce não precisava desse nome. Cara redonda moldada feito argila e na parte de cima uma geometria bonita, desenhando uma flor. Em baixo, pés ciliados lhe dão movimento para todos os lados. Frágeis e inofensivas vivem e se alimentam no fundo mar. Não têm veneno. Nem espinho tem. Não causam mal a ninguém. As marés fortes as sacodem e as trazem junto com a areia pra fora do seu lugar. Dezenas surgem na beira. Eu dizia que eram estrelas...

Contava uma a uma como se estivessem no céu. Para a maior delas, fazia um pedido especial. Segredo confidencial.

Anos mais tarde, alguém me disse no entanto: "certo perdeste o senso". Não são elas as estrelas. Está na cara, basta olhar, estas são bolachas do mar.

Sorri. Achando graça. Perdi a poesia. Achei as bolachas!

 

 ********************************

 Ref. Olavo Bilac.         

terça-feira, 23 de maio de 2023

NUM É BAIO, MAS É BÃO!

Um caipira, desses que falam pitando e se espreguiçando, parecia não entender nadica de nada. Parecia.
Foi ele que me ensinou com um balde velho e uma prosa ribeirinha, o ritmo certo de ordenhar a vaquinha. Mostrou como se pega com laço o novilho. Como se colhe a espiga de milho. Além de ser bom de faca! Com ele ninguém mangava. Nem mesmo a vaca.
Era magro e liso feito saruê quando se embrenhava no mato. Tratava com Neguvon, cavalo com berne e carrapato. Não gostava de pombos. Fazia fumaça pra espantar marimbondo. Dava nome pras galinhas. E pra qualquer dor, tinha sempre uma santa plantinha!
Comprou um cavalo branco. Já velho. Foi ligeiro e bom corredor em tempos passados, mas agora parecia lerdo e cansado. Um pouco magro. E o caipira lhe dava consolo batendo em seu lombo com a palma da mão...  "A velhice é marvada, sinha moça. Porque o tempo, o tempo escangaia”. Disse isso com ar de carinho como se dissesse a si mesmo, percebendo ao longo do caminho, a dureza da lida, o desgaste da vida, o andar trupicante e o corpo franzino.  
Guardei pra mim os ensinamentos do caipira e a imagem do cavalo meia vida. Olhei no espelho, conferi as minhas ruguinhas já crescidas. O olhar cansado meio modorrento. A coluna torta e uma leve artrose no joelho. Concordei com o caipira e seu velho amigo de pelos. O tempo maltrata mesmo. 
Passado uns meses encontrei os dois passeando na estrada de terra. Um do lado do outro. O cavalo ia mais devagar e agora mais trôpego. Cumprimentei o caipira que estava brabo que só. Imagina, disse ele, que o cumpadi queria comprar o meu cavalo baio. Eu disse que não era baio e que andava devagar. O ômi insistia. Dizia que ainda servia pra muito saco de milho carregar! Queria pagar cem conto e fazer o coitado trabalhar!
E você disse o que pro moço? Nada não. Só mostrei facão. O bicho não é baio, mas é bão. E pode trupicar que eu não ligo. Quem crê em Deus, nunca que vai vendê um amigo... 
 
 *******            

 

terça-feira, 16 de maio de 2023

A PAZ DO BANQUINHO...

                                                              

Preciso, com certa urgência, de paz. Uma paz quietinha. Miudinha. Num lago dos sonhos. Com um banquinho branquinho para me sentar em abandono. 

De criança eu buscava na mata as pedras mais roliças e chatas. Alçava o braço para trás e lançava. O golpe era rente à água e a pedra seguia ligeira, pulando na superfície. Uma, duas, três vezes, quicando. Pai, mãe, filhos e filhas! O lago aos poucos ia se agitando.

Eu, criança maluquinha, voltava a lançar novas pedrinhas para formar uma grande família. Nunca conseguia. A cortina de água inerte e calma do lago respondia com ondas serenas. Círculos que saiam do ponto do atrito e se estendiam até a borda final. Logo o lago voltava ao seu estado pacífico e natural.

Sinto falta da criança pedra-saltitante que eu era. Um certo cansaço me alcança. O desamor e fortes pedradas deram em ondas gigantes nas águas da minha alma. A violência gratuita nos ronda. O mundo sempre às vésperas de alguma guerra tonta. Eu tenho pressa. O tempo avança pela fresta. Brincamos com perigosas pedras.

Achei enfim o banquinho. Branquinho, no lago calmo e perdido no meio do mato. Sentei sem nada nas mãos. É curto o meu tempo e urgente o meu amor. Olhei as árvores e o céu quietos, cúmplices da minha paz, até que o manto da noite desceu com ares de conclusão. Tudo seguiu calmo, só as cigarras cantavam uma canção.

No refrão... a natureza, nossa salvação.



****** 

 

A brincadeira de quicar pedras na água é levada a sério por muita gente. O stone skipping tem até uma associação norte-americana e recorde mundial reconhecido pelo Guinness Book... 88 pulos!

https://gizmodo.uol.com.br/pedra-quica-88-vezes-na-agua/

 



terça-feira, 9 de maio de 2023

DO ALTO DOS OITENTA


Do alto dos meus oitenta

Onde a vida se acalma.  

E se senta.

Percebo um vacilo no tempo.

Transformar em ato,

o lamento.


Viva, veloz e traquina

Viro a mesa,

Dobro a esquina.

Levo comigo o segredo

- alma já sem medo -

Ergo o dedo,

enfrento a vida.

Faço da anciã,

menina.

     

E grito à juventude perdida:

Alto lá!

-Aqui tem vida!


***************************

Poema dedicado à Dona Olga, minha mãe.

Próxima aos oitenta anos, nosso zelo exagerado vinha a deixando irritada...  “Não saia sozinha, não mexa no fogo da cozinha, cuidado pra não cair...” 

Um dia, bateu em mim uma profunda e amorosa empatia e como se fosse ela me ditando em versos...  escrevi esta poesia.

Inesplicando.


terça-feira, 2 de maio de 2023

CALOR BRASILEIRO...


O mundo mágico não era perfeito. Era quase. Faltava um calor brasileiro.

Em nossa primeira visita ao famoso Parque do Mickey, Pateta, Cinderela e companhia, faltou um tipo brazuca de magia. Aquele golinho pretinho que desce quentinho. No trabalho. Na casa da mãe quando se chega. Ou em qualquer boteco do Zé ou da Tereza. No Tio Sam era raridade. Loro lá pede Coke. Loro pede café, só aqui na brasilidade. 

Depois de um dia extenuante imitando criança, andando por castelos e comendo hot dogs e refrigerantes. Depois das bolhas nos pés, dores nas costas e corações cansados e pulsantes... faltava o cafezinho! E não tinha um pinguinho sequer de café. Nos belos restaurantes, nas lanchonetes ou foodtrucks. No coffee. Só Coke! 

A imagem fumegante era cada vez mais presente em nossas mentes. Servia qualquer tipo de café. O fraco descafeinado, como os americanos são acostumados. Meio frio e mal passado. Ou tinta preta que não dá nem pra engolir. Servia um pinguinho qualquer assim.

Os bares do Parque já estavam fechando quando enfim achamos! Pedimos duas xícaras, enquanto estouravam os fogos da parada que encerrava a festa e anunciava o último show do dia. 

Estava frio. Poucos gatos pingados ficaram pra ver a apresentação do B52, quem diria! Com direito a cabelos coloridos e lembranças da New Wave e magia.

Saboreamos gota a gota a apresentação até o final. Lembrando dos anos oitenta e chacoalhando nossos cabelos já não tão rebeldes e grandes. Bastou o pinguinho de café para nós, alegres e dançantes visitantes.

Os latinos desfrutam melhor das coisas quentes. Aplaudimos, contentes.


**************************