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terça-feira, 23 de maio de 2023

NUM É BAIO, MAS É BÃO!

Um caipira, desses que falam pitando e se espreguiçando, parecia não entender nadica de nada. Parecia.
Foi ele que me ensinou com um balde velho e uma prosa ribeirinha, o ritmo certo de ordenhar a vaquinha. Mostrou como se pega com laço o novilho. Como se colhe a espiga de milho. Além de ser bom de faca! Com ele ninguém mangava. Nem mesmo a vaca.
Era magro e liso feito saruê quando se embrenhava no mato. Tratava com Neguvon, cavalo com berne e carrapato. Não gostava de pombos. Fazia fumaça pra espantar marimbondo. Dava nome pras galinhas. E pra qualquer dor, tinha sempre uma santa plantinha!
Comprou um cavalo branco. Já velho. Foi ligeiro e bom corredor em tempos passados, mas agora parecia lerdo e cansado. Um pouco magro. E o caipira lhe dava consolo batendo em seu lombo com a palma da mão...  "A velhice é marvada, sinha moça. Porque o tempo, o tempo escangaia”. Disse isso com ar de carinho como se dissesse a si mesmo, percebendo ao longo do caminho, a dureza da lida, o desgaste da vida, o andar trupicante e o corpo franzino.  
Guardei pra mim os ensinamentos do caipira e a imagem do cavalo meia vida. Olhei no espelho, conferi as minhas ruguinhas já crescidas. O olhar cansado meio modorrento. A coluna torta e uma leve artrose no joelho. Concordei com o caipira e seu velho amigo de pelos. O tempo maltrata mesmo. 
Passado uns meses encontrei os dois passeando na estrada de terra. Um do lado do outro. O cavalo ia mais devagar e agora mais trôpego. Cumprimentei o caipira que estava brabo que só. Imagina, disse ele, que o cumpadi queria comprar o meu cavalo baio. Eu disse que não era baio e que andava devagar. O ômi insistia. Dizia que ainda servia pra muito saco de milho carregar! Queria pagar cem conto e fazer o coitado trabalhar!
E você disse o que pro moço? Nada não. Só mostrei facão. O bicho não é baio, mas é bão. E pode trupicar que eu não ligo. Quem crê em Deus, nunca que vai vendê um amigo... 
 
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