Páginas

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

EU QUERIA... A MEINHA!

Durante muito tempo as festas de Natal foram em minha casa. Hábito familiar, núcleo de afetos, memórias. A família ainda era grande e se reunia em torno da personagem agregadora, minha mãe. Acolhedora. Protetora. Forte como leoa agasalhando os seus.

Com o tempo e os casamentos dos filhos, a coisa foi sendo espalhada e dividida por outras casas, mas lembro de criança os momentos de carinho e os animados preparativos. A sala ia aos poucos ganhando colorido com bolinhas, presépio, taças, toalhas e sininhos. Tinha tudo na nossa ceia. Só não tinha a meia...

Aquela meia pendurada em cima da lareira. Mesmo que não tivéssemos em casa uma lareira. Podia ser em cima da porta, presa na parede. Eu pedia sempre. Mas ninguém me dava atenção. Meia não! Meia não precisa. É coisa de cinema americano. E eu ficava sem a meia mais um ano.

Minha mãe podia fazer uma de tricô! Era craque com as agulhas. Mas ela postergava o meu pedido. Ano que vem tem! E eu ficava sem a meinha outra vez.

Os Natais foram mudando ao longo dos anos. Famílias novas dentro do núcleo raiz se formando. Quem passa Natal com quem? O irmão mais velho desta vez  não vem. O outro passa primeiro na sogra, antes da meia noite ele chega. E a tia Tereza? Foi morar em Fortaleza... O Natal foi se esvaindo e as pessoas se embaralhando. A figura central de minha mãe, diminuía seu papel, mas mantinha seu tamanho.

Um ano ela prometeu fazer a meinha em tricô com restos de lã, nas cores vermelho e branco. Meu coração bateu de espanto e o trabalho manual começou. Dia após dia, a meia crescia. Até que uma forte gripe atrapalhou a confecção. Com remédios e precisando de descanso, a meia pela metade ficou. Não tive coragem de cobrar a tarefa. Fiquei quieta.

Dias antes do Natal vasculhei o armário e achei um meião de futebol do meu irmão. Era abóbora com verde. Naquele momento qualquer cor valia. Alarguei a boca da meia, coloquei uma fita vermelha e quando ia pregar na parede, fui pega em flagrante com a peça na mão. O meu meião, não!

Mais um Natal com ceia e sem meia. Eu não ligava tanto para os presentes que ganhava. Ter minha mãe e a família por perto bastava. Hoje restam as lembranças das festas grandes do tempo de criança. Eu até tinha esquecido da meia desejada. Deve ter ficado numa gaveta da memória entocada. Mas ainda dá tempo. Vou ver se compro uma pra colocar em cima da porta. Papai Noel este ano vai rir de mim.

- Conseguiu, enfim!

 

**********************************

                       

DESEJAMOS A TODOS OS NOSSOS LEITORES

 INES...PLICÁVEIS!

UM FELIZ NATAL E UM 2023 CHEIO DE LIVROS!

sábado, 10 de dezembro de 2022

O SORVETE DE LIMÃO...


Era um sorvete pra cada dia. E um sentimento diferente pra cada sabor. Na maioria das vezes, eu pedia de chocolate ou de coco. Eu variava muito pouco. Não havia sabores como milho ou pistache. Pelo menos, na venda do pai do João. Mas ele tinha o alegre sorvete de limão... 

Tenho pra mim que o sorvete de limão era especial. Eu pedia nos dias mais felizes. Em geral, nos dias de sol. Alegria cítrica e natural. O sol laranja batia nos rostos adolescentes no recreio alegre e cheio de gente. O ar quente subia em bafos do chão. Mas nestes dias não chovia. E eu pedia o sorvete branco de limão. Era o azedo na língua. Era explosão de saliva. Era cheiro de capim cortado e flor.

Andei experimentando sabores diferentes ultimamente. Sorvetes por quilo. Sorvetes quentes. Sorvetes na chapa. Sorvetes em copão. Mas nada me tira da lembrança o sabor de criança do sorvete de limão, da venda do pai do João... 
Outro dia, ousei misturar um crocante de baunilha com guaraná e seriguela. Por cima, cobertura de confetes e geleia, tudo na mesma tigela. Coisas de sorveteria moderna. Entornei dois copos de água à força e sem piscar. Só para desentalar. 

Os novos tempos trazem sabores que a gente tende a experimentar. Por que não repetir o velho e bom sorvete de limão? Aquele famoso, no palito? Compartilhando com os antigos amigos a mesma emoção?

Talvez tenhamos medo de não encontrar o sabor antigo. Nem os velhos amigos. Nem o gosto da infância das papilas, ainda crianças... 
Nem os dias leves de um verão, que ficaram por lá... na venda do pai do João...  



*                                  *                                        *                                     *

 CANAL INESPLICANDO  NO YOU TUBE

DÊ UMA ESPIADINHA... E FAÇA SUA INSCRIÇÃO...

VEM NOVIDADE POR AÍ...


OBRIGADA!

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

HOJE EU SAIO NA CHUVA...

Eu saía na chuva. Brincava no meu pequeno quintal, colhendo com as mãos os pingos grossos que caiam feito patacas esfriando a quentura do chão. Era a alegria que vinha do céu nas tardes de verão. As gotas desciam pela minha cabeça até os meus pés descalços. No piso liso, um pouco de sabão. Eu deslizava em lambanças e adoráveis escorregões.

Eu saía na chuva. Lembro dos pés encharcados dentro do sapato de couro alemão. A meia empapuçada. Eu batia os pés nas poças do chão. Chegava do colégio em desalinho. Corpo e alma lavados. Secava na toalha, guardando no coração o cenário alagado e alegre do caminho. 

Eu saia na chuva, sim. Em especial no jardim. E quando a chuva cessava eu abaixava os galhos das árvores para molhar um pouco mais. Eu era flexível como os galhos finos. Feliz como o mato molhado, nutrido e saciado. Era a menina ainda verde, buscando água para amadurecer.

Eu saia na chuva até pouco tempo atrás. No entardecer da juventude.

Hoje andei pela cidade no fim de tarde. A calçada empoeirada. Nos meus olhos, a secura. Nas pessoas, pouca ternura. Meus pés caminhavam rápido para voltar rápido. Fui cimentando aos poucos minha coluna. Os anos pesaram sobre meus ombros.                                                                    

Mas o verão continua, com suas chuvas vigorosas. Olhei novamente o céu. Os pingos recomeçaram. A chuva veio forte. Caudalosa. Desaguando na alma em versos e prosas. 

Eu hoje vou sair na chuva! Retirei do armário as velhas blusas. Vou dançar na rua. Rodopiar e subir no poste feito a cena da Brodway.    

O que me salva da secura é essa gota interna, livre... sem censura.


 **************************

 

 PRESENTEIE COM LIVROS

INESPLICANDO VOL.1 E VOL.2 

À VENDA NA AMAZON, MAGALU, ESTANTE VIRTUAL E KOBO