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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

VOVÓ É UM ANJO!

Vó Emília virou uma espécie de anjo pra toda minha vida. Eu tinha só seis aninhos quando ela se foi. Tão pouco. Tão muito.

Vó entrei na escola! Seu sorriso se abriu naquela hora. Quando a mente já não lhe dava mais entendimento, entendeu com o coração. Não falou meu nome. Apenas me pôs no colo e eu segurei sua mão. Tudo ali nos bastou. 

Depois da sua partida, uma presença volátil me rondou. Nas horas de angústia eu falava com ela no meu silêncio. Na água do banho sob o chuveiro. No vão dos pensamentos. Na exaustão dos medos e das preocupações. Eu imaginava seu colo e o meu repousar sereno. Era o sopro que me empurrava. Luz que acalmava. Alma que sem eu ver me confortava.

Herdei coisas da vó Emilia que demorei um tempo pra entender. Ela gostava de comprar casas e depois vender. Comprei algumas. Coisa de português. Segurança ou apego talvez. Com os anos fui me desprendendo. Vendi as casas, apartamentos. Agora me basta um lugar. Apenas um lar para descansar. Herdei seu queixo, sua caixinha de surpresas. Sua força e seu grau de dureza. Vó Emilia trabalhava sem tempo de sossegar. Também tenho esse tanto de ferro. Difícil relaxar.

No entanto eu dormia suave em seu colo abraçante. Ninho quentinho. De seios fartos e grandes. Sentia seu perfume. Ouvia seu cantar me ninando...  Hoje ouço sussurros e palavras ao vento. É na voz dos anjos que ela entoa seus conselhos.

Eu tinha seis anos. Tão pouco. Tão muito. Sei que a Emília me olha e sempre irá me guardar.  Não sei se a estrada é longa ou breve para lhe encontrar. Passe o tempo que for, nossa conversa vai terminar...

Porque aquele dia, vó, eu só queria contar como foi o primeiro dia de escola... será que você ainda se lembra? Posso te contar em silêncio agora?

 

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terça-feira, 22 de agosto de 2023

JOGO COMPLICADO DO AMOR?


Às vezes está em nossas mãos o tempo inteiro. Às vezes, nas mãos do parceiro. Começa a trama. Feita de barbante, a delicada cama. Entramos para brincar. Depois o jogo começa a esquentar. Dedos por baixo. Dedos por cima. Num balanço ágil e solto. Fácil de realizar. Com o tempo, as mãos vão mais devagar.

O polegar ajuda. Às vezes se inclina. O parceiro reflete e imagina. Olha pelos lados. Pelos cantos e por cima. Faz o movimento com desenvoltura. Criando nova figura. E passa sua vez...
O jogo vai ganhando dificuldade. Não importa a idade. A experiência conta mais. Os pais passam para os filhos. Mas os filhos, muitas vezes ensinam os pais. O lance é estar sempre pronto. Para sair das ciladas. Inventar outros laços. Sair dos embaraços. 

Tão lúdica essa brincadeira. A mais provocadora dos jogos e brinquedos que já tive. Mais amável que War ou Detetive. Mais complexa que dominó ou ligue-ligue. 

Eu não sabia o seu significado. Sigo compondo o aprendizado. Eu e meu parceiro atados. Nossos dramas. Nossa trama. Nossa cama. Cada qual com seus enredos e anseios. Às vezes ganhamos. Em outras, perdemos. Nem sempre achamos saída. Mas de algum jeito aprendemos. 

Esse jogo engenhoso e sedutor, com erros, acertos e ilusões, bem poderia chamar...
amor a dois!



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foto @soudessaépoca

Para saber mais sobre a brincadeira "Cama de gato"
https://www.coisasdojapao.com/2019/06/ayatori-cama-de-gato-e-brincadeira-com-barbante-tradicional/

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sexta-feira, 11 de agosto de 2023

A ESCOLHA DOS IRMÃOS...


A cachorra era branca. Mas quase nunca estava assim.
Andava sempre cinzenta, da poeira que se depositava no quintal. Naquela época não havia pet shop e banho de cachorro era no tanque mesmo. Com direito a água de torneira e um bom sabão... Antes de terminar, ela pulava, magricela e ensopada, escapando de nossas mãos! Chacoalhava os pelos por todo o quintal. E depois rolava no chão feito um cão vagabundo...
Era a nossa Sissi. Uma lulu toda branca com um olho preto. Lembro do dia que ela fugiu de casa. Talvez por rebeldia, para curtir a liberdade. Ou, o impulso instintivo da maternidade que já latia...  
Eu e meu irmão passamos dias em desespero até que, depois de exatos sete dias, ela entrou correndo pelo quintal abanando o seu rabo feliz e felpudo. Voltou! Agora, cinza chumbo. E prenha!
Depois de algum tempo, nasceram Brisa e Brasa. Um era preto com focinho branco e o outro todo branco. Lindos bebês alegres e chorões derrubando tudo por onde passavam. Era comida, potinho, latinha e xixi por toda a casa.
Passada a euforia e no auge da nossa alegria, o poder materno decretou a sentença - Não dá para ficar com os três! Vocês terão que escolher...
A escolha é sempre dura. Vem com culpa e amargura. Escolher um, é deixar o outro. É comparar amor. Jamais saber o que teria acontecido, se o outro tivesse escolhido. A escolha corrói. E dói... Ainda mais, para dois irmãos pequeninos.
Naquele momento de angústia, já em prantos e desespero eu falei baixinho: - Brisa! Meu irmão, esperto, disse rapidinho: - Brasa! E minha mãe retrucou meio brava: - Não é essa a escolha. Ou ficamos com os filhos ou com a cachorra!
Sorrimos aliviados, abraçando fortemente a doce Sissi que sacudia o rabo em nossos braços! Quanto aos filhotes, doamos os dois para a vizinha ao lado. Todos os dias, a família se reunia. A mãe, os filhotes e os dois irmãos.
Crianças pequenas, encontram grandes soluções!   
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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

MAMMA MIA, CASO DE FAMÍLIA!


"América, América, lá se vive que é uma maravilha. América, vamos ao Brasil com toda a família"... Eles chegaram ao som da canção do imigrante italiano, depois da longa jornada de vinte e tantos dias num navio carregado de gente e sonhos embarcados.

Juntaram-se no bairro do Belém, numa vila pequena onde todos se conheciam e participavam com alegria da vida alheia... A nona Rosalia falava alto que saltava a veia. A Bela e o Giácomo não se importavam. Jogavam buraco, cacheta ou tranca na mesa de toalha branca e belos bordados. No prato ao lado, pedaços de queijo, vinho tinto seco e o baralho. 

O tio Bepo tinha fama de muquirana. Nunca apostou a dinheiro. Passava o dia ocupado filando algo no bar ao lado. Sempre na cozinha, a Zia fazia talharine ou penne, “Mangia che te fá bene”, e empurrava um doce da tigela pela nossa goela. Tio Dante reclamava de tudo. Se alguém dizia que sim, ele apostava que não. Sobrava palavrão em italiano e gestos com “le mani”! Caspite, Figlio di un cane. Ao meio dia na janela, a família parava para ver a prima Estela. Loira, alta e bela que acenava com sua mão de luva branca e seguia pelo Belenzinho, espalhando sorrisos pelo caminho. O nono se derretia. A nona reclamava. O capo maldosamente sorria.

Tudo na mesma vilinha, em casas vizinhas, mais dois cachorros, uma macaquinha, um pombal e galinhas. Eu não falava ainda. Só ouvia e mal compreendia aquela família engraçada, italo-brasileirada de coração grande que sentava as tardes na calçada e se emocionava ouvindo novelas e velhas canções. 

O retrato da grande família resta na parede. Na foto, estão calados e serenos. Seriam os mesmos? Olho cada um deles, lembro a voz e acho graça. Casei, formei nova família. Juntei outras gentes. Gerações diferentes. Agora mais tecnos, quietos e gentis.

As festas são mais comportadas. Na mesa não se joga nada. Ninguém atropela ninguém. Bebemos água e comemos saladas. A casa é mais tranquila e equilibrada. 

Evoluímos a raça? Ou... perdemos a graça?

 

 

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