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terça-feira, 28 de março de 2023

O SORRISO DO MEU LAGARTO...


A palestra do meu amigo Salgado sobre a evolução das espécies começou pelos reptilianos... Agem somente por estímulos. Dormem. Caçam. Comem. Atacam e se defendem. São os seres de cérebro mais primitivo. Sorri pensando em muitos de nós atualmente, nas ruas e nas redes. Reações imediatas. Respostas prontas e baratas.

Lembrei do  meu réptil de estimação. Meu querido lagarto Agamenon! Porte médio. Verde meio amarronzado. Deve ter vivido em minhas terras quando tudo ainda era floresta e mato. É um réptil pontual. Às três da tarde ele faz seu trajeto natural, caminhando lentamente até chegar no mato vizinho. Lá deve ter bons quitutes, grilos, minhoquinhas, saborosos insetinhos... 

Só que o meu lagarto anda muito urbanizado. Ao invés de seguir pelo verde gramado, ele desfila com seus passos ancestrais no meio da passarela de pedras amarelas que vai da casa até a calçada. De lá, caminha para o matagal e some. Longe do olhar indagador dos homens.  

Réptil folgado. Às vezes ele para em frente ao quiosque onde tomamos o café da tarde refletindo sobre a natureza, o quanto ela nos acalma e nos eleva. Dou boa tarde e um sorriso. Ele sorri também. Ou é sua boca alongada que me dá a feliz sensação. Digo que sorri. Salgado diria que não! 

Na semana que vem tentarei maior aproximação. Uma boa fruta no meio do caminho. Uma goiaba. Uma laranja. Um mamão... Será que ele vem na minha mão? Seria amigável, meu querido réptil Agamenon?

Doce ilusão. Imagino sua pronta reação. Tire já essa comida de perto de mim! E eu, como boa réptil, responderia assim... Vê se não enche! Sua lagartixa grande de jardim! 

É duro evoluir...

 

 

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terça-feira, 21 de março de 2023

MEUS QUERIDOS CONVIDADOS...

Há tempos sonho com a festa. Na lista, especiais convidados. Gente que admiro e me identifico. Alguns já mortos, outros vivos. No sonho sempre é possível. Pobres e ricos. Famosos com quem jamais conversei. Amigos e parentes, alguns que já partiram. Outros que simplesmente cismei. Todos reunidos na sala da minha casa.

Os grupos eram mais ou menos organizados, para ninguém se sentir deslocado. Escritores, músicos, esportistas, gente comum do presente e do passado. Ninguém preocupado.

Num canto, um papo bom rolava entre Manoel de Barros e os caseiros do meu irmão, o Alex e a Eva. Fiquei um tempo com eles falando do sítio, das cigarras e das bromélias. Manoel pediu um vinho e um abridor de madrugadas para iniciar sua garrafa. Eva contava das plantas e dos bichos que cuidava. Manoel anotava as frases novas que criava.

No outro canto, ouvia-se rock. Bob Dylan e Cris Kristoferson contavam os bastidores de Woodstock. Em meia hora ouvi maravilhas, a inspiração das obras primas entre histórias estranhas e indigestas. Sorte à beça. Não convidei jornalistas, nem polícia pra festa. 

Sentadinho no chão, como numa conhecida foto, o mestre Drummond. Ele pegou uma almofada, desarrumou um pouco a minha casa, olhou os livros gastos na cabeceira, louças usadas na cristaleira e se sentiu mais à vontade na minha sala de verdade. Fiquei meia hora em silêncio, no chão ao seu lado. Havia um imenso recado naquela simplicidade.

Clarice Lispector e Luis Fernando Veríssimo sentaram no sofá- divã, lado a lado. Tomavam um drink forte e nada falavam. Apreciavam aquela solidão. Pra não aborrecer, dei um oi de longe só com a mão.

Alguns convidados não vieram. Gil e Caetano ficaram na Bahia. Milton ficou em Minas. João Gilberto deu o cano. Seu Jorge batucava com Elis Regina. Beto Guedes e Lô Borges chegaram depois, ficaram de papo num clube da esquina.

Perto do piano, meus irmãos e Paul McCartney, que muito falante, dedilhava no teclado. Lennon, Ringo e George não convidei. Iriam ficar conversando entre si. Eu queria o Paul só para mim.

A festa esquentava. A princesinha do skate no corrimão da sala deslizava. Rebeca Gusmão pra lá e pra cá saltava, enquanto Kurten e Federer viam na tevê uma final de tênis australiana. Não bebiam nada. Ofereci... Um Gatorade? Uma banana? Continuaram focados nos erros não forçados.

Vinicius e Toquinho tomavam uísque na cozinha. Passei por eles várias vezes para ouvir músicas e poesias... Miucha sorria.

Os dois argentinos convidados, Messi e o Papa se divertiam conversando no corredor da casa. Pouco se entendia ou quase nada, mas a conversa era animada.

A festa não duraria muito tempo. O meu vizinho do lado é um chato sujeito. Antes da reunião terminar, James Taylor foi escolhido por todos para cantar.

Minha mãe apareceu servindo café quentinho de saideira. Sean Connery  preferiu chá. Ela foi buscar.

E por fim, São Francisco de Assis, o primeiro dos meus queridos convidados entrou pelo terraço, junto com os bichos, a Melody, a Priscila, a vira lata Sissi, a gata Felina e muitos outros animais encantados que bagunçaram tudo, pulando no colo de todos os convidados.

Eu acordei.

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terça-feira, 14 de março de 2023

MORA NO BURAQUINHO...

Eram furinhos. Uns quietinhos. Outros a borbulhar. Sinais de vida nas minúsculas cavernas onde moram os bichinhos. Eu e minha curiosidade caminhamos  na areia da beira mar.

Um pescador surgiu ao lado. Pés enrugados. Rosto de sol e sal. Na mão, um tubo improvisado e de buraco em buraco fazia a sucção. -Zédazisca, ele se apresentou! Demorei pra entender a autodenominação. Isso se come, seo Zé? Os peixe gosta! Sorriu com os dentes falhos à mostra.

É pitú? Pitú é de água doce, moça. Esse é o corrupto. No Brasil tem muito. Aqui na praia, só alguns. Igual na política, é difícil de pegar. Se esperar uns dez furos eu acho um pra mostrar! Aguardei com curiosidade, achando graça e verdade. Na calmaria da praia, um papo bom de pescador. Caça e caçador.

É dura a profissão? Deus é pai e o mar meu patrão. De dezembro até março, só dá maré à noite. E à noite eu não venho não. Cato de março em diante. Olha só que corrupto grandão...

Da boca do tubo no meio da areia molhada saiu o bichão esquisito cheio de pernas e cor rosada. Feio pra danar. O Zé pegou com a mão, me mostrando de perto e colocando num latão. Esse corrupto não faz mal a ninguém. Ajuda a pescar garoupa, corvina, robalo, badejo e Merluza. Quinze reais a dúzia!

Agradeci com um sorriso a aula de pesca artesanal e segui caminhando, pés descalços na água e no sal, lembrando dos buraquinhos na areia, dos corruptos e das risadas pescadas na minha ignorância. 

Eu achando que era pitu. Ele achando graça... - O único Pitu que eu cato moça... é a cachaça!

 

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Sobre a atividade

Alguns municípios estão proibindo a caça de corruptos na praia, devido à sua quantidade estar diminuindo consideravelmente. As espécies mais comuns na costa brasileira são as do gênero ‹Callichirus› (pronuncia-se /kalikírus).


terça-feira, 7 de março de 2023

A VIZINHA, QUEM DIRIA, DANÇA...

O bairro paulistano do Brás era uma grande colônia italiana. Festas ao som da tarantela que grudava em nossos ouvidos feito a bela polenta nas bocas e panelas. Um comércio alegre, recheado de cantinas com diferentes salames e muçarelas. Os espanhóis também estavam por lá espalhados. Manolo, o açougueiro, era um deles, com seu sotaque basco embolotado.

Mais tarde o bairro foi virando centro comercial. Árabes, turcos e libaneses abriram lojinhas de móveis e tecidos. Deixaram de ser amigos. Grandes redes invadiram. Ducal, Garbo, Pirani, Eletroradiobrás... Pra completar a mistura, investiram num exótico marketing de rua.

Cada loja do Brás tinha seu destaque. A Pirani, palhaços. A Eletro, um homem com pernas de paus. E a Suissa, um trio de nordestinos forrozeiros onde Dominguinhos, ainda jovem chegou a tocar. Era uma sanfona, um triângulo e uma zabumba reunindo os curiosos festeiros no lugar.

Minha vizinha, viúva, era de pouquíssimas palavras. Um sotaque que lembrava os países da cortina de ferro. Ela própria era de ferro. Dona de mistérios.

Numa sexta feira cinzenta, às seis da tarde o comércio fechou. Ouvi, saindo do meu elevador, o som do trio forrozeiro zabumbando alto no meu andar. A campainha de casa tocou. Abrimos a porta, minha mãe e eu, sem entender aonde era o show. 

A porta ao lado foi se abrindo de mansinho num ato meticuloso e envergonhado e vimos pela fresta a viúva e seu namorado convidando para entrar o alegre trio contratado. 

Os forrozeiros se equivocaram. Era no apartamento ao lado a danada da festa! Forró com vodca e seresta. A viúva de ferro, calada e sombria, também sorria, dançava... e sobrevivia!


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