Foi uma breve caminhada, passando em frente à Igreja Coração de Maria na
Avenida larga e movimentada.
Junto ao poste, no meio de entulhos amontoados, portas e
armários quebrados, eu vi o belo oratório. Madeira escura. Detalhes em barroco. Agonizava
entre os trecos e objetos largados. Dispensados pela igreja sem chance de
restauração. Dei quatro passos adiante sem pensar no resgate. A ideia de
revirar toda a tralha, no meio das pessoas na avenida ensolarada era
impensável.
Não pensei. Fiz. Feito um cãozinho farejador e voraz fui revirando a
coisarada até puxar a peça cobiçada sem olhar para os lados, levando pela mão
por três ou quatro quarteirões até chegar em casa.
A peça era quase perfeita. A embúia, com entalhes frontais sem nenhum
dano. E na parte de dentro, ao invés da santa que julguei ter quebrado ou sido
roubada, uma espécie de corda de alumínio enrolada. Corda de relógio! Santo
engano. Mas com um pouco de arte e fé, um oratório poderia ser criado.
Retirei a corda do fundo e saí para encontrar uma santinha que coubesse
lá dentro. Que santa é essa, azulzinha e de olhos pretos? O vendedor não soube
dizer... É a Santa do relógio? Brinquei. Ele concordou, interessado em vender.
É sim. Dizem que é milagreira.
Nesse instante ela virou a santa do relógio. Ficou na parede no seu novo
oratório num cantinho especial da minha casa. Algumas visitas perguntavam como
ela agia. É senhora do tempo! Adianta o que tem urgência de ser e faz retardar
o que precisa de mais tempo pra se resolver.
Assim foi por anos o nosso segredo. Amigos ligavam pedindo ajuda pra
minha santinha do Tempo. Talvez tenha sido um pecado. Mas se ela fez algum
milagrezinho, já está pago.
Angela não conhecia a história e cuidava da casa quando derrubou o
oratório que quebrou em duas partes. A santinha do tempo partiu em mil pedaços.
Nunca mais achei uma imagem parecida.
Hoje o oratório está no sítio da família. Restaurado por meu irmão que
lhe deu novos contornos, tintas e uma pátina rosada com efeitos. Colocou um
terço e uma Nossa Senhora de Lourdes dentro.
Até quando vai durar? Não sei. Quem sabe é o Deus do tempo. Sei que
entra santa e sai santa e o relógio abandonado continua um oratório. E boto
fé... é milagreiro!
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