Páginas

segunda-feira, 9 de junho de 2025

SILÊNCIO A DOIS...


Não sei se passaram dez ou quinze minutos. Ou sete horas... Que horas são, agora? Não dei conta. Fiquei ali, maravilhada, em silêncio. Olhando a paisagem. Perdida em longos pensamentos. Ora pensando em nada. Ora viajando por lugares distantes. Indo e vindo na paisagem quieta e relaxante. Instante de paz e serenidade. Coisa que vem com a idade.

Ele, ao meu lado também em silêncio, olhava a imensidão. Talvez, observando as diferentes formas na silhueta de cada montanha. As nuvens. A bruma. A grama. O horizonte reticente... O silêncio cabia ali tão perfeitamente que lembrei de um poeta anônimo que dizia com alma e profundidade... O silêncio não pesa onde existe intimidade. 

Não ter que falar. Nem comentar. Nem explicar. Apenas estar. Os dois quietos. Calados. Lado a lado. E o silêncio a nos completar. Leves momentos em que a vida pede pausa. Depois do stress. Da dor. Da raiva, da náusea.

Depois da festa desgastante. Em que temos que falar. Sorrir. Comer. Cumprir. Postar. E obrigatoriamente ser feliz... Como é bom silenciar. Aquietar por um momento. Refazendo a alma por dentro. Sozinha, só no pensamento. Sem dever a cumprir. Sem meta a alcançar. Apenas observar. Ser. Estar. Respirar.

Ficamos ali, cada um no seu silêncio. Juntos, eu e ele. Sem nada a dizer. Foram duas ou três horas... Teriam sido semanas? Só alguns minutos de êxtase e brevidade, no melhor silêncio.    
O silêncio divino... da cumplicidade!     



***********************


Assista agora esta crônica no You Tube e viaje nos pensamentos...




terça-feira, 3 de junho de 2025

O REMENDO XADREZ


Eu não gostava dos rojões. Dos estalos. Da explosão! Gostava do cheiro da festa junina. Cheiro de pólvora. Fumaça. O ardido nas narinas... Até hoje, isso me lembra um tempo feliz. Festa simples. Gente simples. Do interior caipirês do nosso país.  

Todo ano era igual. Já em maio, as professorinhas dedicadas começavam a combinar. Não havia muito o que mudar. Compravam as sedas. Faziam as bandeirinhas. Colavam no barbante. Vermelhas. Amarelas. Azuizinhas. Os meninos subiam nas escadas para enfeitar. O pátio do colégio ficava alegre. Com bandeiras, balões e fogueira. Sem fogo. Só toras de madeira. Tudo no centro da quadra, dando ar de São João. Era lá a quadrilha. Iam todas as famílias... 

Os ensaios começavam um mês e meio antes. Cansativos, mas divertidos. Dava pra matar umas boas aulinhas, com o consentimento raro das professorinhas, que também dançavam festivas. Sofrido mesmo era ouvir durante horas e horas a mesma trilha sonora. Talvez a única música junina do mundo inteiro, tiro certeiro: Pararararararará... E lá ia a gente montar a quadrilha. Olha a chuva. Olha o túnel. Olha a cobra... 

E se de um lado a festa dava trabalho, de outro era mágico e engraçado. Ter um dente pintado, estragado, bem na frente da boca era o sorriso mais desejado. Calças de jacu nos garotos. Nas meninas, vestidos de chita com fitas. E como era "bão"! Remendos na roupa, então...  

Lembro quando eu tinha uns dez anos... Fui escolhida, pela terceira vez, para ser a noivinha na quadrilha. Talvez pelo fato de ser pequenininha. Cabelos grandes. Sei lá. O fato é que eu e o meu parceiro Paulo José Barreiro (não sei porque as crianças lembram o nome inteiro dos amigos mais antigos...) fomos escolhidos, mais uma vez, para sermos o casal.  

Brava,  já em casa, expliquei para minha mãe quase chorando : - Mais uma vez, vou ser a noivinha! – Mas a noiva é a principal. Você não gosta? é uma honradez?  - Mãe, será que você não entende. Eu gosto de remendo. Remendo xadrez! Noiva não usa remendo xadrez... 

E aquele cheiro de pólvora, voltou subitamente, às minhas narinas mais uma vez...



***********


Agora assista o vídeo desta "Crônica falada"...


Canal Inesplicando no You Tube

Obrigada por visitar o blog Inesplicando!

domingo, 1 de junho de 2025

OS CASACOS DO ARMÁRIO

Bastam os primeiros ventos gelados se esgueirando pelas esquinas, minha alma arrepia e eu corro para abrir a parte alta do armário. Um compartimento meio escondido onde moram os casacos antigos.
Reconheço alguns de invernos passados... A jaqueta rosa que nunca usei. Aperta um pouco. Mas é tão linda! O Blazer xadrez que ganhei da Tia Lucinda. Só uso em reuniões formais. É sério demais. E outro laranja, que custou caríssimo. Uso pouquíssimo. Nem sei se valeu.
São tantos os casacos. O preto não é tão bonito, mas vai bem com qualquer coisa. Uso, quase infinito. Está até puído. Moído. Talvez o coloque hoje. Está decidido! Tão bom não ter muito que pensar...
As malhas também estão guardadas no armário. Olho todo ano para elas. Quando irei usar a amarela?  E o cardigan que comprei há três anos atrás? Usei numa tarde cinzenta, repleta de problemas. Depois nunca mais. Lembrança triste ele me traz...  
Todo inverno os mesmos pensamentos sobre os mesmos casacos. Alguns, passo batido. Nem lembro quanto tempo tem. Alguns, nunca usarei. No final das contas, vou vestir dois ou três.
E assim, eles ficam lá. Os clássicos, os ultrapassados, os mais descolados... Mostrando o tanto que não reinventei. Tantas combinações possíveis e diferentes. Que não tentei. Estão lá os casacos, parados e abraçados. Esperando uma ocasião que não vem. O por quê, eu nem sei. Guardei. Deixei. E todo ano é igual. Tiro alguns deles no outono pra tomar um ar fresco no varal e depois volto tudo para o lugar.

Mas, este ano prometo mudar. Escancarar o armário. Jogar fora as traças. Doar pares incontáveis de sapatos. E deixar apenas o que for vestir.

Os casacos... e os sonhos. Que ainda couberem em mim.      
           
        ***********



VEJA AGORA ESTA CRÔNICA FALADA...
  • Se esse vídeo tocou você, se inscreve no canal. Tem mais poesia vindo aí.” 🌹

  • https://www.youtube.com/@inesplicando2702

  •    

    terça-feira, 20 de maio de 2025

    SOFIA... QUEM DIRIA!


    Os seios enormes balançavam e saltavam dentro do decote à medida que ela caminhava. Trôpega, saindo pelo portão de ferro em direção à rua. O salto quinze, de pelica, em uma das mãos. E um longo vestido que arrastava papeizinhos amassados, tampinhas e bitucas de cigarro. A barra dupla, já meio suja, rente ao chão...


    Partiu ziguezagueando pela calçada no meio da madrugada num bate papo interno e solitário. Alcoólico. Hiperbólico. Melancólico. Na boca, risos, lágrimas e borras de batom. 
    -É a Dona Sofia! Ela tem saído assim nas últimas semanas, depois da separação, completou o porteiro do clube noturno, com ar de compaixão. Fui acompanhando o seu trajeto mambembe pelas ruas desertas, imaginando os estragos do desamor. 

    Talvez, um casamento de indiferença. Conveniência. Ou uma relação de muitos anos, com apegos financeiros. Briga por dinheiro! Ou, a descoberta de uma amante mais jovem. Uma mulher. Quem sabe, um homem? Ou nada disso. Apenas um porre! 
    Para afastar a solidão de nunca ter encontrado um amor desses desenfreados. De tirar a roupa e os sapatos. Pode ter tido tentativas frustradas ou apostas em pessoas erradas.
     
    A mulher cambaleante seguiu até virar a esquina e sumir na trilha escura da rua, e  dos meus pensamentos. Coisa de momentos. Tão humanos certos tropeços...

    Na semana seguinte, saindo do médico, encontrei a Dona Sofia. 
    Andar reto. Terno tubinho, todo fechado. Scarpin baixo. Figurino fino. Cumprimentou brevemente a secretária, deixando o consultório olhando de resvalo, com seus óculos meio grau e um ar profissional.

    Perguntei quem era, só para me certificar... -Dona Sofia! Ela é terapeuta de casais! Conserta a vida amorosa de todo mundo. 

    Dona Sofia, balbuceiei baixinho... quem diria?



    *                                *                                  *                                      *

    Clique e assista agora esta "Crônica Falada Inesplicando"



           

    AS CRÔNICAS FALADAS ESTÃO NO CANAL INESPLICANDO NO YOUTUBE

    EXPERIMENTE! @inesplicando2702

    E RELAXE COM HISTÓRIAS SUAVES E REFLEXIVAS.



    terça-feira, 13 de maio de 2025

    A FLOR GUARDADA

    Entre as páginas amareladas e o cheiro de papel envelhecido encontrei a flor presa e amassada. 

    Era um arremedo de flor, aparência seca e desmontada, mas ainda flor, embora o tempo lhe tivesse roubado a cor.

    Passei a mão com cuidado, como se acariciasse um pássaro frágil. Tentei lembrar por que a guardei. De quem era? Em que momento da minha vida ela se tornou importante o suficiente para ser preservada? Um silêncio alto na memória me incomodava.

    Aquela flor sem história não me dizia nada e carregava uma aura de possibilidades. Lembrança de um encontro no passado? Onde as palavras foram sufocadas e nas páginas, lacradas? Uma paixão breve que se perdeu no tempo, mas deixou seu rastro leve? 

    Quem sabe, um presente da natureza! A flor caída no caminho se dissolveria num jardim vizinho eu não a deixaria para trás. O livro, então, tornou-se um cofre. Um abrigo onde o tempo não iria tocar. 

    Ou simplesmente por nada. Eu, criança, tentando esconder a flor roubada. Maldade infantil para ver, um dia, suas pétalas amassadas. 

    Seca, prensada entre as palavras, a flor guardou sua história dentro de outras histórias. O dia em que foi colhida, o calor e o 3sol que brilhava no dia que dentro do livro sumiu e hibernou.

    Eu continuo olhando a flor dormente. Nós, humanos, somos assim. Guardamos coisas sem motivo aparente e esquecemos as mais importantes. 

    Fechei o livro. Deixei a flor onde estava. Quieta e deitada, sem interferir.

    Não quis movê-la do lugar, como se respeitasse sua missão...  de me fazer sentir.


    **************************

     

    quarta-feira, 7 de maio de 2025

    TIRANDO AS RODINHAS...


    Ela andava mais de seis quarteirões. Sempre de tardezinha. Logo após lavar a louça, as roupas, ajeitar as coisinhas. E não era fácil a caminhada. Minha mãe na frente e eu do lado, na bicicleta com rodinhas de alumínio cromado. 

    Devia ter uns cinco ou seis anos. As pernas magrelas roçavam no cano da bicicleta e o pedal escapava, ás vezes batendo duramente na canela. Atravessávamos avenidas, ruas e praças cheias de gente pra chegar numa fábrica onde havia uma imensa plataforma. Pista grande, de cimento. Sem gente. Sem movimento. Devia estar desativada há um bom tempo. 

    Ideal para o primeiro teste de liberdade. Ali eu poderia tirar as rodinhas e, enfim, pedalar sozinha, feito gente grande de verdade. Eram três ou quatro tentativas em vão e alguns medos e frustração. Na semana seguinte, tudo se repetia... Que energia a minha mãe tinha. 

    Ela tirava as rodinhas e seguia sempre ao meu lado. Às vezes, um pouco atrás. Eu ia ziguezagueando e entortando. Pondo o pé e parando. Eu vacilava... e lá estava ela em um segundo. Pronta pra me segurar no mundo. Não tinha como cair. Não podia desistir. Ela sorria e me fazia recomeçar.

    Ah, mãe, que falta me faz. Nesses dias inseguros. É tanta gente cortando nossa frente, jogando nossa bicicleta contra os muros... Já tirei as rodinhas faz tempo. Ando sozinha,  todo o tempo. 

    Às vezes olho para trás... e vejo seu sorriso novamente. Meu porto seguro. Amor confiante. Sempre presente, me dizendo — suave, firme, eternamente:

    — Vai, filha. Valente. E sem rodinhas.
    Estou por perto. Segue em frente!




    **************************************


    Assista agora esta crônica Falada Inesplicando. É só clicar!





    quinta-feira, 1 de maio de 2025

    AMOR COM FRITAS...


    - Minha mãe fez batata frita! 
    Desse jeito, cheio de alegria, o menino me informou o cardápio do dia. Agarrando fortemente minhas pernas e provocando risos nas pessoas que estavam na fila. Depois completou... ela me deu conchinhas também! Tirou umas duas ou três do bolso e me mostrou o seu novo tesouro.

    A mãe, desconcertada, veio rapidamente ao nosso encontro...  

    - Que menino tagarela. Gosta de uma plateia!

    As conchinhas pegamos ontem na praia. - Vamos Nicolas, larga da minha saia! E colocou o garoto no colo, ganhando um forte abraço no pescoço e um beijo estalado no rosto.

    Aquele gesto e os olhos brilhantes do menino aqueceram a tarde concreta e fria no meio da longa e demorada fila, a mistura de amor com batata frita. O prato bom do dia! 

    O banco era um alvoroço. Gente falando grosso. Idosos inconformados. Atendentes mal humorados. E as portas giratórias travando a fila numa coleta rotatória de chaves e celular. Tiravam também a paciência e os nervos do lugar.

    O Nícolas não estava nem aí. Ele queria era contar para todos ali, o sabor do amor que sentia. Que se misturava com arroz, feijão e batata frita. Prato feito. Perfeito. De mãe! Carinho expresso e explícito. De quem atendeu seu pedido. Como as conchinhas catadas uma a uma na praia. Que valiam bem mais que dinheiro, notebook ou celular. Sua mãe lhe deu seu tempo. Seu peito. E até as conchinhas do mar.

    Seus olhos vibravam acesos no sentimento imenso que ele tinha pra contar. 

    E quando eu já ia embora, ele saiu correndo me agarrando outra vez...

    - Eu me esqueci! Ela também fez um ovo! 

    E seus olhinhos alegres se estalaram... de novo!



                       *                              *                               

     

    Gostou da crônica? Então confira agora em vídeo, no canal Inesplicando.

    Clique abaixo...




     

     


    quinta-feira, 17 de abril de 2025

    ELA VENCEU!



    Tem um bonde que passa no Centro turístico da cidade. No último passeio pude ver, com tempo e detalhes, as velhas casas e armazéns do século passado. Paredes fortes e espessas. Algumas frontarias azulejadas. A maior parte desses imóveis, abandonada. Só vestígios do que já foram. Pedaços de antigas paredes e partes de telhados desabando. 

    No meio do desalento, mudas de plantas saltavam das paredes de concreto. Com seus caules verdes eretos. E no chão, uma flor amarela me olhava com alegria e espanto!

    A vida surgia das entranhas da rua. De cor viva e pura. Delicadeza que fura. Raízes fortes que romperam  estruturas e pelas frestas, espertas, chegaram à luz. Até nas ruas de trilhos, no vão dos velhos paralelepípedos, as flores heroicas saltavam do chão, feito primavera em explosão. 

    Lembrei da minha lágrima de cristo... Tentei por diversas vezes plantar trepadeiras no canteiro da casa onde morava. Nenhuma delas vingava. A tumbérgia não resistiu. Tão pouco, o sapatinho de judia. Até o maracujá foi se agarrando e cresceu, deu dois frutos e feito a camélia caída do vaso, morreu.

    Num dia inesperado, num pequeno buraquinho entre o cimento e a madeira da pilastra ela surgiu... Primeiro, um broto pontudo despontou. Depois uma folhinha. Mais outra. E outra mais vingou. Em poucos dias, alegres florinhas brancas de pistilo vermelho já se enroscavam no telhado cinzento e descorado. 

    De onde veio a lágrima, silenciosa e persistente? As plantas são mais fortes que a gente, de certo. Suas raízes rasteiam. Volteiam. Não desistem. E se embrenham furando o concreto. Rompendo o asfalto e o vazio como no velho centro, em seu quase mortal esquecimento. 

    Foi naquele buraquinho do meu canteiro, estreito e pequeno, que surgiu e cresceu exuberante a minha lágrima de Cristo. Bela. Singela! Regada e nutrida com tudo que precisa.
    Água. Luz. E o sal... da terra!






    **************************

    VEJA AGORA ESTA CRÔNICA  EM VÍDEO, NO CANAL INESPLICANDO DO YOUTUBE. 
    VOCÊ VAI GOSTAR DAS IMAGENS. 

    É SÓ CLICAR...










    sexta-feira, 11 de abril de 2025

    A FEIRA, CONTINUA LIVRE

    Havia um tempo que eu não ia à uma feira livre. 

    Ela continua livre. Com suas cores e humores. De ponta a ponta. Dos peixes às flores. 

    De pronto, um sujeito tocava jazz no saxofone. Na placa não tinha seu nome, mas a frase: “Vivo de arte!”.  Parei uns instantes, em respeito e solidariedade.

    Caminhar pela feira foi visitar a infância. Grudada na saia de alguém, para não me perder. Lembrar onde estava o melhor preço, voltar tudo lá do começo. Bater com o calcanhar na rodinha do carrinho de uma senhora. Vir carregada de frutas saltando da sacola.

    Lembro do cheiro doce da cana moída, da laranja descascada pelo moço do facão, das mãos de minha mãe escolhendo abacate com um critério que só ela entendia. O barulho dos pregões me assustava e encantava ao mesmo tempo. Cada banca parecia um palco, cada feirante, um personagem. Eu, pequena plateia, caminhava com olhos atentos.

    Tinha um moço que vendia queijos e fazia piadas com as clientes. Dizia que queijo bom era igual abraço de mãe: firme por fora, macio por dentro. 

    E tinha a barraca das fitas de cabelo e das miçangas coloridas, onde eu parava para olhar. Às vezes ganhava um mimo de criança. Noutras, voltava apenas com a lembrança.

    Tanta coisa de magia a feira ainda tem. Mandioca cortadinha. Melancia em pedaços. Bananas em dúzia num cacho - e mais duas de presente! -  grita alto o feirante, alegremente. E tem pano de prato de algodão, tampa de boca de fogão. Alho descascado. Raízes, condimentos e extratos.

    Muita coisa vem em saquinho. Verduras e legumes já cortadinhos. Três por dez reais! No final, se leva um a mais. Dez é o pastel também. Parei para reabastecer.

    Um homem de pernas arqueadas precisou sentar em dois banquinhos. E num espaço pequeno, dois namorados comiam juntinhos. Um de carne e um de queijo. Misturavam sabores. Davam beijinhos.

    No final da festa, um feirante com pinta de artista cantou alegre e bem alto uma versão do sucesso de Bruno Mars...
    - Alface lisa, alface crespa... couve flooooorrrr!


    ******

     

     

    QUERIDA, ENCOLHI OS CHOCOLATES!


                                          

    Não é só uma impressão. Amarga. Os chocolates diminuíram. Foram reduzidos e tornaram-se maldosamente pequenos. 
    Quem não lembra das barras antigas? Gordinhas, com vários gomos? O Lingote de chocolate que vinha num papelzinho de seda dentro da embalagem amarela? Já era. Agora é uma casquinha magrela.  
    E as moedinhas de chocolate? Eram da largura das patacas de cinquenta centavos.  Agora, não passam das de cinco! Coisa de sovina. Mesquinhez de Tio Patinhas.  
    Os bonbons também encolheram. O meu cerejão, virou cerejinha. E os chocolates de marcas famosas foram humilhados e cortados impiedosamente pela metade. Que maldade!
    Temos menos cacau e mais beleza. Ovos lindos, enormes e cheios de latex e leveza! A parede de chocolate cada vez mais fina lembra uma parafina. E tem sempre um brinquedinho lá dentro para dar mais peso. Até os coelhos ameaçaram greve geral! Não são obrigados a transportar brinquedos. Isso é coisa pro Natal. 
    A culpa pode não ser dos chocolateiros, nem tão pouco dos cacaueiros. Talvez a falta de dinheiro da população... A indústria sacou e tudo miniaturizou. A gente não percebe e paga ainda mais caro, levando a metade da tentação. Os ovos mais pesados com nozes e castanhas recheados? Só para filhos de abastados.
    Os chocolates diminuíram e ninguém bate panela. 
    Por isso, nesta Páscoa farei diferente. Comprei um panelão gigante. Vou derreter chocolate branco e preto, sem usar conservante. Farei um ovo caseiro gigante de uns cinco ou seis quilos e meio! Vou me lambuzar por inteiro, sem gastar muito dinheiro.
    Vou avisando... é só um devaneio. 
    Tem gente já encomendando pelo whatsapp o meu ovão de chocolate. 
    Novos tempos!
     
     
    *                        *                        *      


          



     
      



     

    quarta-feira, 2 de abril de 2025

    QUEM BEBE DESSA ÁGUA...



    Um jarro de água e goles de calmaria. O interior de Minas é assim. Minas verte suas águas naturais. Algumas, medicinais. Uma bica em cada canto. Nas praças, nos parques das águas em São Lourenço, Poços de Caldas e Monte Sião. Delícia de região!

    As minas d'água possuem milagrosos efeitos. Dizem os moradores satisfeitos, só para nos provocar. Estendo a mão. Provo todas. Porque não? Água boa pra pele, pros cabelos. Água pra curar reumatismo, diabetes, dor nos joelhos. Para curar o estresse. E acalmar o coração. Bebo à exaustão. Vai que cura tudo de uma só vez? Fui com cinquenta anos e volto com uns dezesseis! 

    Experimento as alcalinas, suaves e leves. A seguir, as sulfurosas, mal cheirosas, quase não descem. As ferruginosas, com o gosto final de metal. Cabo de guarda chuva mineral. E meu Deus, quanta chuva havia! Era àgua por todos os lados. Nos lagos, riachos, nas bicas e por toda a chuvosa viagem apreciando a mineira paisagem.

    Lavamos a alma e o corpo pro ano inteiro. Circuito das águas em fim de fevereiro! Minas em sua essência. Boa prosa, café, bica d'água e pão de queijo! E em cada momento, uma canção de Milton Nascimento. 

    No meio do caminho, um desafio sem muito sentido: o poço dos desejos! Escrito na madeira num poço de pedras da velha fazenda. E podiam ser três! Três desejos para satisfazer.

    Interrompi minha paz e refleti em silêncio. Pensei em ser jovem outra vez. De melhor? Só o corpo, talvez. Ou, ganhar milhões em dinheiro e ter andar com seguranças, sem poder caminhar em paz pela vizinhança.

    Antes do terceiro desejo, parei. Apenas estendi a mão e bebi a água pura que vertia da fonte. Sem pedidos, nem desejos. Apenas entendendo o valor do momento. 

    A riqueza, de quem bebe da mãe natureza!



    ********************


    AGUAS E DESEJOS...  ASSISTA A CRÔNICA EM VÍDEO. CLIQUE!



                                 Crônicas Faladas Inesplicando

    agora em vídeo, no You Tube!

    Relaxe sua mente e o coração.
                  
                                Faça sua inscrição no canal!

    quarta-feira, 26 de março de 2025

    O BALANÇO DA ALMA



    Às sete acordo. Tomo banho. E quero melhorar o mundo.

    O dia é uma folha em branco. Meu otimismo é a roupa recém-lavada que visto na manhã onde tudo parece possível.

    Às oito caminho. Os compromissos e as memórias se entrelaçam. Projetos se desenham no horizonte. Os ensaios de ontem ganham forma na minha mente arejada. O sucesso caminha ao meu lado, descalço e sorridente. Sou o otimismo que corre na areia. A alma passeia.

    Às dez sento para escrever. E as palavras se dispersam em folhas que caem e a clareza se esconde atrás de montanhas. A inspiração hesita. O texto gravita, solto, sem contorno. Não insisto. Há dias em que a alma se veste de outono.

    Às quatorze almoço. O corpo assimila os nutrientes, a mente absorve as horas engolidas. Tudo se mistura no menu – o que fui, o que serei, o que ainda não entendi e não sei.

    Há renovação no mastigar e as frutas da estação me lembram que a vida segue em ciclos, em fomes, alternâncias de humores. Às vezes, tensão. Às vezes, flores. Oscilações da alma.

    Às quinze toca o celular. Retomo o fôlego, ajeito o corpo. A vida pede sequência, ainda que a alma preferisse uma “sesta”.

    Às dezessete, desempenho total. Escrevo, resolvo, organizo o carnaval. Como se a tarde entendesse sua missão de me reconciliar com o dia impreciso e lento. Há uma pressa, uma necessidade de fechamento.

    Aproveito esse instante, sei que sumirá ao cair da noite.

    Às vinte, respiro fundo, mas o mundo me invade.
    A tevê cospe sua tragédia diária,
    e a esperança, que de manhã eu vestia, agora tem manchas de dúvida e pessimismo. Minha alma, com "tdah", oscila outra vez.

    Às vinte e três, busco novo equilíbrio, vejo uma série leve ou parto para um livro.

    E já é meia noite. Queria ter dormido antes. Queria ter regado as flores.

    Queria ter cantado no microfone. Vou deitar apressada.

    Amanhã acordo cedo. Tenho que melhorar o mundo.

     

     ************************************

                                  

    VISITE O CANAL INESPLICANDO NO YOUTUBE E VEJA

    AS CRÔNICAS FALADAS!







    quinta-feira, 20 de março de 2025

    FOLHAS DE OUTONO



    Eu caminhava nas tardes de outono pela estrada forrada de folhas secas, marrons e douradas, caídas das copas das árvores. Foi o tempo ou foi o vento? Eu perguntava e eu mesma respondia, os dois! O outono é assim. Tempo de ventos e renovação. Algo sempre morre. O novo toma lugar.

    O caminho de terra sombreado pelos galhos acumulava várias camadas de folhas, produzindo um crepitar seco e quebradiço ao pisar. Muitas vezes eu ia com os pés descalços só para tatear. Apreciava o som de cada passo. E o piar de alguns pássaros completando a trilha natural. 

    As aves entocadas também trocavam suas plumagens. De quem é essa pena? Sabiá laranjeira, eu dizia sem convicção. Pode ser que sim, ou que não. O outono é assim...

    Nos dias chuvosos a estrada ficava úmida. Também tinha beleza. Era o pisar do macerar. Macieza umectante. Alguns pássaros, ainda que distantes acompanhavam na esperança de algum bichinho na terra, saltitante. Sempre havia um inseto descuidado, coitado. 

    Eu ia com minha mãe procurar pinhas para enfeitar o Natal. Mas já? É que as pinhas tem de descansar. Secar bem, para abrir os gomos por inteiro, feito flores de madeira, prontas para enfeitar a ceia. E elas estavam lá, espalhadas pela estrada. Algumas pequenas e quebradas. Outras perfeitas. Colocávamos as melhores no chapéu de palha. E o sol tímido não esquentava nossas cabeças. O outono é assim...

    Levávamos, eu e ela, um cajado. Galho duro que eu procurava feito detetive no meio do mato. Logo achava um pequeno jogado e ajudava minha mãe a encontrar um cajado maior e mais largo. Nosso andar era calmo e cheio de perguntas sem respostas. A cerquinha caiu! Foi o tempo ou foi o vento? Os dois. O outono é assim...

    Hoje, os passeios e o chão de folhas secas ficaram na lembrança dos outonos da minha infância. Em algum sítio da memória. Tenho pisado em terrenos mais urbanos. Ouvindo sons de carros e lamentos humanos. As caminhadas na areia ainda resistem, mas as pisadas somem rapidamente com as ondas do mar.

    As folhas, o cajado e minha mãe ao lado, continuam eternos. A saudade bateu hoje em mim. 

    Foi o tempo ou foi o vento? O outono é assim...      


    ********


    Agora veja o vídeo desta crônica , clicando abaixo! E viaje nessas lembranças...




    GOSTOU?

    INSCREVA-SE NO CANAL INESPLICANDO NO YOUTUBE!




    quarta-feira, 12 de março de 2025

    SAUDADE DE VOCÊS...


    O apito longo e doído do velho carrinho do vendedor de paçoca, me fez recordar coisas que há tempos não vejo mais...

    Foi surpresa sem igual. Quando vim morar na Olavo Bilac, poética e estreita rua do litoral. Tão diferente das grandes avenidas que morei na Capital... Lá veio ele, com seu apito longo e conhecido da garotada. O carrinho com chaminé e fumaça lembrava a frente de uma locomotiva. Ainda na ativa, ele vendia amendoim e paçoca quentinha. De rolha ou farelinha. Ambas macias.

    Depois da paçoca e do amendoim, passavam durante a semana, vários outros ambulantes. Engraçados sujeitos! Com seus gritos e frases de efeito. - Olha o amolador! De facas, tesouras ou outro laminado que for. Passava também o consertador de panelas de pressão! Cheio de válvulas, correias de borracha e panelas de antigas marcas. Panex, Panelux, Fulgor! Cheguei a correr atrás do vendedor. Minha válvula pifou! Levei outra, seminova. À toda prova. Palavra do vendedor. 

    Saudades também dos ambulantes da praia... Onde anda o vendedor de biju? Olha o Beeeeju! Batendo forte na sua matraca de madeira e ferro, marca registrada do biscoito seco e quebradiço, misto de polvilho e farinha de trigo. Ao contrário do vendedor de algodão doce, que usa uma buzina para anunciar a sua chegada! Quanto tempo não vejo mais nada. Cadê os vendedores de cocada? 

    São tantas coisas lindas que não tenho visto mais... Lembro das noites iluminadas pelos insetos que acendiam e apagavam na madrugada. Pra mim, eram seres encantados! Dezenas deles, espalhados. Nas noites da cidade. Nas praças e descampados. Aonde andam os pirilampos? Cadê os vagalumes iluminados? 

    Receio que essas coisas belas que eu via quando criança... Os antigos ambulantes, os vagalumes e até as abelhas em suas doces andanças... 
    Restem um dia, apenas e somente, na nossa lembrança.



    *******************************

             QUER ASSISTIR ESTA CRÔNICA FALADA NO YOUTUBE, AGORA?



    sábado, 1 de março de 2025

    OITO CACHOS... NADA MAIS!

    Ela subia num degrauzinho de madeira para ficar mais alta e ajudar por alguns minutos no caixa. 

    A venda da Dona Emília era daquelas antigas, com prateleiras de madeira escura, grandes sacos de juta com bordas enroladas, cheios de arroz, feijão e milho em grãos. Latões de óleo. E uma vitrina de doces coloridos que juntava crianças feito formiguinhas no açucareiro.

    Na lousa preta, na porta principal da venda, escrito com giz, o chamariz. "Aqui tem. O melhor sorvete de ameixa do Belém!" Devia ser. Aos sábados fazia fila na venda da Dona Emília.

    A casa da família era no andar de cima e perto do meio dia, minha vó subia para aprontar o almoço, entornar as ameixas no leite cremoso e fazer mais um latão do sorvete famoso. 

    O avô, que tinha levantando às três da manhã para comprar as mercadorias, acordava a contragosto e descia para tomar seu posto, até minha mãe, pequenina chegar e se oferecer para ajudar.

    As meninas do bairro só pensavam nos vestidos e nos cabelos de domingo. Minha mãe continuava no caixa, lendo um livro ou um gibi. Foi assim até a adolescência. As meninas liam revistas. Minha mãe, Machado de Assis.

    A revista Cruzeiro com as estrelas de Hollywood definia a roupa e os cabelos da moda. As costureiras do bairro trabalhavam para reproduzir igualzinho, encontrando os tecidos perfeitos.

    Minha mãe escolhia um vestido antigo que não servia mais para a irmã mais velha e vestia. Dona Emília ajustava no corpo com a ajuda da velha máquina de costura. Mas o cabelo era a parte mais dura. Não tinha paciência, nem desenvoltura.

    Algumas garotas contavam seus cento e vinte cachinhos. Sessenta pra cada lado. Ou nem saiam para o desfile de sábado. Ser "Shirley Temple" ( foto) dava um trabalho danado. A manhã inteira com bigudins pendurados, pensando nos cachos e nos futuros namorados.

    Poucas horas antes do "footing", minha mãe largava os livros e corria para fazer seus oito cachos. Quatro pra cada lado. Nada mais. A tarefa a aborrecia demais.

    Pouco antes de sair ela soltava as madeixas. Os cachos lambidos escorriam da sua cabeça. Ela sorria. Não ligava. Não combinava com as duras cabeças empoladas.

    Meu pai, um dos rapazes cobiçados do bairro do Belém, disse certa vez o que viu de diferente na minha mãe, no meio de tantas divas hollywoodianas com seus cabelos de spray.

    Sua mãe tinha a justa medida. No vestido simples, o corpo bonito transparecia. Sua boca alegre sorria. 

    E o cabelo... ah, o cabelo, natural e leve. O vento desenrolava e ele bailava... e se mexia! O cabelo também sorria.


    ***************.

     Novidades Inesplicando!

    EM BREVE... 

    AGUARDE!



     

    quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

    TROMBA DE CALOR!


    O Parque era um labirinto. Ao invés do musical de sereias cantantes, paramos num mini Zoológico com animais sonolentos e aborrecidos.

    Era um espaço grande e todos, alimentados. O sol a pino e o calor escaldante deixavam os bichos mais lentos e entediados.
    Os grandes, jogados por sobre as pedras, como o urso e o leão, tinham um ar de melancolia. Eu os observava enquanto apertava meus passos e meu coração naquele enjaulado dia.   

    Avistei os flamingos, os macaquinhos e os nada pacatos suricatos. Muito alegres, um barato! Quem me encantou de fato foi a elefanta, ou aliá. Eu prefiro “elefanta”, o som do “anta” parece combinar com o movimento alongado da sua enorme tromba. Bem longa. De grande e boa milonga. À procura de água para encher a tromba e se refrescar.

    A estrela oversize começou seu lento caminhar em nossa direção. Havia um fosso, mas não era distante e pudemos acompanhar o seu desfile exuberante. Uma massa grossa de fina graça que caminhava mansamente, desfilando suas centenas de quilos e pele enrugada. Balançava a tromba e a pênsil cauda. Parou em frente ao grupo e vaidosa, ajeitou-se para posar.

    Cabeça enorme. Olhinhos pretos e miúdos. Virou para um lado e para o outro, moveu a tromba coçando delicadamente suas patas, esfregando a direita na esquerda, num movimento leve feito balé. Senti ali a poesia de Drummond, quando dizia se fantasiar em frágil elefante de papel crepom e sair às ruas, desmoronando todos os dias.

    Meu coração de algodão também se desmanchou ao ver no olhar daqueles bichos o desalento e a solidão. Na elegante elefanta, uma tromba colossal de calor.

    E veio de repente, no meio daquele mini zoológico escaldante, uma vontade nada poética e delirante de prender ali, ao invés dos bichos, os responsáveis pelo malefício.

    Seguimos pelo Parque, mais perdidos do que antes, em direção às sereias cantantes.

    ******************


                      


    Experimente Crônicas faladas no YouTube 

    CANAL INESPLICANDO!

    Inscreva-se!

    domingo, 9 de fevereiro de 2025

    PLACA NA PAREDE, RAÍZES NA ALMA!



    O nome está lá, gravado na placa.

    Vila Flor. Pequena e antiga, com suas casinhas de pedra e suas ruas estreitas que parecem guardar coisas do passado. Foi ali que Henrique nasceu. Foi ali que ele cresceu, em meio aos campos verdes, sob um céu de Portugal, às vezes azul intenso, outras vezes cinza e melancólico. Vila Flor, com suas vinhas que serpenteiam as colinas e suas oliveiras centenárias, também umedecia a sua alma.

    Maria Emília, porém, não nasceu ali. Veio de Vila Real, não muito distante, onde as montanhas do Douro molduram o horizonte e o vinho escorre como herança. Mas para Henrique, bastava saber que ela existia. O coração dele a escolheu, ainda que ela nunca tenha facilitado esse amor. Maria Emília tinha a força das pedras do Porto e a teimosia de quem queria trilhar seu próprio caminho.

    E partiu. Deixou Portugal para trás e cruzou o oceano rumo ao Brasil, levando consigo um coração fechado e o desejo de construir sua vida sem olhar o passado. Henrique não ficou por lá muito tempo. Algo por dentro dizia que não poderia deixá-la escapar. Seria loucura trocar as ladeiras de Vila Flor pelas ruas quentes do Brasil?

    Ele partiu. Atravessou o oceano por amor. E aqui encontrou Maria Emília já dona de uma venda, comerciante próspera e independente. Mas Henrique, insistente, lhe trouxe a mais linda semente! Da flor do amor, de Vila Flor!

    Casaram-se e tiveram três filhos. Todos os dias, Henrique se sentava à porta da vendinha, a cadeira virada ao contrário, dedilhando seu bandolim. Espantava a clientela assim, com melodias que nem ele sabia de onde vinham, mas, aos poucos, amoleciam o coração de Emília. Para as crianças, contava histórias de cavalinhos alados criados na sua imaginação. Era um lusitano sonhador.

    Construíram juntos uma história de trabalho duro, madrugadas sem descanso e um amor tão sólido quanto as paredes de Vila Flor.  Depois vieram os netos, e Henrique "Henriqueceu" de vez. Viveu para ver a família crescer, até que a memória começou a lhe escapar. Aquele que nunca esqueceu Maria Emília passou a esquecer pequenas coisas, depois maiores, até que o passado virou novamente neblina. Partiu cedo, aos sessenta e seis anos, deitado ao lado de seu único amor.

    Hoje, Vila Flor continua lá, tombada pelo tempo, preservada como um quadro antigo. Seus habitantes ainda descem as ruas de pedra nos dias de festa, carregando tradições que resistem. E quando vi as imagens do cortejo, feito um triste carnaval, seguindo por um tambor ritmado, senti como se Henrique estivesse ali, descendo com eles ao lado.

    Aquele amor que cruzou o oceano veio parar em mim. 

    Tenho Vila Flor no sangue, tenho Vila Real no destino. Hoje, na parede da minha casa, há uma placa que leva aquele nome. 

    Vila flor! Também seu é o meu lugar, Henrique.

    Porque, de certa forma, sua viagem não terminou...


    **************************