O nome
está lá, gravado na placa.
Vila Flor. Pequena e antiga, com suas casinhas de pedra e
suas ruas estreitas que parecem guardar coisas do passado. Foi ali que
Henrique nasceu. Foi ali que ele cresceu, em meio aos campos verdes, sob um céu
de Portugal, às vezes azul intenso, outras vezes cinza e melancólico. Vila Flor,
com suas vinhas que serpenteiam as colinas e suas oliveiras centenárias, também
umedecia a sua alma.
Maria
Emília, porém, não nasceu ali. Veio de Vila Real, não muito distante, onde as
montanhas do Douro molduram o horizonte e o vinho escorre como herança. Mas
para Henrique, bastava saber que ela existia. O coração dele a escolheu, ainda
que ela nunca tenha facilitado esse amor. Maria Emília tinha a força das pedras
do Porto e a teimosia de quem queria trilhar seu próprio caminho.
E partiu.
Deixou Portugal para trás e cruzou o oceano rumo ao Brasil, levando consigo um
coração fechado e o desejo de construir sua vida sem olhar o passado. Henrique
não ficou por lá muito tempo. Algo por dentro dizia que não poderia deixá-la
escapar. Seria loucura trocar as ladeiras de Vila Flor pelas ruas quentes do
Brasil?
Ele
partiu. Atravessou o oceano por amor. E aqui encontrou Maria Emília já dona de
uma venda, comerciante próspera e independente. Mas Henrique, insistente, lhe trouxe a mais linda semente! Da flor do amor, de Vila
Flor!
Casaram-se
e tiveram três filhos. Todos os dias, Henrique se sentava à porta da vendinha,
a cadeira virada ao contrário, dedilhando seu bandolim. Espantava a clientela assim,
com melodias que nem ele sabia de onde vinham, mas, aos poucos, amoleciam o
coração de Emília. Para as crianças, contava histórias de cavalinhos alados criados na sua imaginação. Era um lusitano sonhador.
Construíram
juntos uma história de trabalho duro, madrugadas sem descanso e um amor tão sólido quanto as paredes de Vila Flor. Depois vieram os netos, e Henrique "Henriqueceu" de vez.
Viveu para ver a família crescer, até que a memória começou a lhe escapar.
Aquele que nunca esqueceu Maria Emília passou a esquecer pequenas coisas,
depois maiores, até que o passado virou novamente neblina. Partiu cedo, aos
sessenta e seis anos, deitado ao lado de seu único amor.
Hoje, Vila
Flor continua lá, tombada pelo tempo, preservada como um quadro antigo. Seus
habitantes ainda descem as ruas de pedra nos dias de festa, carregando
tradições que resistem. E quando vi as imagens do cortejo, feito um triste
carnaval, seguindo por um tambor ritmado, senti como se Henrique estivesse ali,
descendo com eles ao lado.
Aquele
amor que cruzou o oceano veio parar em mim.
Tenho Vila Flor no sangue, tenho
Vila Real no destino. Hoje, na parede da minha casa, há uma placa que leva
aquele nome.
Vila flor! Também seu é o
meu lugar, Henrique.
Porque,
de certa forma, sua viagem não terminou...
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