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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

AS RABANADAS DA VOVÓ

Alguns itens nas receitas vão se perdendo no tempo, aqui e acolá. Outros ingredientes são danados, incorporados em certo momento, se perpetuam no lugar.

Eu continuo fazendo as mesmas rabanadas portuguesas que minha mãe fazia nas tardes quentes próximas do Natal. Separo as fatias grossas de pão velho, o leite açucarado num prato raso e os ovos batidos na velha tigela. Depois frito em óleo quente, salpicando levemente açúcar e canela. Faço assim há décadas. De olhos vendados. Reproduzindo a velha cena, de um doce passado materno.

Foi uma surpresa provar na casa de uma portuguesa autêntica uma rabanada diferente, oferecida gentilmente para todos à mesa. Mais dura e com o pão escurinho, por conta de um creme com vinho. 

Eu que nunca usei vinho! Minha mãe também não. Será que a vovó subverteu a receita e não nos contou?

A origem das rabanadas aguçou minha curiosidade junto com minhas papilas salivadas e fui pesquisar as primeiras rodelas servidas nas ceias de Natal. Seriam minhas rabanadas réplicas simples e abrasileiradas?

A origem é mesmo europeia. E muito antiga. As entregas? Talvez com charretes, em meados do século dezessete. Foi criada para aproveitar pães velhos e amanhecidos e se tornou alimento sagrado no Natal por representar para os católicos, o corpo de Cristo. Alguns dizem que a origem é francesa e não portuguesa. Aposto na lusitana.

Fui aos risos ao saber que lá são chamadas de fatias douradas ou fatias paridas. Pode-se usar cacetes ou bengalas amanhecidas. E nas receitas portuguesas mais sofisticadas, usa-se o vinho. Achei o danadinho! Acho que a vovó usava e a mamãe cancelou sem dizer nada.

Seja qual for a receita original, sempre respinga na gente um ingrediente ancestral, além do pingo de óleo quente no braço, tão fatal.   

É a lembrança das tardes doces e quentes. O meu coração, embebido em leite, respingando no peito uma saudade de dar dó.

Rabanada. É o açúcar da mãe. E o sabor da vovó!

 

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domingo, 23 de novembro de 2025

AS VELHAS BOLINHAS AZUIS...


Todo ano é igual. Nunca sei ao certo o dia de montar minha árvore de Natal. Vinte de novembro? Um mês antes? Primeiro de dezembro? 

Ainda bem que alguém estabeleceu o dia seis de janeiro para o seu desmonte. Aí é moleza. Sem incertezas. Sem muito pensar.  Quanto às bolinhas velhas dos anos que passaram, para mim continuam sendo um dilema. Não consigo me desvencilhar.

Não sou de acumular coisas. Guardar papeizinhos, caixinhas, vidrinhos e coisinhas materiais. Para ser sincera, nem documentos importantes eu guardo. Muitas vezes, somem e nem dão sinal. Mas com relação às bolinhas de Natal, bate uma coisa, sei lá, sentimental. 

Tenho seis ou sete bolinhas azuis muito descoradas. Desbotadas. Feias de fato. Mas que não consigo desprezar. Todo ano é o mesmo movimento. Armo a árvore. Compro bolinhas novas. Modernosas. Com glitter. Purpurina. Laços de fita. Mas na hora de jogar fora as azuizinhas... Velhas e desbotadinhas. Vem aquele aperto.O coração encolhe, vira bolinha dentro do peito. E me rendo às recordações.

Estiveram em tantos Natais com a gente. Ouviram canções em coros estridentes. Viram nossos olhos brilhando a cada presente. E à meia noite, os abraços mais quentes. Como posso jogar fora por estarem velhinhas e desbotadas? Que desalmada!

Um ano até tentei. Coloquei no cesto da lixeira. Mas logo resgatei. Que loucura! Jamais desta maneira.Vou dar para minha mãe. Ela enxerga pouco, quase nada. Não iria se importar com as bolinhas desbotadas. Que nada! Rejeitou de cara. Oras, filha. São tão baratinhas. Troca essas bolinhas! 

E lá trouxe eu de volta, as bolinhas feinhas e azuizinhas para casa. Este ano, pensei em não colocar na árvore e deixá-las na caixinha. Mas é discriminar do mesmo jeito.

O meu dilema continua. E antes que eu tenha que fazer muita terapia... 
Alguém quer ficar com as minhas bolinhas?


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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

NOSSA QUERIDA TRALHA


Todo mundo tem uma roupinha... 
Que não dá, nem joga fora. Aquela que é a nossa cara. E se não pegasse tão mal, a gente usava todo dia. Toda hora. Aquela roupa amiga e usada, às vezes amarrotada, que acomoda tão bem a gente.
É peça já formatada. Amaciada. Que nos aconchega e traduz. Por fora e por dentro. Num dueto mais que perfeito! 
Nem sempre é a mais cara. Na maioria das vezes, é aquela velhinha que encaixa certinha no corpo e na alma.
Tive roupas que marcaram etapas da minha vida. De criança, era uma calça vermelha que eu usava todo santo domingo. Ninguém mais aguentava. Acabou sumindo. Na juventude, uma calça jeans desbotada com bolsos coloridos, que combinava com o estilo folk e com meu violão, sempre comigo.
Hoje, uma calça branca meio solta, meio folgada, me representa. Já foi nova. Agora, clássica somente! Uso exageradamente. Já não ligo para o que possam pensar. Chega uma idade em que não precisamos mais nos explicar. Podemos usar. Abusar. Não há porque se preocupar.  
E  as roupas marcam as pessoas. A gravatinha do Jô. Os terninhos da Princesa. Os chapéus da rainha. As golas do Elvis... E para mim, as roupas mais velhinhas é que são inesquecíveis. 
Quando passei a dividir os espaços, os sonhos e a minha vida com alguém, tinha uma camiseta velha, tamanho gigante que a gente disputava. 
Ótima pra dormir, nela cabiam pernas e braços. Ousados. Unidos. Espalhados. Além de todos os sonhos de um casal enamorado. Era branca e vinha escrito “A tralha”. Quem achasse primeiro, pegava e ia dormir. Vingado e feliz, vencedor da batalha.
Que roupa boa era aquela. Uma camiseta velha! A nossa deliciosa...  tralha.

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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

CARTA AO MEU IRMÃO...

Caro anjo, irmão.                           

Eu prometi que não seria triste. Uma carta simples. Sem pieguices. Acabo de olhar sua foto de infância. Você abraça duas crianças. O primo e o irmão. Você abraçava o mundo. Nosso porto seguro. Ainda me protege nessas bandas angelicais onde andas. Talvez, campos de lavanda? Casa entre nuvens? Atmosferas que não faço ideia. Continuo com meus pés aqui na Terra. Mas ouço daqui, o bater do seu coração.

Olho suas orelhas. Eram de abano ou me engano? Com a idade melhorou. O nariz é que se curvou. Rinite alérgica. Você pingava duas gotas de remédio em cada narina. O lenço dobrado no bolso de trás era Presidente! A tia Zilda dava no Natal, numa caixinha com fita, de presente.  

Eu prometi que não seria triste. Só levezas, lembranças banais, sem as partes que doem mais.

Toquei ontem o disco do James Taylor que você comprou com o seu primeiro salário. Capa branca. Ouvi por inteiro. Depois você deu o dos Beatles. Hard day's night! Você cantava alto demais. Às vezes, imito sua voz e desafino. Você não seria um bom cantor, mas batia um bolão, admito.

O uniforme do Paulistânia ficou comigo. Aquele verde e branco com meião encardido. Não lavo de jeito algum. Ficou com o formato do seu pé. O direito, torto de fazer gols. Você descrevia o lance por inteiro. Talvez fosse um bom narrador.

E aquela minha foto de pequena que você levava na carteira, com rabinho de cavalo e um pintinho nas mãos, eu perdi. Ouvi um pio de tristeza aí de cima? Ou foi cisma? Prometi que não seria triste. Sem pieguices.

Você viu meus livros publicados? Dois só de crônicas como a mamãe e você gostavam. Em breve vou pro terceiro. Se der, mando um exemplar por um pombo ou anjo mensageiro.

O que está ruim mesmo é o mundo que você, sem desejar, nos deixou. Vírus, política, intolerância e guerra, em proporções estratosféricas. O ser humano vendo o mundo acabar e postando memes no celular. O que são memes? Não vale a pena explicar...

Eu prometi que não seria triste. Vou terminar a carta. Ou por aí tem email? Sei que essa foto sua, no meio da tarde  no campinho da rua  me atropelou de um jeito... 

Qualquer hora lhe vejo.... no meio das estrelas e lhe sopro um beijo!

 

 *                         *                            *

                       

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terça-feira, 28 de outubro de 2025

O FANTASMA DO PIANO



Eu não imaginava que a nascente do Rio Tietê ficasse na cidade de Salesópolis. Muito menos que ele era pequeno e limpo, até ir ganhando volume e sujeira, à medida que vai adentrando a grande São Paulo. 

Também não imaginava que meu irmão, médico formado, e com grande talento para cuidar não só de gente, como também de patos, marrecos e faisões, iria comprar terras no bairro de Remédios, vilarejo próximo a Salesópolis. 

E era uma aventura chegar lá. Duas ladeiras saiam da estrada de asfalto e iam dar na pracinha com uma pequena igreja e mercearias de balcões antigos. Depois, três quilômetros de terra batida, com direito a capelinhas, santos sem cabeça e mata-burros. Clima de interior. 

A casa foi erguida em poucos meses e chegou, enfim, o dia da visita da família. Logo na entrada, um pergolado com primaveras vermelhas e uma placa de boas vindas: Sítio do Zeca Pireba!  Ninguém sabia quem era Zeca Pireba. Ninguém perguntou. 

Mais à frente, a casa, sorridente, com janelas e portas pintadas de laranja e amarelo. Na cozinha, panelas de cobre penduradas nas paredes. E na sala, um velho piano, com a foto dos parentes que se foram. Ainda bem que não estavam de sobrecasaca, o que dava um aspecto carinhoso e menos soturno. 

E como se dorme cedo no sítio! Acorda-se cedo. Dorme–se cedo. E quando deu nove horas, depois da janta, todos foram para seus quartos. Adultos em camas e beliches. As crianças amontoadas em colchonetes pelo chão. E se de dia a natureza nos encanta e alegra, à noite, ela nos intimida, desentocando medos e mistérios. 

E foi perto das onze da noite que se ouviu, nitidamente, o som do piano vindo da sala vazia. Notas graves e agudas. Descompassadas. Dava para ouvir em todos os aposentos. 

Mas logo veio o silêncio e ninguém disse nada. Absolutamente nada. Na hora do café da manhã, os olhinhos das crianças se procuravam, à espera de algum comentário. Nada foi dito. E o dia seguiu com risos...

Na noite seguinte, onze em ponto, a cena se repetiu. O som do piano ecoou mais uma vez na sala vazia. Foi nessa hora que o menor da turma, inocente, perguntou... - Ué? Quem tá tocando piano? 

Os adultos e as crianças, juntos e tomados de uma coragem até então desconhecida, correram até o final do corredor e se depararam com o assustador visitante: um pequeno ratinho que se distraia pra lá e pra cá no teclado do velho piano.

O riso tomou conta da sala. Enquanto meu irmão botava o roedor pra correr. Era só um ratinho. Quem diria! Um ratinho... Voltaram, cada qual para o seu quarto, tranquilos, e foram dormir.

Enquanto, no canto da sala vazia, o fantasma do Zeca Pireba se divertia, 

mais uma vez...

               


 
*                  *                      *                                                                                                    
 
 
             
                 

                                     

A BUSCA DE UM OUTRO OLHAR...


Corpo jovem. Ágil. Andar perfeito. 

Era assim com meus vinte e poucos anos. Eu carregava mil planos. Possíveis e impossíveis sonhos. No olhar, estrelas. Na força, oceanos.

Não sou mais como antes. Ganhei marcas, ruguinhas, implantes. 
Rápido agora, só alguns instantes. O resto é sonolento. Mas olho com discernimento. Quase não me engano. Com o passar dos anos, escolhemos os melhores planos. Segredinhos do caminhar humano.

Faço marcas na areia e observo as ondas prontamente apagando. Não preciso deixar nada. Nem sequer pegadas. Ando calma. Quase flutuando. 

Eu, que tinha olhos de lince. Mirava o sucesso, fama. Corria trilhas e milhas para nem sempre alcançar. Hoje, repouso meus olhos no mar.

Até o amor se aquietou. Antes, suor e vertigem. Paixões, que eu julgava indestrutíveis. Agora é paz e calmaria. Valsa suave. Fina melodia. Nada mais sufoca. Na minha aorta, bate o amor verdadeiro que nada pede em troca. Às vezes, a válvula cansada é que entorta. Mas o amor está lá, por inteiro. Sem refluxos, nem reviravoltas. O vagalhão da paz conquistada me conforta. 

Não sou mais como antes. Pele macia. Joelhos sem dor. Articulações perfeitas. Esquece! Tudo está meio usado, mas muito decente. 
Até a boca afiada que usava palavras erradas em momentos de fúria, deu lugar ao silêncio, à ternura. 
Das ações prematuras, patéticas juras e inúteis e fúteis investidas, vieram absurdas renascidas. Encontro da razão com o coração. Alma, na sua melhor versão.

Não, não sou mais como antes. 
Não sou mais do jeito que um dia você me viu. Busco um outro olhar. Que não repare tanto nas fortes linhas, marcas e ruguinhas. Nem nos visíveis defeitos. 

Quando me olhar agora, por favor... leia-me por dentro!


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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

PÉ SUJO



Era tão bom! Durante o dia, corria e brincava. Subia e descia. As ladeiras e as escadas, na frente da casa. Depois, comia correndo e de novo pra rua voltava. Rodava, pedalava, empinava...
Ás vezes, brigava. Chutava e chorava. Descabelava e sorria. E finalmente, cansava. No começo da noite, quase desmaiando, em qualquer lugar a gente desabava. A mãe, com pena, nem banho dava. E a gente, com os pés sujos, dormia um sono só. Sono profundo. Com pés imundos.

Quem não dormiu com pé sujo uma vez na vida, não sabe o que é bom. Pé de infância cascuda. Pré-digital. De jogos com bola, amarelinha, mãe da rua. Rolimã, bola de gude ou bafo na calçada. E a bicicleta entre os carros, num ziguezague perigoso e acelerado. Um risco danado.

Na chuva então, chapinhando de poça em poça. Nem parecia uma moça! E o pé cada vez mais sujo... - Menina, moleca! Vem se lavar! E a gente por fim obedecia. Mas era um pé de gostosura. Aventura. Inocência. Poeira pura.

Hoje as crianças tem pés com rodinhas. Tênis com luzinhas. E a sola do pé bem lisinha. De quem não pisa no chão, no quintal, na areia... e nem na grama do vizinho! 
Eta infância sem graça, de pé de anjinho...                                                                                                                     
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 Crônica inspirada na música de Dorival Caymi... Quando durmo...
                                                                                 youtu.be/zs1J7CLG9ss   




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terça-feira, 30 de setembro de 2025

A LÁGRIMA NA JANELA...


Era gelada a madrugada. O calor da nossa respiração embaçava o vidro da janela do quarto. Não se via nada do outro lado. Só o fundo escuro, o vapor e um leve enredo de amor. Lá fora, tudo silenciava.

Meus olhos estalavam vivos e sem sono, em feliz abandono. De repente, um clarão em minha testa! A lua, de penetra, entrou pela fresta da outra janela. Alva. Branca. Iluminando feito um sol no quintal. Nunca vi igual. Ali, ela achou seu lugar e decidiu ficar.

Acordada à horas na demorada madrugada fiquei olhando a lua prateada que não queria ir embora. Já tinha passado da hora. Mas como dormir agora?                

De certo, a lua queria encontrar o sol que do outro lado já se aprontava. O céu clareava. A noite ia virando dia... E enfim, o astro rei apareceu. Ficaram os dois no céu ao mesmo tempo. Um em cada canto! Eu os olhava com olhar de espanto. Talvez fossem amigos distantes. Quem sabe, tenham sido amantes. A lua só queria dar uma espiadinha. Um oi de luz já bastaria.

Não teve jeito. O sol subiu com tudo que tinha direito, abriu o novo dia e a lua apaixonada e pálida foi desaparecendo. Fiquei acordada até que sumisse de vez, deixando a sombra enevoada de quem esteve ali, por muito tempo parada. 

Talvez ela tente amanhã encontrar o sol novamente na fria madrugada. Lunática! Não irá conseguir jamais, salvo uma hecatombe final. Melhor não pensar nisso, nesses dias de novo normal. A cena linda e triste apertou meu coração. 

Olhei o vidro embaçado da outra janela, me deparando com a lágrima condensada e gélida que rolou. 

A janela, emotiva, também chorou.


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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

PASSARINHOU, FLORESCEU, FLORIU...



Abelhinhas fartas e meladas entraram valsando pela janela aberta como se tivessem  cumprido bem seu papel. E pelas asas de alegria, devem ter produzido um ou dois baldes de mel.

Chegaram as borboletas azuis, amarelas e pretas. Sabiam de alguma novidade. Largaram, amarrotadas, seus escuros casulos e pela primeira vez, experimentaram voos mambembes e inseguros à luz da liberdade.  
      

Os curiós, curiosos, foram os primeiros a saber. Não deram um pio. Um deles fingiu que não me viu. Comecei a desconfiar de alguma notícia mais quente. Os bem-te-vis bem-te-viram antes de todos que as paisagens estavam diferentes e entoaram notas de terças numa eloquente harmonia sertaneja.

 

A grama estava mais verde. Os sapos pulavam. Os insetos voavam. Nos cantos, bichinhos doidos se embolavam e sem pudor se amavam. Que raios acontecia ao redor? Quem espalhava esse tanto de amor... e sacudia poléns afrodisíacos nas florações?

 

O bem me quer não bem me quis estragar a surpresa. Melhor perguntar à mãe natureza. Fui até o pé de milho. Sussurrei ao pé do seu verde-amarelo ouvido: quem é que arrancou o terno cinza e vestiu todo mundo com traje florido? 


O milho pipocou e não falou. O dente de leão rugiu, mas não contou. Nem o vento quente que bateu, me soprou. Alguém pode dizer o que foi que rolou? E tudo desabrochou. Explodiu de amor?


E debaixo da janela, a Maria sem vergonha, tagarela não se segurou... ainda não sabe?


A primavera, que chegou!



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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

PONTO NA IMENSIDÃO...


A imensidão me encanta. E me assusta. 
O céu infinito e o oceano profundo dão a justa dimensão do meu tamanho no mundo. Um simples ponto. Micro. Minúsculo. E nesse azul encontro, meu ego fica meio tonto e vai-se embora. Resta apenas o aqui, agora. Perco poderes. Cargo. Dinheiro. Glória. E o pouco da própria história.       
                                                   
Somos partícula de um todo. Poderoso, gigante e majestoso. Eu sinto a imensidão por dentro. E me comovo...  
                                     
Deve ser assim olhar de perto as estrelas. No cenário mágico e incompreensível do infinito. Entre a luz dos astros, o espaço e um buraco enigmático. Buraco negro que guarda segredos. Fotografado. Jamais desvendado. Que me atrai. E mete medo!              
Dizem que os astronautas, quando voltam, ficam loucos. Ou passam a louvar a Deus. Até mesmo os ateus. Não dá pra ficar são diante da imensidão.   
               
Foi no grande cânion da Foz do Iguaçu, meu contato mais próximo com a imensidade. As águas em queda livre. 

Volumáximo. Volumenso. Volumístico! Inventei palavras para descrever a sensação daquelas cascatas colossais. Naturais. Jorrando com força máxima. Energizando as rochas e o chão. No dia ensolarado de luz e reflexão.  

A vontade era entrar sob as fortes cascatas deixando cair sobre minhas costas o jorro das toneladas. Águas geladas e correntes. Lavando e levando tudo. Do corpo e da mente. Dores. Dissabores. Pensamentos antigos. Hábitos nocivos. Coisinhas banais que não me servem mais.                

Sobraria então, o corpo são. E uma alma novinha, mais pura, pra recomeçar. 
A imensidão me encanta. E me assusta. Imensidão das águas. Do céu. Do mar... 

Que me põe, sempre, no meu justo lugar.    


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terça-feira, 9 de setembro de 2025

A CASINHA NA ÁRVORE...


Robinson Crusoé. Mogli. Tarzan... Alguns heróis das aventuras na selva ainda moram no meu imaginário. E eles saíram sem pedir licença. Das fábulas e do meu pensamento. Enquanto eu subia lentamente, degrau por degrau, a escada da pequena casinha, construída em cima de uma antiga árvore da fazenda. Era como se eu visse a minha história de vida invertida. Eu ia subindo e me tornando cada vez mais jovem... 

No primeiro degrau, desapareceram as dores nos joelhos. No segundo, a doença incurável da mãe que se foi... No terceiro, o trabalho chato e rotineiro sumia feito nevoeiro. No quarto, o marido cansado virava o antigo namorado. Do quinto em diante eu já era estudante. Adolescente. Um pingo de gente. E pronto! Criança outra vez. Com uns cinco anos. Ou seis... 

Entrei na casinha com a alma em sobressalto. Enormes troncos rasgavam o chão e furavam o teto não muito alto. Uma beliche. Um lampião por perto para quando escurecer. E um alpendre pra ver o sol nascer... e morrer. Fiquei lá por algumas horas, comendo goiabas verdes, araçás e amoras. Como se o tempo parasse. Só às vezes, o grito do Tarzan ecoava na mente, passando num cipó, muito rapidamente... 

E ao descer a escada, degrau por degrau, eu já não era igual. Uns bons anos mais jovem, talvez. Tanto bem que me fez! 
Por isso, de vez em quando, se me aborreço ou o mundo fica sério demais, subo na casinha da árvore para rever os velhos sonhos e sorrir uma vez mais. Mesmo que não exista mais a casinha. Nem a árvore no jardim... 

Eu agora me recolho. Em algum lugar criança, dentro de mim... 




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quarta-feira, 3 de setembro de 2025

O CASACO CARMIM...


As pessoas mais queridas e amadas do meu convívio passado usavam casacos.

Não desfrutei muito tempo com minha avó materna, uns seis anos apenas, mas lembro do seu casaquinho marrom. Tricô. Feito a mão. Ficava por cima de um vestido largo. Ou de uma camisola de flanela estampada, já no fim de sua caminhada, mais frágil e adoentada. Era quentinho quando ela me abraçava. Cheiro de vó. Aconchego de amores e sabores. Sopa de couve, e sabonete Alma de Flores. 

Minha tia também tinha um casaquinho. Era azul, com dois bolsinhos pequenos. Cardigan. Sempre tinha umas moedinhas. Às vezes, balas de hortelã. Ela pedia pra eu pegar lá dentro. Casaquinho perfeito! 

Até minha mãe teve um casaco marcante. Vermelho, com botões gigantes. Dava a ela juventude e elegância. Usou uns dez anos, sem constrangimento ou pudor. Na maioria das festas e comemorações. Não esqueço aqueles botões.

Os casacos deixam marcas. Os pequenos e os grandes. Lembro dos filmes clássicos dos anos cinquenta. Homens e mulheres com casacos de lã. Em Paris. Nova Iorque. Amsterdã... 
Ou numa ponte em Veneza. A cena era sempre a mesma. Despedida, com muita elegância e tristeza. 

Deixo pra lá os casacos da Europa... O que me importa são os casaquinhos das mulheres queridas que conheci e conheço por aqui. Marcas que não tem preço. 

A Dona Domingas, por exemplo... Faz limpeza aqui no prédio. Vejo de longe seu casaquinho carmim. Tem sempre um sorriso e um bom dia pra mim. 

Doem suas pernas. Anda já curvada. Batemos papo na escada. Ela conta da família. Tem três filhos, um só trabalha. O marido não pode. Só atrapalha. Tem netos que não acabam mais. 

E ela, aos sessenta e cinco, com asma, bronquite e rinite, ainda tem que trabalhar.  
Ah, Dona Domingas, merecia muito mais. 
Tá na hora... do seu casaco carmim se aposentar...



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AGRADECIMENTO! 
Exposição “ Mulheres, o poder além das imagens”, na Pinacoteca de Santos!
Linda iniciativa da jovem e talentosa fotógrafa Isabela Garcia, retratando o universo feminino, representado por 21 mulheres atuantes na Baixada Santista. 
Muita honra e alegria de ter sido uma delas!



                                                    Inês e Isabela/ Pinacoteca de Santos

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

HOJE EU SAIO NA CHUVA...

Eu saía na chuva. Brincava no meu quintal, colhendo com as mãos os pingos grossos que caiam feito patacas esfriando o chão. Era a alegria que vinha do céu nas tardes de verão. As gotas desciam pela minha cabeça até os meus pés descalços. No piso liso, um pouco de sabão. Eu deslizava em engraçadas lambanças e escorregões.

Eu saía na chuva. Lembro dos pés encharcados dentro do sapato de couro alemão. A meia empapuçada. Eu batia os pés nas poças do chão. Chegava do colégio em total desalinho. Secava na toalha, guardando no coração o cenário alagado e festivo do caminho. 

Eu saia na chuva, sim. Em especial no jardim. Quando a chuva cessava eu abaixava os galhos das árvores para me molhar um pouco mais. Eu era flexível como os galhos finos. Feliz como o mato molhado, nutrido e saciado. Era a menina ainda verde, buscando água para amadurecer.

Eu saia na chuva até pouco tempo atrás, no meu entardecer.

Hoje, sob um guarda-chuva barato, ando pelas ruas com sapatos apertados. Vejo a secura das pessoas que seguem com passos acelerados. Seguem rápido para voltar rápido. Os anos pesam. Meu caminhar é cansado.    

Mas o verão continua, com suas chuvas vigorosas. O céu chora e a natureza se descontrola. A água vem forte do céu, caudalosa. 

Hoje vou sair na chuva! Vou dançar de novo, chapinhando nas ruas. Vou rodopiar e subir no poste feito a cena da Broadway.    

O que salva minha alma da secura... é essa gota interna, livre,  louca... e sem censura.


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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

O ÚLTIMO TOQUE...

Tarde de sol quente. A Rua da Liberdade fervilhava feito um vespeiro. O recém- aposentado não esquentava como o tempo. Não estava preso à mais nada. Nem emprego, nem mulher ou namorada. Mas alguma coisa ele ainda procurava.

Entrava e saia das lojinhas, subindo e descendo as ruas- artérias que alimentavam o coração da cidade. O centro comercial de tantas glórias, tinha uma espécie de circulação extracorpórea. Indo e vindo de ambulantes, pedestres, pedintes e suas histórias... 

Primeiro pensou em comprar roupas e calçados. Desistiu no ato. Não precisava mais de sapatos. Nem de ternos, gravatas e nós enforcando o pescoço. Poderia viver de moletom e um tênis velho que durasse até o osso.

Não queria livros. Nem relíquias em vinil. Tinha tecnologia suficiente para baixar o que bem entendesse nas redes. Também não queria nada esportivo. Seu time em baixa. Barriga em baixa. Pressão, colesterol e triglicérides em alta. O melhor era correr. Para um médico assim que possível. Talvez, no ano que vem!

Queria se dar um presente. Entrou rapidamente numa lojinha de importados e comprou um despertador. O melhor e mais barulhento que havia. Pagou cem pratas e foi pra casa.

Na véspera do novo ano. Colocou-o para despertar as cinco em ponto. Compromissos não tinha. Nem peru para colocar no forno. Era o Reveillon do abandono.

Queria o prazer imensurável de acordar no velho horário de trabalho e interromper o alarme diário, malvado e intermitente que havia destruído seu labirinto e  alugado sua mente.

O alarme tocou. Esticou as mãos e deu o último toque. O certeiro e definitivo, naquele  pontual e irritadiço torturador suíço.

Depois, tateou sonolento, e mergulhou-o num copo d' água, virando-o de castigo contra a parede.

Aposentado — e finalmente vingado — saiu da cama e foi dormir numa rede.                                                                                   

 

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terça-feira, 5 de agosto de 2025

O ANJO QUE ME OUVE

Vó Emília virou uma espécie de anjo em minha vida. Eu tinha só seis aninhos quando ela se foi. Tão pouco. Tão muito.

- Vó entrei na escola! Seu sorriso se abriu naquela hora. Quando a mente já não lhe dava mais entendimento e direção, entendeu com o coração. Não falou meu nome. Apenas me acolheu e eu segurei sua mão. Isso nos bastou. 

Depois da sua partida, uma presença volátil me rondava. Nas horas de angústia, em silêncio, eu lhe falava. Na água do banho, sob o chuveiro. No vão dos pensamentos. No arrepiar dos medos. Eu imaginava seu colo e o meu repousar sereno. Era a paz que acalmava. O sopro que me empurrava. 

Da vó Emilia herdei muita coisa, sem muito entender. Ela gostava de comprar casas e depois vender. Comprei algumas. Coisa de português. Segurança, talvez.

Com os anos fui me desprendendo. Vendi as casas, apartamentos. Agora me basta um lugar pequeno. Herdei seu queixo, sua força e o alto grau de dureza. Vó Emilia trabalhava sem tempo de sossegar. Também tenho esse veio de ferro. Difícil relaxar.

No entanto, eu dormia suave em seu colo quentinho. Sentia seu perfume. Ouvia baixinho o seu cantar. 

Hoje ouço sussurros no vento. É na voz dos anjos que ela sopra seus conselhos.

Eu tinha seis anos. Tão pouco. Tão muito. 

Não sei se a estrada é longa ou breve até lhe encontrar. Mas passe o tempo que passar, nossa conversa vai terminar.

- Porque aquele dia, vó, eu só queria contar como foi o meu primeiro dia de escola. 

- Posso te contar... no meu silêncio, agora?

 

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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

O LADO OCULTO DE PARATY

           
As pedras de Paraty escondem segredos que ninguém, nem os últimos calceteiros,  sabem decifrar. Paraty tem história escondida. Árvores que saltam das paredes. Igrejas e casarios. Fantasmas da abolição.

As ruas de Paraty não gostam de salto alto. De pedras lisas e irregulares, elas pedem sandálias... Chinelos rasos e humildes, para os pés dos visitantes. Ou até mesmo, pés descalços, como os dos escravos que lá pisaram. Pés sujos de areia, pele grossa, pés de trabalhador servil.

Mas é lá no vão das fendas entre as pedras, que escorrem os maiores segredos... o sangue dos negros que há muito sofreram, a magia da culinária simples de peixes e pão. E a verdade dos livros que nunca estiveram nas feiras de literatura.

As pedras de Paraty tentam esconder as memórias do Brasil colônia e quase conseguem. Mas só até de tardezinha, quando a água do mar, sagrada e salgada, vem e invade as ruas. Lava e leva as lembranças para além do alto mar!

A noite, então, as casinhas pintadas de azul, amarelo e branco fervilham ao som de conversas distintas, de obras de arte, cachaça amarela e futebol. E muita bossa nova o ano inteiro. Afinal, é o Rio de Janeiro!

E na manhã brilhante de mais um dia de sol e um mar verde sem retoques, as escunas se preparam para o passeio, repletas de turistas de diferentes línguas...

Mas é o sotaque carioca que nos avisa alegremente, bradando da proa: - Hora de partir, rumo ao paraíso! E nas tímidas caixinhas de som da embarcação começa a tocar, também em mim, a canção...

“Isso aqui ô ô... é um pouquinho do Brasil iá iá...”    

E como é!

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quarta-feira, 23 de julho de 2025

DUPLO RESGATE



Ele tremia, assustado. Num vaivém encabulado, tentava cruzar a louca e fria avenida.

Magro, medroso e molhado. Perdido entre os carros — prováveis algozes — que passavam velozes. Presenciei a cena de medo real e toda a aflição do pequeno animal.

O peludinho ia e voltava. Depois, de novo tentava. O carro da direita parava. O cãozinho seguia, e o da esquerda acelerava.
— Meu Deus, quase morreu!
Um carro freou. Que bom! Mas o cão refugou.
E foi assim: uma agonia sem fim. Eu não sabia como ajudar, nem como resgatar.
Ele corria pra frente e pra trás num ziguezague de arrepiar.

Chegou, então, um rapaz. Uma moça que ia pra faculdade.
Um entregador de pizza. E um senhor de idade.
Resolvemos que o trânsito todo teria de parar.

Força-tarefa. Ato de bravura — ou loucura.
Foi sem muito pensar: detivemos os carros um a um.
O cãozinho, assustado e com o rabinho entre as pernas, foi lentamente atravessando.
De orelhinha baixa, cruzando a faixa.
Saiu meio de lado, como quem sabe da aflição que nos havia causado.

Olhamos com doçura e cara feia — como olham as mães diante de alguma besteira.
Ou quando soltamos de suas mãos nas ruas e saímos sem pensar.
Elas sabem o perigo do vaivém.
E hoje, nós também!

Somos o vira-lata na avenida.
Sem saber desviar dos problemas da vida.
Doenças. Tragédias. Mágoas reprimidas.
Tentamos, sozinhos, dar conta.
Mas a coisa acelera.
A dor continua.
A gente se desespera.

E pedimos força-tarefa.
Amigos. Parentes. Vizinhos que cheguem depressa.
Venham nos salvar.

Seguimos em frente — e vivos!
Com ajuda e alívio.
Feito o pobre cão molhado, envergonhado e encolhido.

Ninguém sobrevive sozinho.



*                                   *                                 *                               
                    

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