Páginas

terça-feira, 18 de julho de 2017

O FANTASMA DO PIANO

Eu não imaginava que a nascente do Rio Tietê ficava na cidade de Salesópolis. Muito menos que ele era pequeno e limpo, até ir ganhando volume e sujeira, à medida que vai adentrando a grande São Paulo. 

Também não imaginava que meu irmão, médico formado, e com grande talento para cuidar não só de gente, como também de patos, marrecos e faisões, iria comprar terras no bairro de Remédios, vilarejo próximo a Salesópolis. 

E era uma aventura chegar lá. Duas ladeiras saiam da estrada de asfalto e iam dar na pracinha com uma pequena igreja e mercearias de balcões antigos. Depois, três quilômetros de terra batida, com direito a capelinhas, santos sem cabeça e mata-burros. Clima de interior. 

A casa foi erguida em poucos meses e chegou, enfim, o dia da visita da família. Logo na entrada, um pergolado com primaveras vermelhas e uma placa de boas vindas: Sítio do Zeca Pireba!  Ninguém sabia quem era Zeca Pireba. Ninguém perguntou. 

Mais à frente, a casa, sorridente, com janelas e portas pintadas de laranja e amarelo. Na cozinha, panelas de cobre penduradas nas paredes. E na sala, um velho piano, com a foto dos parentes que  partiram. Ainda bem que não estavam de sobrecasaca, o que dava um aspecto carinhoso e menos soturno. 

E como se dorme cedo no sítio! Acorda-se cedo. Dorme–se cedo. E quando deu nove horas, depois da janta, todos foram para seus quartos. Adultos em camas e beliches. As crianças amontoadas em colchonetes pelo chão. E se de dia a natureza nos encanta e alegra, à noite, ela nos intimida, desentocando medos e mistérios. 

E foi perto das onze da noite que se ouviu, nitidamente, o som do piano vindo da sala vazia. Notas graves e agudas. Descompassadas. Dava para ouvir em todos os aposentos. 

Mas logo veio o silêncio e ninguém disse nada. Absolutamente nada. Na hora do café da manhã, os olhinhos das crianças se procuravam, à espera de algum comentário. Nada foi dito. E o dia seguiu com risos, brincadeiras e frutas colhidas no pé...

Na noite seguinte, onze em ponto, a cena se repetiu. O som do piano ecoou mais uma vez na sala vazia. Foi nessa hora que o menor da turma, inocente, perguntou... - Ué? Quem tá tocando piano? 

Os adultos e as crianças, juntos e tomados de uma coragem até então desconhecida, correram até o final do corredor e se depararam com um pequeno ratinho que se distraia pra lá e pra cá no teclado do velho piano.

O riso tomou conta da sala. Enquanto meu irmão botava o roedor pra correr. Era só um ratinho. Quem diria! Um ratinho... Voltaram, cada qual para o seu quarto, tranquilos, e foram dormir.

Enquanto no cantinho da sala vazia, o fantasma do Zeca Pireba se divertia, mais uma vez...

               


 
*                  *                      *                          *                             *                          *                     *
 
 
             
                 

                                     

7 comentários: