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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

NA CAIXA, POR FAVOR...


As de cinco quilos eram as mais desejadas. Difíceis de se abrir. Muitas vezes, só com a ponta da faca e um martelinho, levantando o grampo de aço devagarzinho e soltando uma das madeiras. As uvas rosadas estavam lá! Lindas. Intactas. Até mesmo aquelas que ficavam no fundo da caixa. 

Havia também as caixinhas menores. De um ou de dois quilos. Eu esperava o fim de ano só para comer aquelas uvas brasileiras, nas caixas de madeira. A caixinha de figo também era especial. Menorzinha. De madeira fininha. E espaços do lado. Vinha com um papel roxo por baixo, num tom azulado. Os figos maduros abriam como flor, rósea, com mel e sabor...  E as maçãs lustrosas? Vermelhas. Divinas. Vinham num caixote grande escrito “manzanas argentinas”. 

As caixas de frutas me trazem deliciosas recordações... Das antigas feiras, grandes bancas, quitandas, seja lá o que for. Por isso, na minha recente visita ao Mercado de São Paulo, o que chamou minha atenção, mais do que a majestosa arquitetura do antigo prédio e seus vitrais. Mais do que o sanduíche mortal, de mortadela com suas infindáveis rodelas e o pastel de bacalhau... Foram as caixas e caixotes espalhados pelo local. 

Dentro e fora do Mercado. Na caçamba dos caminhões abarrotados. Pelos corredores, aos montões. Caixas com frutas desconhecidas. Além das redondosas melancias. Laranjas. Acerolas. Limões... 

Estavam ali, frescas, as lembranças da minha infância. Das feiras. Da fartura. Natais e tradições. E depois da exposição das frutas nas caixas, num outro corredor... Potes com diferentes ervas. Barris de azeitonas. Picles e conservas.

Diante de tanto sabor, pedi  nostalgicamente ao vendedor de frutas...  - Vê cinco quilos da uva rosada, meu senhor! Mas, na caixa, por favor!



Obs. As caixas utilizadas hoje em dia são feitas apenas de madeira permitida.
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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

CERTOS PODERES...


Nas tardes quentes e alegres no meu quintal, eu falava com os gatos e cachorros. Às vezes, com os passarinhos que descansavam em cima do muro, observando as brincadeiras e preparando o próximo voo.

Eram conversas simples. Mínimas. Sobre bolinhas e bichinhos. Pelos escovados e petiscos. Com os pardais, os assuntos eram mais complexos. Nuvens, planos de voo, tetos. Ninhos. Varais. Telhados vizinhos... Eu sentia o que eles sentiam. Alma de passarinho, sem qualquer tradução. O poder do voo e da emoção. 

Eu também falava com as estrelas. Pedia que cortassem os céus. Na maioria das vezes, elas obedeciam. Até a lua, branca e nua, eu fazia cruzar de um lado ao outro do meu telhado. Demorava horas. Um bocado. Mas eu conseguia.

Outras vezes, impedida de brincar, eu mandava a chuva parar. Tinha comigo um mantra poderoso e familiar. E a chuva me obedecia. Pingo a pingo, ia diminuindo. Até estancar. Eu sabia os poderes que eu tinha. Sem Hogwarts, nem varinhas. Poderes de criança. De Magia. 

Entre eles, tinha o poder de curar. Com remédinhos caseiros e feitiços pequenos. Infalíveis para a minha boneca, pálida, sarar. 
E o poder de libertação. Com uma capa improvisada e uma espada na mão. Eu salvava todo um batalhão. 

Mas foi na adolescência que ganhei o maior de todos eles. O poder do amor. Bastava um olhar enamorado e eu começava flutuar com meu amor ao lado. 

Veio, então, o tempo maduro. Por vezes, duro. Com seus problemas, antenas, sirenas. E um pacote enorme de deveres. 

E eu perdi certos poderes. Da leveza. Do voo. Do encantamento. Ainda falo com gatos, cachorros e pardais. A diferença é que eles, agora, não me compreendem mais.  

E neste esvaziado pacote de poderes que ganhei quando criança, apenas um não posso perder jamais... 
o da esperança!                       


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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

O CRAVO E A ROSA


Eles já estavam separados há muito tempo. Ele de um lado. Ela, o mais distante possível. O mais engraçado é que não se separavam. Pelo menos no papel, ainda eram casados. Bodas de ouro indo pra diamante. Mas continuavam distantes. E assim queriam ficar... 

Vivi no meio dessa separação durante quase toda infância e um bom pedaço da adolescência. Santa resistência. Numa verdadeira trincheira ouvindo cada lado reclamar... - Quem falou ? Aposto que foi teu pai! - Quem disse? Foi sua mãe, pode apostar... E assim viveram por longos anos. Em perfeita e harmônica relação. Cada um no seu canto. Casas diferentes. Sem divórcio. Só física separação. 

Até que um dia os dois, distantes, cismaram de ver a mesma novela. Coincidência intrigante. Misteriosa. O Cravo e a Rosa! Sentavam-se todas as tardes em frente à tevê. Cada qual na sua casa. Ambos já aposentados. E punham-se alegremente a ver, divertindo-se um bocado... Ele adorava a Catarina. Ela amava o Petrucchio. Ela é dura na queda, ele dizia. Ele é turrão, ela se derretia! 

Novela de época. Época dos meus pais. Geração dos anos trinta. Dos romances difíceis e muitas vezes proibidos. Virgindade, pudores e medos. Casaram-se tão cedo! Dezoito e dezenove anos. Nenhum dava o braço a torcer. Discutir relação, jamais. Perdoar? Nem pensar. Ainda mais, traição! Catarina, nunca. Petrucchio, não! Eram iguais. Ela dinamite. Ele explosão. E viviam se odiando, com muita paixão!  

Eles não perderam um só capítulo no Vale e Pena Ver de Novo das tardes quentes daquele verão. Sentavam-se, cada um na sua casa, em frente à televisão. Feito a nona e o nono. Cada um no seu canto, solitários. Relembrando a juventude e os erros do passado. Mas torciam juntos por um final feliz... 

Na novela aconteceu! O cravo ficou com a Rosa. Felizes para sempre. Mas com meus pais, foi diferente. Continuaram separados e reclamando até o fim. 
Por isso, hoje, não tenho cravos e rosas nos vasos e janelas. Tenho lírios e bromélias. Vivendo juntos e em paz. 
Nunca gostei  de novelas. Mas tenho uma saudade daquelas... Justo daquela!  



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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O MAR ESTÁ LÁ DENTRO...

A casa era de um silêncio absurdo. O tictac de um pequeno relógio na parede era percebido por qualquer pessoa que adentrasse a porta seguindo pela sala, chegando até o quarto.
Amplo e arrumado. Era o canto de estudos do casal de adolescentes. Lá também havia um silêncio denso. Quase palpável. Profundo. Eu já estava acostumada a sentir aquele nada ensurdecedor todas as quartas, quando ia à casa da família Gorsk para estudar com sua filha Amanda, como eu, vestibulanda.
Nem a presença da mãe na cozinha era percebida. Talvez andasse com polainas, sapatilhas ou algo assim. De lã ou cetim. Eram tão suaves. Como toda a família.
Filhos inteligentes e estudiosos. O pai, sempre no trabalho. A mãe quase não falava. Sorria gentil. No final da tarde, chás e biscoitos ofertava. Coisa de ingleses, naturalmente. Embora não fossem. Eram poloneses.
Tudo diferente da ruidosa realidade onde eu vivia. Rodeada de cachorros latindo. Mãe cantando no quintal. E a tevê sempre ligada em um programa informal. Aquele silêncio semanal era necessário para o meu objetivo traçado e real. E o tic tac hipnótico do relógio da sala, marcava o tempo exato para o exame final.
Foi numa das minhas compridas idas ao banheiro, na hermética e silenciosa casa dos Gorsk que encontrei em cima de um antigo buffet, limpo, conservado e com muito uso, uma enorme concha na forma de caramujo. A senhora, antes arredia, interrompeu meu olhar dizendo - Ouça o que tem dentro! Fazemos isso todos os dias.
Segurei a bela concha creme e marrom, aproximando dos meus ouvidos. E ouvi, ali dentro, o ecoar das ondas, sentindo por alguns segundos e de olhos fechados, o cheiro do mar entronizado. Um bálsamo entre química, física e tantos enumerados.  
Tão lindo e contraditório. A casa em silêncio. Uma família amável e diferente. Que tomava chá da tarde e ouvia um tiquetaque rígido e intermitente. 
Eu jamais poderia imaginar.
Todas as tardes, eles paravam para ouvir o mar.   


 *          *        *                                           

Link abaixo,  para ler  a interessante matéria: Por que ouvimos o som do mar nas conchas?


Foto: Site : Fatos desconhecidos

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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O PERFUME DAS CARTAS...




Tão estranha, a Beatriz. Gostava de cheirar papéis... Cadernos. Livros. Brochuras. Papel sulfite. Até folhetos de propaganda, recém impressos. Cheiro forte. De tinta fresca. Chegava a franzir o nariz e a testa... 

Depois, começou a cheirar tecidos. Roupas. Lingeries.Vestidos. Novos e lavados, bem entendido... Ganhava de presente e cheirava, fechando docemente seus olhos, apontando a cabeça para o alto. Apreciava ao máximo o olfato. 

Mais estranho foi observar os elementos espalhados pelo seu quarto... Retratos virados, guardanapos usados e uma gaveta velha, em cima da cama, com inúmeras cartas espalhadas por sobre os lençóis. Beatriz cheirava uma carta de cada vez  e depois, completava sem timidez... Sergio, almíscar! Olhos negros, andar macio, mãos aveludadas. Passávamos as noites conversando até chegar a ciumenta madrugada. Então, ele partia e me deixava embriagada. Fui, por dois anos, sua namorada. 

E Beatriz cheirava outra carta... Rogério, lavanda! Corpo de atleta, rosto europeu. Beijava doce. Língua estrangeira, sorrateira, no meio dos lábios meus. Foi amor de verão. Bastou, enquanto durou... 

Celso, madeira! Rude e forte, me tocava de todas as maneiras. Na cama, no chão, na esteira. Rompemos em curtos dois meses. Muita fúria. Muito ardente. Foi só paixão. Amor insuficiente... 

E, antes que eu pudesse perguntar à Beatriz se eram reais os namorados e supostos amantes, ela apontou um novo frasco de perfume e disse, com estranhíssimo olhar :  - esse acabou de chegar... Marcelo. Aviador, braços fortes... ele quer se casar! 

Não posso aceitar.  Alguns perfumes gostam de aprisionar...  



*                             *                             *                          *

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quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O CASACO CARMIM...


As pessoas mais queridas e amadas do meu convívio passado usavam casacos... 
Não desfrutei muito tempo com minha avó materna, uns seis anos apenas, mas lembro do seu casaquinho marrom. Tricô. Feito a mão. Ficava por cima de um vestido largo. Ou de uma camisola de flanela estampada, já no fim de sua caminhada, mais frágil e adoentada. Era quentinho quando ela me abraçava. Cheiro de vó. Aconchego de amores. Sopa de couve e sabonete Alma de Flores! 

Minha tia também tinha um casaquinho. Era azul, com dois bolsinhos pequenos. Cardigan. Sempre tinha umas moedinhas. Às vezes, balas de hortelã. Ela pedia pra eu pegar lá dentro. Casaquinho perfeito! 

Até minha mãe teve um casaco marcante. Vermelho, com botões gigantes. Dava a ela juventude e elegância. Usou uns dez anos, sem constrangimento ou pudor. Na maioria das festas e comemorações. Não esqueço aqueles botões... 

Os casacos deixam marcas. Os pequenos e os grandes. Lembro dos filmes clássicos dos anos cinquenta. Homens e mulheres com casacos de lã. Em Paris. Nova Iorque. Amsterdã... Ou numa ponte em Veneza. A cena era sempre a mesma. Despedida, com tristeza e muita elegância... 

Deixo pra lá os casacos da Europa... O que me importa são os casaquinhos das mulheres queridas que conheci e conheço por aqui. Marcas que não tem preço. A Dona Domingas, por exemplo... Faz limpeza aqui no prédio. Vejo de longe seu casaquinho carmim. Tem sempre um sorriso e um bom dia pra mim. 

Doem suas pernas. Anda já curvada. Batemos papo na escada. Ela conta da família. Três filhos, um só trabalha. O marido não pode. Só atrapalha. Tem netos que não acabam mais. 

E ela, aos sessenta e cinco, com asma, bronquite e rinite, ainda tem que trabalhar.  Ah, Dona Domingas, merecia muito mais... 
Tá na hora... do seu casaco carmim se aposentar...



*                             *                                   *                                     *

AGRADECIMENTO! 
Exposição “ Mulheres, o poder além das imagens”, na Pinacoteca de Santos!
Linda iniciativa da jovem e talentosa fotógrafa Isabela Garcia, retratando o universo feminino, representado por 21 mulheres atuantes na Baixada Santista. 
Muita honra e alegria de ter sido uma delas!



                                                    Inês e Isabela/ Pinacoteca de Santos

terça-feira, 6 de novembro de 2018

AS PEDRAS... E AS ÁGUAS DE PARATY

           
As pedras de Paraty escondem segredos que ninguém, nem os últimos calceteiros,  sabem decifrar. Paraty tem história escondida. Árvores que saltam das paredes. Igrejas e casarios. Fantasmas da abolição.

As ruas de Paraty não gostam de salto alto. De pedras lisas e irregulares, elas pedem sandálias... Chinelos rasos e humildes, para os pés dos visitantes. Ou até mesmo, pés descalços, como os dos escravos que lá pisaram. Pés sujos de areia, pele grossa, pés de trabalhador servil.

Mas é lá no vão das fendas entre as pedras, que escorrem os maiores segredos... o sangue dos negros que há muito sofreram, a magia da culinária simples de peixes e pão. E a verdade dos livros que nunca estiveram nas feiras de literatura.

As pedras de Paraty tentam esconder as memórias do Brasil colônia e quase conseguem. Mas só até de tardezinha, quando a água do mar, sagrada e salgada, vem e invade as ruas. Lava e leva as lembranças para além do alto mar!

A noite, então, as casinhas pintadas de azul, amarelo e branco fervilham ao som de conversas distintas, de obras de arte, cachaça amarela e futebol. E muita bossa nova o ano inteiro. Afinal, é o Rio de Janeiro!

E na manhã brilhante de mais um dia de sol e um mar verde sem retoques, as escunas se preparam para o passeio, repletas de turistas de diferentes línguas...

Mas é o sotaque carioca que nos avisa alegremente, bradando da proa: - Hora de partir, rumo ao paraíso! E nas tímidas caixinhas de som da embarcação começa a tocar, também em mim, a canção...

“Isso aqui ô ô... é um pouquinho do Brasil iá iá...”    

E como é!

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segunda-feira, 15 de outubro de 2018

AOS MESTRES, COM CARINHO...


Quando ela olhava por debaixo do bifocal, não era bom sinal. Dona Terezinha dava broncas literárias. Com rigor gramatical. Tinha moral! Mas era doce, amiga, inspirava amor. Lembro até hoje das regras das preposições: para, per, perante, por! 

Dona Carmita, de matemática, era mais didática. Enfática. Ensinava com a razão. E os números decimais, tão reais e leais, brincavam à sua disposição. A Elisa de geografia, descrevia o relevo com maestria. Eu chegava a ver as águas do São Francisco com seus rios e a enorme bacia. A turma encantada aprendia com a sede de quem espera, no deserto, um copo d’água. Elisa era apaixonada. 

Outros mestres marcaram por seus detalhes. O César, de inglês, e sua calça xadrez. O Laurindo, de história. Mãos trêmulas e sempre rouco. Avental amarelo, com giz no bolso. A Célia, de desenho, e sua mancha no joelho. E muitos outros mestres... Cleuza, Dirce, Gaspar... que ainda vivem na minha memória, junto com a lousa, o giz de cera e um apagador imaginário que certamente não utilizei.

Todos eles merecem mais que a maçã. Eu daria a estes queridos mestres , pêssegos, morangos, bombons de licor. Uma macieira, inteira, em flor. Tamanha missão. Tamanho amor. 

Mas eu era fã mesmo das aulas de ciências. Dona Seiko e suas experiências! Genética e reprodução. Encontrei com ela algum tempo atrás, já beirando os oitenta. Não lembrou do meu rosto. Falei meu nome e ela completou com o sobrenome. Disse, sorrindo, que jamais iria esquecer... 

A sala em polvorosa. Quando ela, nervosa, gritou: - Vocês já sabem tudo e por isso não ficam calados. Digam então... quando é que um ovo não está galado? Eu levantei a mão e mandei de primeira - Quando é ovo de galinha solteira! 

A Seiko jamais esqueceu. Nem eu!



*                                           *           
                                                      




               


  

terça-feira, 9 de outubro de 2018

CULPA DOS PIRUÁS...

Certas palavras parecem não combinar com o que representam.
Piruá é um bom exemplo. Está mais para uma espécie de bípede, peru ou galinha do mato. Jamais, um milho não estourado. E o tal do promontório? Seria um ótimo local para reuniões de advogados. Sérios. Engravatados! Nunca um pedaço de terra que se estende por sobre o oceano.
E tem as palavras que destoam nos textos e contextos que falam ao coração. Procrastinado, concubina, genitália, por certo, não compactuam com as intimidades e a leveza do amor!    
As palavras e seus conteúdos nos enganam. É preciso ter cuidado para não errar na mão. Mesmo assim, as amo. As palavras têm alma. E diferentes sabores. Surgem para os escritores! Pulam à sua frente. E se apresentam... Aninham-se. Misturam-se. Dão voltas e reviravoltas. Feito milho, prestes a virar pipoca. E finalmente, se encaixam. Perfeitamente. Receita simples de texto bom. Prato saboroso de se ler.
Mas tem dias que as palavras não encaixam. Destoam. Escapam. É o texto duro, encruado. A ideia que não sai. As palavras que ficam de mal.
Aí a poesia não rola. O texto atola. E nem um café fresco na madrugada, faz a tal da inspiração voltar. É hora de parar. Parar de escrever. Parar de falar.
Porque as palavras, nos textos e na língua desenfreada, quando mal colocadas... machucam feito piruá!

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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

DOCE DOCE DE BATATA DOCE...


Eu não gostava tanto de doces. Gostava era daquelas formas. O coração abóbora. Amarelo ou roxo. De batata doce. Bonito de ver na vitrina da padaria. Ao lado dos pedaços de geleia. Metade vermelha, metade amarela. E os suspiros duros. Brancos e rosas, quase sem sabor. Puro açúcar, anilina e cor. 
Havia ainda arrozinho no saquinho. Balas coloridas de homenzinhos. Chupeta de mel com limão. Tudo muito atraente. Cores. Formas. Ruídos na hora de abrir... O sabor, pouco importava. Muito menos as calorias, a quantidade de gordura trans e os riscos reais. Nos anos oitenta não havia biscoitos de arroz, nem barrinhas de cereais.

Eram lindos doces vagabundos! Cheios de magia e formatos. Baratos de fato. Vendidos nas vendas e bares de bairro. Eu procurava o doce perfeito. A forma e o gosto divino que me fizessem flutuar feito o cachorro do desenho saboreando um biscoito canino! 

A barrinha de chocolate com amendoim dentro de um pote de plástico, perto do caixa me levava à loucura. Não tinha papel de embalagem. Eu pedia duas barrinhas. Pra viagem! A pé, é claro, devorando pelo caminho. Bem devagarzinho. Busco até hoje aquele sabor. Mix de manteiga, cacau e crocantes de amor.

Em passeio recente, entrei numa venda daquelas de antigamente, à procura de um doce barato. Sem culpas. Sem conselho médico. Pura contravenção! Nada que uma rosuvastatina não resolvesse depois...  

Pura decepção. Tinha macadâmia, mousse de limão e palla italiana. Sofisticado demais pro meu desejo chinfrim. Perguntei sobre os corações de batata doce, as Marias-moles coloridas, o guarda chuva de chocolate no palito de plástico e por fim, das geléias... O vendedor não fazia a menor idéia. 

Antes que ele procurasse no google, parti pra outra mercearia. Seguindo em frente com a saudade de quem sente falta de um tempo, mais do que um doce barato. 
E vou confessar... Já comi um ovo colorido, desses que ficam ao lado da salsicha com molho na vitrina. Em um bar qualquer... de esquina!  


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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A CASA DA MINHA INFÂNCIA...



A casa da minha infância continua intacta. Dentro de mim. Visito de vez em quando os seus aposentos... 
O meu antigo quarto, por exemplo. Tem a cama pequena e os bichinhos espalhados. Chego a sentir o hálito quente da minha mãe se aproximando. Ajeitando o cobertor. Dobrando lentamente, até aconchegar o pescoço. Dando um beijo suave em meu rosto. 

Tem também o quarto principal. Do casal. Nele meu pai ainda vive. Está lá. Há anos. É mais jovem. Ainda com cabelos. Topete loiro. Dorme sempre depois do almoço. Às vezes, abro a porta e não faço barulho. Ouço o seu ronco profundo. Saio sorrindo, com a sensação de um amor seguro. 

A sala da casa é enorme. Mas também cabe dentro de mim. Lá tenho os brinquedos ainda espalhados e a cachorra sempre ao lado. Volto nela quando a vida fica séria e eu preciso brincar... 

Na cozinha, minha mãe. Jovem e alegre. Está sempre cantando. Ouço sua voz e o barulho das louças sendo lavadas. Sinto o cheiro da eterna macarronada. Aquela de todo domingo. Com gosto de família. Risos do irmão mais novo e sua garotada. Comidas simples. Bifes, sucos, queijo com goiabada. 

E por último, tem o quarto do meu irmão mais velho. Só de vez em quando eu vou lá. É um quarto meio escondido. Levei a chave para ele não escapar. Como fez um dia aqui fora e nos deixou para sempre... Agora ele vive lá dentro. São e salvo no seu leito. Canto esquerdo do meu peito. 

Um dia, talvez a lembrança da casa vá saindo. Outras portas irão se abrindo. Novos aposentos que irei abrigar... 
Mas se um dia, já bem velhinha, a saudade vier apertar, volto pra casa da infância. Lá tenho toda a família reunida. 
E a minha caminha pequena, para enfim, por fim, me deitar...   


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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

A CARONA...


Não deu tempo. Foi no meio do caminho. No meio da esquina. Na tarde que cedo anoitecia.
Aquele pingo escorreu quente e grosso, do alto da minha cabeça até o pescoço. E me pegou em cheio. Depois mais um. Mais um. Depois outro. Agora, em volume torrencial. Tempestade tropical. Com seus pingos gigantes e certeiros. São Pedro em fúria, com devaneios.

Tudo que me coube de abrigo foi uma espécie de toldo, numa lojinha fechada há pouco mais de um mês. Na rua, apenas alguns carros. Poucas pessoas passavam. Umas duas. Ou três... Até que a Valdirene passou! Negra. Grande. Cabelo afro. E um guarda chuva estampado gigante. Deus sabe como eu o cobicei... 

Valdirene parece que percebeu. Deu um arrepio, três passos pra trás e ofereceu:  – Quer uma carona? Gruda aqui. Depois completou: - Aproveita! O que cai do céu é porque Deus mandou! 

Seguimos sorrindo, braços dados, caminhando e tagarelando sobre a vida. Valdirene fazia faxinas. E de noite era cuidadora. Trocamos, em comum, nossas histórias. De idosos, Alzheimer e perdas de memória. Depois falamos sobre o doce e o amargo da vida. A falta de fé da atual e cada vez mais cruel sociedade. Da biodiversidade. Dos cortes nas faculdades. E terminamos com  dicas de bolo de chocolate! 

Valdirene tinha riso largo, bom humor e lembrava músicas que falavam da chuva. Foram seis alegres quarteirões. E umas três ou quatro canções. Demétrius, Benjor, Biquini Cavadão... 
Ela fez questão de me levar até a porta do prédio. – Obrigada, Valdirene! Quer subir para um cafezinho? - Não posso não. Amanhã acordo às sete. Bem cedinho! - Fica com Deus, então... 

Mais que uma carona. Foi um abraço, de dois corações.



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TODAS AS FOTOS DA PALESTRA DE 13 DE JULHO...

E MAIS UMA ETAPA DE LANÇAMENTO DO LIVRO INESPLICANDO NO 

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO VICENTE...

                         JÁ ESTÃO NO ÁLBUM DE FOTOS DO FACE...

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quarta-feira, 5 de setembro de 2018

OS FILHOTES DA CORRUÍRA


Eram três pontinhos pretos. No chão de porcelana da sala. Demorei alguns segundos para perceber que eram filhotes. Minúsculos filhotes de corruíra. Ou curruíra, tanto faz. Desajeitados. Miúdos. Completamente reféns. Os móveis pesados por todos os lados davam a exata dimensão daquela fragilidade viva. O que faziam na minha sala? Podiam ter morrido tragicamente num triste acaso, pisoteados.

Catei os bichinhos, um a um na palma da mão. Sentindo o pulsar pequeno e gigante de emoção. Sempre tem um que é mais esperto. Dá um baile. Tenta fugir... - Vem aqui, vem danado. Enfim, consegui! Caíram do ninho redondinho. Construído no meio do meu bambu mossô. Ninho na varanda. No terceiro andar. Prédio de apartamento. Caíram mesmo? Ou saíram para um passeio? Tinham que voltar. Tanta ousadia, a mãe corruíra não iria gostar...

Tive vontade, um dia, de criar pássaros em casa. Ganhei dois canários. Depois mais dois. Comprava ninho. Comida. Pedra de cálcio. Barrinha de gergelim. Tudo que pudesse ajudar. Depois juntava o casal e teimava em cercar. Queria ver de perto o mágico procriar. Mas nem por milagre! Nunca. Nenhum ovo conseguiu vingar.

Há anos não tenho pássaros presos na gaiola. Cresci o suficiente para não prender mais nada. Nem ninguém. Deus decide o que é pra nascer. E essa agora! Três bebês corruíras entrando e saindo da minha sala. Lindos e atrevidos. Destemidos. Vieram sem perguntar. Vivem no meu lar.

Aproveito cada momento. Em breve não irão mais voltar. Não importa. Aprendi o jeito maior de amar. Ter por perto. Deixando livre... para voar!


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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

CORAÇÃO BOBO


O coração, às vezes, perde o juízo. Dá pulos. Retumba. Batuca. Salta na boca e termina num sorriso. Perto da nuca.
É o pulsar da alegria... Às vezes, vem com grito e intensidade. De quem viu seu nome na lista da faculdade. Alegria manifesta. Que se lê nos olhos e na testa. É o coração rufando tambores. Tipo grand finale!
Mas tem também o pulsar das alegrias medianas. Sorrisos singelos. Dos que se esbarram na faixa de pedestres no sinal amarelo. O coração bate leve. Piano. Meio por engano.
As alegrias mais visíveis são dos amigos boçais. Que se abraçam na rua, batendo no peito. Trocando tapas e palavrões. Tão leais e retumbantes, seus corações! Tem ainda as alegrias escondidas. Do coração que não se agita. E bate feito tambor abafado. O da menina que recebeu “in box”, um nude ousado!
Melhor é o “tun-tá” dos corações que galopam em disparada. Alegria escancarada. Que vem com gargalhada. Das crianças, brincando na manhã ensolarada. Alegria ruidosa. Que se ouve de longe. E o coração batuca feito pandeiro, reco- reco e timbal. Som da aorta, em pleno carnaval!
Mas é na tristeza que o coração se encolhe e toca outros instrumentos. São as tristezas de momentos. Acordes longos em tons menores. No velho peito, uma triste partitura. O miar de gatos na noite escura. O choro noturno das viúvas. Que não se cura. E a nota triste, que ecoa do ninho. No pio do solitário passarinho... Aí o coração se encolhe e se apequena. Fica cada vez mais fino. É a tristeza do violino...
E a gente se ilude, dizendo, já não há mais coração!


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Texto inspirado na poesia de Raul Drewnick, que me apresentou a profunda "tristeza dos violinos". E Alceu Valença, eterna inspiração! 
Foto: Nosso Jornal

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quarta-feira, 22 de agosto de 2018

MENINA, NO BOTECO DA ESQUINA?


O violão é um amigo. Daqueles leais. Que só escutam, não falam. Ouvem a nossa voz. O nosso canto. De tristeza, nas horas de melancolia. De alegria, nas noites de festa e cantoria.
Está lá, ponteando entre risos, coros e desafinos. Houve tempo em que era tido como instrumento meio malandro. Daqueles que tocam no boteco da esquina! Não era coisa de menina. Mas eu me entendia bem com aquele tipo “chinfrim”...
O primeiro violão que ganhei foi um Giannini. Pequeno. Perfeito para mãos miúdas de criança. Lembro dos primeiros acordes. Dó e Sol maior. A primeira valsa. A revistinha Vigu. E a primeira pestana, toda torta, com som espremido. Onde eu ia, o violão ia comigo.
Aos quinze anos ganhei aquele que seria o mais marcante de todos. Um Di Giorgio herdado do irmão mais velho. Tocou em todas as festas da Faculdade de Medicina. Tinha ótima acústica e esparadrapos por todo o corpo, vítima que foi de um descolamento da madeira. Ficou curado. Em perfeito estado.
Nele assinaram com caneta e carinho, grandes amigos, incluindo Toquinho, que junto com Vinícius, tocou e cantou na formatura, entre doses de whisky, poemas e juras!
Depois, nos anos dedicados ao rádio, ganhei outros violões que foram tocados por artistas queridos, numa espécie de show particular. Carlinhos Vergueiro, Sergio Reis, Luiz Américo, Paulo Ricardo e muitos outros.
Era violão, bate papo e um café! Porque amigo é assim. Pode ser malandro. Pode ser mané. Sem toque de preconceito. Pode gostar da noite. Ou gostar do dia. Preferir Segovia. Ou Paco de Lucia! 
Mas é nas noites de solidão que a gente entende o valor de um violão. Nas madrugadas frias. Nas canções vadias. Na melancolia que insiste em nos acompanhar.
E pensar que uma antiga vizinha, na sala de casa, em frente à minha mãe, ao me ver tocando um samba canção, disparou no mais lamentável engano,,, - você deixou a menina tocar violão?
Violão é coisa de menino. Menina toca piano!


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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

CHEIRO DE CHÃO MOLHADO...

Certos cheiros da infância ficam guardados em nossa memória.
Talvez residam lá há séculos, num arquivo ancestral. Lembro de cheiros dos tempos da escola. O cheiro do caderno novinho e suas páginas intactas. Cheiro de papel bom. Era inevitável rodar as páginas com as mãos para sentir o vento no rosto. Cheiro branco. Cheiro gostoso. Da brochura a desabrochar.

Bom também era o cheiro da borracha verde qua apagava o lápis. Macia e diferente da borracha de caneta. Metade azul, metade vermelha. Dura e rasurenta. Quem é que não furou um papel assim? É preciso experiência e bom olfato para distinguir o cheiro das duas borrachas. E a serragem com grafite que ficava presa no apontador? Tudo acabava na ponta do nariz na hora do assoprar feliz.

São incontáveis os cheiros da infância. Cheiros de criança. Alguns azedos e passados. A laranjada que escorria dentro da lancheira ensopada. O cheiro de xixi na calça, quando pingava. E da massinha de modelar que nos dedos grudava...

Outros eram maravilhosos, como o cheiro dos jasmins ao lado do colégio, na casa da Dona Joaquina. O cheiro do queijo torrado na chapa que vinha da cantina. E no intervalo das aulas, na porta da escola, o árabe de boina, abria sua sacola de lona e eu sentia o cheiro das esfihas! Já moles e empilhadas. Incrivelmente perfumadas. Ele cortava e espremia o limão na hora e o cheiro cítrico em nossas mãos ficava até o final das aulas. Ninguém se importava.

Mas o cheiro que me enche de ternura de um jeito lento e impregnado é o cheiro do chão molhado. Depois da chuva nos dias quentes de verão. É o cheiro que vem da calçada. Das gotas grandes que batem no chão e molham tudo rapidamente.

Depois de um tempo, quando a chuva vai embora, a água evapora e sobe lentamente o cheiro de chão quente que minha mente invade, 

Inundando os meus olhos e minha alma, de criança... e de saudade!


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