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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O UNICÓRNIO VIOLETA

                                                                                                            
 Quando ele descobriu que tinha um só chifre e era violeta, seu mundo desabou. Já não era criança. Nem adolescente. Estava todo em transição. E deu até dó! Anemia. Bulimia. Disritmia e outras ias...
Não se sentia confortável entre os equinos, muito menos, caprinos... Tão pouco se enquadrava entre os demais animais de dois chifres.
Restava sempre sozinho, embora fosse o alvo principal dos demais grupinhos. Para piorar, seu pai lhe deu as costas. E sua mãe, não dava respostas.
O tempo foi passando e ele foi suportando até quase adoecer.
Seu violeta escureceu. E o chifre, dentro de um chapéu, escondeu... Foram anos e anos restrito aos quintais, na cidade dos bichos iguais.
Quando enfim virou adulto, preferiu sentir dor, mais do que a solidão. Cortou seu único chifre, duro e azulado, e seus pelos pintou de marrom.
Arrumou depressa um emprego. Casamento. Conta no Banco e cartão. E assim viveu por muitos e muitos anos...
Só depois de velhinho, quando a internet naquele vilarejo chegou,
é que ele foi descobrir... 
Há poucos quilômetros dali, numa cidade grande, de prédios gigantes, luzes, teatro e cinema ... viviam livres e felizes, milhares de unicórnios! Dourados, vermelhos, verdes, amarelos, violetas...
Que triste. Que tarde...




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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

NEM LENÇO, NEM DOCUMENTO...

 
 
Tenho pavor de documentos. Procurar documento. Perder documento. Tirar segunda via de documento. Ou precisar de um documento urgente, do qual nunca imaginei precisar na vida.

Pavor, sim! E pelos mesmos motivos, tenho um certo pavorzinho de orgãos públicos... Nunca consegui nada de primeira. Sempre falta um documento! Geralmente antigo, que vem do nada e nos pega despreparados. Como assim? Comprovante de endereço do primeiro emprego do meu pai? Começo a estremecer...

Eu já passei por INSS, Receita Federal, Poupatempo e mesmo com muita experiência no assunto, ainda me bate o desespero. Só depois de semanas em agonia, sem saber por onde começar, é que volto ao local para pedir mais informações. Em geral, um outro funcionário, agora gentil,  me diz que existe uma alternativa mais fácil...

Já chorei de raiva e de alegria. E também já desisti de tudo. Por esta razão, também não sou fã de crediários. Esses das lojas famosas. Basta uma comprinha parcelada sem juros e pronto. Lá vem o cadastro malfadado. Com todos os documentos desencavados.

Mas não foi nada disso que aconteceu semanas atrás. Aliás, foi bem diferente. A loja era de portas e guarnições de madeira. Há uns cem quilômetros de São Paulo. A porta cobiçada era  maciça. Linda. Bom preço. Mas não aceitavam cartões.

O dono da loja percebeu nossa situação. Pegou uma caneta esferográfica e perguntou onde ficava o condomínio. Pode falar o endereço. Eu mando levar... Mas não temos como pagar. Paga depois! Semana que vem não vamos vir...  Paga daqui a quinze dias. Quer os nossos documentos?  Nada. O telefone basta.

Voltamos para casa maravilhados. No dia seguinte, o pedreiro nos informou que a porta chegou e que até já estava colocada. Passamos na loja quinze dias depois para agradecer o gentil dono, tomar um café e fazer o chequinho. Ao invés de preencher 2016, deu vontade de trocar para 1916!

Quem podia imaginar... Nem lenço, nem documento.
Foi no fio do bigode!      

          
 
 
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                                   Crônica  do livro Inesplicando Vol.1

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

UM LUGAR CHAMADO BICHINHO

                                                                                     
É lá que os artesãos se reproduzem. Aos montes. Feito bichinhos! São, na maioria, locais que aprenderam a profissão e um jeito de sobreviver com arte. Entocados em seus ateliês e oficinas instaladas em casinhas antigas. Muitas, feitas de adobe, um tipo de tijolo natural que mistura palha e barro. É lá que o ferro de Minas se transforma em flores artesanais e a madeira de demolição vira quadros de arte e móveis geniais nas mãos dos criativos artesãos. 

Foi assim, com a ajuda destes artistas, que Bichinho se reergueu depois da febre do ouro e da sua derrocada. Definitiva. Mas a história daqueles tempos cruéis insiste em continuar viva...  

Bichinho é homenagem a Vitoriano Veloso. Escravo alforriado. Alfaiate morto cruelmente durante a inconfidência mineira. Parece mesmo que seu espírito continua por lá e vagueia nas tardes lentas, no local da emboscada... 

A história vai cruzando toda a cidade, adentrando as igrejinhas barrocas e seguindo pela Estrada Real. Caminho de terra e de pedras. Tudo muito natural. Com direito a vista panorâmica que nos dá a dimensão do tamanho e da beleza das paisagens mineiras, entre Prados e Tiradentes. É lá entre as duas que está Bichinho. Pequenina. E grande, na riqueza da arte! Mas visitar Bichinho, como demora... 
É impossível comprar algum artesanato sem gastar meia hora de prosa com quem por ali estiver. E se tiver uma cachaça... Aí é desgraça.
Na primeira parada, olhamos alguns objetos em decapê e lá se foram quarenta minutos falando sobre o ninho de pardal que apareceu no ateliê. Com direito ao vôo dos filhotinhos por cima de nossas cabeças. Em outra oficina, mais prosa com o artesão que contou de suas invenções, suas vendas e doenças. Trocamos endereços e dicas de remédios. Tudo lento, mas sem tédio!

E já era hora de almoçar. Tutu, couve e torresmo! Forno a lenha. Panelas de barro a fumegar... E mais uma vez, a estrada Real à nossa frente, com direito a uma rádio local tocando músicas do tempo imperial. Trilha ideal.
E foi no meio da estrada repleta de história, liberdade e sangue... de pedras reais, terra seca e esfarelante que a coincidência se deu... Um bichinho pequenino e inconsequente cruzou a frente do nosso carro com a calma de quem não tem medo, nem pressa de chegar... 
Foi atravessando a estrada, seguindo sua caminhada. Tivemos que frear. 
Eta bichinho! Justo em Bichinho...
Queria entrar para a nossa história!




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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O SEGREDO DO NAGAO

    
O jovem repórter não deve ter entendido a resposta daquele alegre e curvado senhor japonês ao ser questionado sobre o por quê de suas árvores serem as mais belas. Havia tantas árvores semelhantes naquele lugar. E da mesma espécie!

Afinal, Sr. Nagao, qual o segredo? Todo dia! Respondeu o velhinho. O repórter insistiu. O senhor rega as árvores todos os dias. Mas deve ter algo especial. Por que as suas árvores são maiores e mais floridas? Todo dia! O segredo é todo dia! Sr. Nagao respondeu novamente. Mas não tem uma fórmula secreta? Uma vitamina especial? E o velho insistia com um sorriso paciente e milenar...  Todo dia. O segredo é todo dia!

O repórter desistiu, imaginando que o velho japonês não tivesse entendido a sua pergunta. Ou talvez, compreendesse melhor outra língua...

Confesso que eu também, com vinte e poucos anos e sem ainda ter plantado as inúmeras árvores que plantei, não teria compreendido o mestre Nagao. Nem o alcance da sua simples frase.

Mas depois de muitos invernos. Das formigas que apareceram do nada e destruíram as folhas mais fresquinhas. Depois do vento forte que chegou de repente e quebrou os galhos repletos de florzinhas. Dos fungos que puseram abaixo um limoeiro em apenas três dias. E até mesmo da criança arteira que retirou todas as frutas, ainda verdes e azedinhas...

Entendi que é preciso água, sol, adubo. E mais que isso. O olhar, atento. Todos os dias...
O segredo, é todo dia!                                                                                    O Sr. Nagao sabia.           

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                     OBRIGADA PELA VISITA!

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

GOSTO MUITO DE TE VER...

                                                 
Sempre tive medo de leões. O olhar de poucos amigos. O rugido assustador. A mordida fatal. Mas não deste leão. O leão da praia. Leão de cimento. Estátua tão amiga quanto antiga. Reinando no meio do jardim... 

Impávido e sereno, o leão da praia está lá há mais de setenta anos. Assistindo a chuva, a ressaca, os fortes ventos. A noite nublada, a madrugada estrelada e os primeiros raios da manhã...

Mas é no destino de estátua, pesada e dura, que sinto toda a ternura. Fico imaginando o brilho no olhar de cada uma das crianças. Milhares delas, ao longo de tantos anos, com sorrisos iluminados, erguidas pelos pais para o grande momento: montar o rei das selvas e com as mãozinhas pequeninas afagar a grande juba de cimento! 

A alegria perpetuada nas fotos dos filhos, que já se tornaram pais, e já levaram seus netos e bisnetos e tantos mais... O leão da praia mora na lembrança de todos nós, crianças, de todas as gerações. 

Mas foi numa dessas noites de luar, feitas para poeta se apaixonar, que vi, ali, em frente ao leão da praia, um louco solitário, insistente e comovente a cantarolar... -Gosto muito de te ver, leãozinho! De tocar sua juba...

Talvez ninguém tenha percebido o seu canto e todo o seu desatino. Mas o Leão, ciente da sua função, escutava calado, aquele louco desvairado que só queria encontrar alguém no caminho... 

E eu, que já desconfiava destas estátuas antigas, agora tenho certeza. Elas escutam os loucos. As crianças. E as cantigas! 

                            

       
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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O FIM DA COCADA?

                                                                                                  foto: Veja/SP
             
Dona Jana era baiana das boas. Toda redonda. Peito boludo e traseiro avantajado, desses que levantam a saia branca quando anda. Vendia cocada na praça da Biquinha. Não tinha quem não a conhecia. Clientes, noite e dia.

Toda de branco e fitinha do Bonfim, sabia canto nagô e pedia sempre aos orixás que abençoassem suas mãos divinas e cada filho novo, que todo ano vinha! Foram cinco doces garotinhos que ela foi fazendo, junto com quindim, paçoca e cocada queimada. Felizes foram crescendo, qual fermento, ao seu lado com muito leite derramado, brigadeiros e bombocados

O tempo, porém, foi passando. O cabelo da Jana foi branqueando e a pracinha que era doce, jogada de um lado pro outro, foi se acabando... Pulando de canto em canto e com o coração sangrando, Dona Jana e sua barraca foram aos poucos se  desmontando.

Agora idosa e magrela, viu indo embora toda antiga clientela. Nem a tradição sobreviveu! Não veste branco e não tem mais a fitinha. Brigou com o orixá e com as novas vizinhas. Até o formato dos doces mudou na pobre e desfigurada Biquinha!  

Aonde Jana foi parar? A baiana agora usa whatsapp e montou um web site. E por pura ironia, exibe seus doces em frente a uma academia.

Que disparate... Vende só cocadas diet!


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quarta-feira, 27 de julho de 2016

SIMPLES

                                                                          foto arquivo pessoal
 
               Ele podia ter sido engenheiro como seu pai. Ou dentista como sua mãe.
               Poderia ter sido jogador de futebol, modelo fotográfico ou técnico
               de informática. Preferiu ser chefe da delegação de Hóquei no gelo.
              
               Ele poderia ter casado com a Fátima, sua namoradinha de infância
               que se formou em pedagogia. Ou com a Sandra, sua vizinha gostosona
               que arrastava um bonde por ele.
               Ou ainda com a Marizete, ótima em cozinha mineira e carícias sexuais.
              
               Mas preferiu Olenka, uma ucraniana com 3 filhos que mal fala português.
               Nada de calça jeans e camiseta. Nem ternos elegantes. Ele usava chinelos
               e boinas, shorts com polainas, e carregava uma grande mala de pele
               de carneiro que sempre o acompanhava.
 
               Instrumento preferido: oboé. 
               Filmes: os produzidos em Singapura.
               Sexo: terças-feiras de manhã, ao som de Hermeto Pascoal ou Igg Pop.
               Mas foi no dia em que completou exatos 65 anos de idade que ele atravessou
               a rua com passos firmes, entrou na padaria em frente e enfim, radicalizou :
               - Quero algo bem simples. Pão com manteiga, por favor!
              
               Foi preso porque estava nu.


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quarta-feira, 6 de julho de 2016

EM CIMA DAQUELA PEDRA...


                             
Desce daí, feiticeira!

Minha alma se inquieta quando vejo certas esculturas encravadas na paisagem natural. Mau humor, pode ser... Ou inveja, por não saber moldar um simples boneco em papel machê.  Talvez precise de um olhar mais amigo e cordial. 
 
Aprecio demais a arte dos homens, mas a arte da natureza me parece tão absoluta, que ambas não deviam disputar o mesmo espaço. Uma em cima da outra? Aí dá um choque. Um nó nos olhos. Descompasso.
 
Nada contra a obra, pois o meu conhecimento na área é miudinho e se resume a distinguir os olhos e o nariz de um Aleijadinho e o vigor dos bustos de Rodin. Aos artistas, então, peço meu perdão.
 
É mais pelo local onde foram colocadas. Parecem estar sempre onde não deveriam estar.

Lá no Itararé, em São Vicente, quando olho a pedra da feiticeira, rústica e milenar, cravada na areia e ungida pelo mar, vejo no topo a estátua de ferro grudada com cimenticola, a me torturar. É bonita! Mas, não rola. Não tinha outro lugar?
 
Assim é com o peixe gigante na chegada da cidade de Santos. Mistura bipolar de sentimentos. De um lado, o símbolo da volta, a alegria do retorno ao lar, à beira mar. De outro, a presença angustiante de um peixe fora da água entre vias expressas e carros a buzinar. É lá que deveria estar? Não tinha outro lugar?
 
E as cabeças gigantes da rotatória de Praia Grande... Sinto poder e medo quando as vejo. Parecem ali, em vigília. Mas ficariam melhor em Brasília!

A arte é a maravilhosa expressão dos seres humanos e não deve ficar restrita aos museus. Deve estar integrada ao urbano. Minha cabeça concorda. Meus olhos e o coração, nem sempre.

Imagino um Deus-criador, lá do alto, olhando a estátua colada na pedra e pensando com ironia... 

Tinham que colocar justo aí em cima?


 
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quarta-feira, 29 de junho de 2016

A PINTA DA MARIA


Maria tinha uma pinta. Uma pinta considerável. Grande. Bem ao lado do nariz. Impossível de não ser notada. Tinha até nome: Nina! Foi assim que quando criança, seu pai, brincalhão, lhe apelidou a fim de criar uma relação afetuosa da filha com a marca de nascença.

Não adiantou. Maria não gostava da pinta e do fato de que a pinta a ofuscava. A Nina, ou melhor, a pinta, era maior do que ela. Maior que seu rosto. Maior que tudo. Era a Maria da Pinta! Qual Maria? Aquela da pinta.

E Maria foi crescendo junto com a pinta. Trabalhou, casou, e então, desenvolveu verdadeiro ódio à pinta. Afinal, era ela a razão de todos os seus problemas. 

Perdeu o emprego. Foi a pinta! Seu filho caiu nas drogas. Tinha vergonha da pinta da mãe! Sua filha fugiu de casa. Queria se ver longe da pinta! Seu marido, depois de anos de convivência e maus tratos, amantes e falta de dinheiro, enfim a deixou... foi a pinta que ele não mais aguentou ver diante de seus olhos!

Foi assim por muitos anos. Maria e sua pinta na cara. A pinta que a escondia. Que a justificava. Às vezes, passava um pó para amenizar, mas continuava lá, escondida, a sua Nina.

Depois de muitos e muitos anos de sofrimento e uma melhor condição financeira, Maria, num impulso, resolveu tirar a pinta. Cirurgia marcada. Pinta retirada. Simples assim! A filha voltou. O filho ficou bom. O marido se arrependeu. Não! 

Nada disso aconteceu. E o pior, a cara da Maria apareceu. Nariz adunco. Olhos tristes e marcados. Boca amarga e um bigode chinês. Pobre e vulnerável Maria. Sem a antiga pinta da Maria.

Agora, todos os dias, antes de sair de casa, Maria pinta uma pinta de mentira. No mesmo lugar...

E voltou, graças aos céus, a se queixar!
                       


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quarta-feira, 8 de junho de 2016

A MESMA DANÇA

   
Eles dançaram a noite toda... All night long! Eles dançaram anos sessenta. Chucky Berry, Elvis, Beatles. Eles dançaram anos setenta. Bee Gees, Abba, Donna Summer. Eles dançaram anos oitenta. Noel, Rick Astley, The Cure... 

E quando a música parou, eles continuaram dançando. Pelo menos na minha cabeça, eles nunca param de dançar. Na verdade, acho que eles dançam há séculos. Dançam desde outras vidas. Quem sabe, um elegante casal de nobres valsando nos grandes bailes em castelos medievais. Ou não. Parecem mais camponeses que dançavam alegres em festas de família, regadas a vinho e conversas ao luar.

São almas leves que balançam suaves, como se os problemas da vida fossem resolvidos ali, numa valsa bem executada. Como se as dores do cotidiano fossem incontáveis bolinhas de gude, num bolso abarrotado e o movimento do corpo, ritmado, fosse colocando tudo no lugar, harmoniosamente. 

A dança é viva. Faz a alma flutuar. E não há quem não se encante em ver o casal dançar. E não há quem não aprenda que a vida precisa de uma pausa: uma pausa para dançar. Mesmo que não se dance tão bem quanto eles. Mesmo que os pés estejam endurecidos. Mesmo que se dance só.

É preciso dançar sem medo e com esperança. Sabendo que a vida é mais que perfeita  quando se encontra alguém que sabe dançar... a mesma dança!

 

                                                   Dedicado ao casal Norma e Ademar

 
 
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quarta-feira, 18 de maio de 2016

O GAROTO QUE ASSUSTAVA POMBOS


                                             
                                                                                foto: Water
Não era um garoto mau. Tinha amigos, jogava futebol, amava os pais... Mas tinha uma coisa a mais: gostava de assustar pombos!

Corria enlouquecido em direção aos bichinhos até que largassem seus milhos e partissem em revoada. Depois, com o canto da boca, sorria. Lançando um olhar saborosamente mau...

Menino como ele, perguntei certo dia porque gostava tanto de assustar os pombos. Sem muito pensar ele respondeu: - Não sei!
E era sempre assim. Assustava os pombos na rua, nas praças, no mercado. Onde estivessem pousados. Sem saber por quê.

Vinte anos se passaram e aquele menino tornou-se um homem de sucesso. Gerente. Diretor. Dono da empresa. Soube que teve dois infartos e um AVC que lhe entortou definitivamente parte da boca. Mesmo assim prosseguiu com sua dura postura. Grande fortuna. Embora os pés rastejassem ligeiramente no chão...

Nossos destinos se cruzaram novamente no meu último emprego.
Era ele o dono da agência onde eu havia me empregado como redatora. Expectativa muito boa.

Na última reunião da semana, pude ficar frente a frente com o “chefe”. De ouvidos atentos e com a impaciência de um general, ele escutou as idéias. As minhas e de mais uns cinco funcionários da agência. Gente empenhada. De excelência. Não gostou de nenhuma! Olhou com displicência. Ar de aborrecimento...  

Num exato momento, virou-se enfurecido na cadeira e batendo com a mão na mesa ordenou à obediente platéia: - saiam daqui e só voltem com novas idéias! Depois sorriu com o canto da boca, lançando aquele olhar... aquele olhar, saborosamente mau.

Todos partiram, feito os pombos. Em revoada para suas salas. Menos eu... Dez pras três já estava em casa. No programa, um final de tarde inteirinho. A família, meus livros, um bom vinho... 

Amanhã será outro dia. Outras idéias? Talvez. Ou um outro emprego? Muito provável. Ainda não sei... Mas agora sei porque aquele garoto assustava pombos...
Eles sabiam voar!




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terça-feira, 5 de abril de 2016

A ALDEIA E A BOLA

                                                      
                                           
                                                                                                                Wikipédia
Não era um jogo qualquer de futebol. Eram vinte e dois índios jogando bola. E não jogavam mal. Até o apitador era índio. E apito de índio merece respeito!
Embora chamasse a atenção o contraste rústico-fashion-pop das meias e calções com marcas famosas, os rostos, no entanto, estampavam fortes cores, exaltando as rugas entre faixas de tinta de urucum. Além de um certo cheiro de cachaça no ar... 

Não era um jogo qualquer de futebol. Os índios jogavam bola!
Falavam em tupi-guarani. Xingavam e brigavam em tupi-guarani.
Confesso que foi uma cena um tanto inesperada para a minha primeira visita a uma aldeia indígena em Bertioga, litoral de São Paulo, a convite de um casal amigo que havia “adotado” um indiozinho.

Depois de passar pelo campo de futebol, onde a bola rolava em terra batida, um tortuoso e inóspito caminho veio a seguir. Sem flores. Apenas cercas, com pedágios clandestinos. E não adiantava oferecer espelhinho. Era cinco reais para passar. Ordem do Cacique!  E logo a frente, um colégio depreciado pelo tempo a espera de recursos.

No final da aldeia, pequenas ocas, de onde saiam fumaça e crianças nuas que cheiravam a fumaça... Nenhum sinal de pesca ou atividade qualquer. Os índios apenas descansam a espera de ajuda.
E jogam futebol adoidado! As mulheres fazem balaios pra vender na Rio-Santos. Vendem também helicônias vermelhas e amarelas para enfeitar os vasos dos turistas. Comprei um DVD com danças e cantos tribais para lembrar das velhas tradições...

Mas o futebol estava vivo. Firme e forte. Porque sábado na Aldeia é assim. Cheio de curumim. E as índias, encontram os maridos no final da partida.

O futebol é para todos. Cacique e indiozinho no mesmo bate bola. Pajé e as mulheres do Pajé na torcida tupi-guarani. É o futebol do Brasil. Do porre do indiozinho que veste Nike.
Do 7 a 1 na cabeça. E de muita cachaça pra esquecer...

Porque a bola, amigos, a bola é democrática.
A bola rola sem distinção. Sem preconceito. Sem raça. Sem cor.

A bola é redonda. A bola é a aldeia. A bola é o mundo. 

Vasto. Injusto. Inexplicável... e de repente,
GGGGGol da Alemanha! 
 
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quarta-feira, 30 de março de 2016

REUNIÃO URGENTE


                                  
Nunca havia presenciado uma cena parecida. Até hoje não sei se foi um desejo, um sonho ou uma rara experiência de EQM (experiência de quase morte). Mas estava ali, na minha frente, aquela mesa gigante repleta de personagens notáveis, alguns nem tanto, sentados, lado a lado, com semblantes sérios e preocupados. Reunião urgente. Em pauta: o Brasil!

De um lado da mesa eu podia ver os vultos de Niemeyer, Cazuza, Carlos Drummond, Ayrton Senna, Renato Russo, Paulo Francis, Don Helder, Médici  e o último a chegar, Carlos Alberto Torres. Do outro lado, Hebe Camargo, Chico Anísio, Volpi, Adib Jatene, Ulisses Guimarães, Ronald Golias, Araci de Almeida e um grupo enorme de motoboys recém chegados. O primeiro problema apontado foi a violência. Muitas soluções apareceram...

A colocação de milhares de anjos da guarda de plantão nas esquinas dos grandes centros foi sugerida. Mas o contingente seria imenso e o problema não era só urbano, disse Niemeyer, com uma vozinha tão baixa que não dava quase pra se ouvir. Jatene com seu jaleco branco, lá na ponta, disse que a saúde estava pior que a violência. Ulisses citou que mais grave era a corrupção. E Drummond concordou com os dois, dizendo que, com certeza, mais de uma pedra havia no caminho.

Cazuza então levantou e acusou a burguesia e suas piscinas cheias de ratos. Renato Russo colocou a culpa em Brasília e nos cavalos marinhos. E num canto isolado, Don Helder rezava pra que tudo acabasse bem.  

 A reunião começou a ficar chata mesmo quando Paulo Francis levou quarenta minutos para descrever o panorama político brasileiro. Foi quando Ayrton Senna pediu mais rapidez, enquanto Volpi rabiscava bandeirinhas e Hebe ria das piadas de Golias.

 Até Pedro Alvares Cabral, que não havia sido convidado, sentiu-se no direito de participar e sugeriu que os portugueses é que deveriam “de voltar cá nestas terras” e  resolver as questões, pois o que se vê hoje são problemas de criação.

Foi vaiado e retirado a tapas por Médici. Alguns minutos depois da briga, chegou Tim Maia que deveria ser o presidente da reunião, mas a pedido do "Capita"  foi substituído da posição, por conta de mais um atraso.

 A reunião rolava tensa. Nada se resolvia. Grupos se desentendiam. Os da direita faziam barulho e não davam soluções. Os da esquerda acusavam os da direita que atiravam papeizinhos, muito embora ninguém soubesse mais quem era esquerda e quem era direita. Os da ponta, menos conhecidos e os motoboys apenas tiravam selfies.

Quando a discussão atingiu seu grau máximo e os militares já tentavam tomar conta da situação, Araci de Almeida mostrou a que veio, batendo na mesa e pondo ordem na casa, gritou com a voz da boa malandragem:  -Dá pra gente ter mais educação?

Todos levantaram e aplaudiram, concordando finalmente com a solução do país.
Será que dá?


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quarta-feira, 9 de março de 2016

JOÃO DO BARRO, O ESPIRITO SANTO, AMÉM...


Meu irmão já havia me contado sobre a beleza rústica e singela das praias de Meaipe e das águas geladas de Guarapari. Fora isso, só a certeza de que Cachoeiro do Itapemirim era a cidade onde tinha nascido Roberto Carlos. Mas, visitar e conhecer o Espírito Santo foi bem mais que isso.

Mais do que as praias de castanheiras e da moqueca com bananas emborcadas em molho de tomate e sem dendê, como eles insistem em ressaltar, o ponto alto da viagem às terras capixabas foi, sem dúvida, o encontro  com o inesquecível homem que fazia peças e panelas de barro.

São vários os vendedores que ficam na beira da estrada. Mas decidimos parar no “João do Barro”. Nome sugestivo. Descemos.

Logo surgiu o homem rústico de chinelos de dedo e roupa encardida da cor do barro. Sorriu de maneira simpática e nos mostrou suas panelas ressaltando que  eram “as legítimas” e não as panelas das rendeiras, que racham com facilidade, afinal, os nordestinos como ele que haviam trazido a técnica para o local.

Diante do nosso interesse e da descoberta que um de nós era jornalista, o homem sugeriu que acompanhássemos a destruição de um dos fornos que já estava pronto para ser aberto, para ver como queimavam as panelas.

Curiosos e fascinados, fomos adentrando o fundo da fábrica artesanal e o cheiro forte de fumaça e carvão invadia nossas narinas, roupas e cabelos. 

Sob um calor absurdo, o homem com uma escada comum e pequena subiu no forno altamente aquecido retirando a tampa da fornalha com uma marreta. Depois, com outra martelada derrubou a parede lateral onde já se podiam ver as panelas pretinhas e amontoadas, soltando fumaça e calor. Era tudo muito simples para ele. A cada pancada no forno, as fagulhas se soltavam, passando próximas aos seus pés, naqueles chinelos de dedo sem proteção. Mas o João continuava falante, explicando o procedimento com orgulho, maestria e com sua macheza nordestina diante de nossos olhos estarrecidos.

Depois da exibição bruta e inacreditável de abrir fornos, o homem nos levou para outro canto da rústica fábrica artesanal. - "Agora vou mostrar como faço pra modelar..."

Foi aí, que de repente, aquele ser rude, mal vestido e cheirando a fumaça, sentou-se diante de um prato giratório e começou a delinear suavemente em um bloco informe de barro, com suas mãos grossas e calejadas, mas com a leveza de uma pluma e a delicadeza da Demi Moore no filme Ghost. Deu vida, ali em segundos, a um lindo pote com alças, com direito a um  risco com a unha do dedo mínimo, finalizando a parte que faltava na tampinha do pote.

Assim ficou gravada a cena na minha memória. O rústico e delicado. Unidos e ungidos. No homem que fazia potes... e o seu Espírito Santo, amém!     


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