A criançada se juntava debaixo da velha escadaria. Não havia lugar melhor para ouvir histórias de medo contadas em segredo pela tia Zilda.
O sapato da Maria era a nossa preferida. A luz na saleta, sempre fraquinha. Acesa, só a lâmpada da cozinha dando um tom amorcegado ao ambiente escuro e pálido.
Tia Zilda contava a história da pobre Maria,
empregada por uma mulher rica e de miserável coração. Era quase escrava em
sua mansão. Ganhava muitos insultos e pouco tostão.
Maria não desistia. Tirava dali o sustento para cuidar dos seus pais doentes. Um enredo triste demais se desenhava em nossas mentes. Uma megera impertinente, de verrugas peludas, cheirando a mofo e resmungando contra as paredes.
Certo dia, a cruel senhora foi enxotar um cãozinho que lhe pedia comida e carinho. Ao sair correndo
atrás do cão, atravessou a rua sem atenção e foi colhida por um
caminhão. Era horror e tragédia. A criançada vibrava com a ideia.
No enterro da mulher, a família agradeceu à Maria tamanha dedicação. - É justo que leve daqui uma recordação! Maria
lembrou da festa da família e que só tinha
um chinelo de dedos remendado nas tiras. Pegou de presente um fino sapato de salto alto e
levou para casa, colocando-o debaixo da escada.
Passados três dias, Maria dormia, quando ouviu
o som de passos se aproximando. Encolhida nos lençóis, tremeu todos os dentes já imaginando em prantos quem era. O fantasma da patroa queria de volta o que era dela!
Tia Zilda então mudava o tom da voz e tremulava feito fantasma, dizendo a frase que a gente tanto esperava... - Maria, me dá meu sapato! - Maria, me dá meu sapato! Maaariaaaa...
E um par de sapatos caia bem no meio da roda, jogado do
alto da escada. Tudo orquestrado. Era criança pulando pra tudo que é lado.
Todos previam o momento. O auge era soltar o grito
que vinha de dentro. A história se repetia. A gente sabia de cor, mas pedia e pedia... conta de novo, tia, a do sapato da Maria!
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