segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
JOELHOS...
terça-feira, 17 de janeiro de 2023
CHAMADA A COBRAR DE MULUNGU!
Aos vinte e dois anos de idade ela aterrissou direto de Mulungu,
cidadezinha de nove mil habitantes no interior da Paraiba, pra ser minha vizinha
em São Paulo. Foi na capital que acabou de estudar. Aprendeu confeitaria e fez muito sucesso, depois de um tempo de dureza e maus pedaços.
Zeza tinha um dialeto especial, o mulunguês, que
com o passar dos anos passei a me acostumar e quase entender. Ela barria com a bassoura. Fazia
chazinho pro figo desagordurá. E todo final de mês pusitava os cheques dos
clientes na conta. - Não é pusitá, Zeza. É depositar! Isso mesmo, despois eu pusitei.
Não tinha jeito. Fui me adaptando ao mulunguês. Difícil mesmo era entender quando ela falava ligeiro com os parentes. O mulunguês corria solto feito égua no sertão da sua Paraiba. Eu nada entendia e a Zeza se divertia. - Parece ingrêis, mas nóis se entende, dona Inês!
Zeza tinha o coração maior que o seu sotaque, sua
cidade. Eu adorava aquela autenticidade. E também dos seus repentes, trazendo sempre um chazinho de mulungu e docinhos de presente.
Quando nasceu seu primeiro neto, o caldo engrossou a língua de vez. Zeza ainda não tinha telefone e a família mulunguense queria
saber do rebento. Era Mulungu inteiro ligando pra minha casa todo o tempo. À cobrar,
querendo parabenizar. Tio Zinho. Creilson. Deudete. Jucinha. Jonatan.
Luzinete, tia Zerina e por aí seguia. Eu compreendia só metade das
frases e chamava a Zeza correndo... pega aqui que eu não entendo.
Foi na hora de dar o meu presente pro rebento que a Zeza se superou. Eu queria dar algo de valor pra mobiliar o quarto do bebê que com ela e a filha iriam morar. - Zeza, compre o que faltar! Ela voltou da empreitada feliz e arretada. - Comprou o presente pro menino? Oxê, disse com seu sotaque de carinho. Deu direitinho.
- Comprei a cômbida... e
o belcinho!
Hoje acordei com saudade do mulunguês, do chazinho e do bebê.
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* Mulungu é um município brasileiro do estado da Paraíba, localizado na Região Geográfica Imediata de Guarabira. A árvore de Mulungu dá nome a cidade. https://www.cidade-brasil.com.br/municipio-mulungu-pb.html
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terça-feira, 10 de janeiro de 2023
O SILÊNCIO DAS BORBOLETAS...
As duas entraram girando. Feito hélice. Eram branquinhas. Alegres. Duas borboletinhas que chegavam festivas no meu jardim. Passaram pelo araçá, o limoeiro, o flamboyant vermelho e ficaram ali um tempo, à borboletear.
Uma ia à frente. A outra, atrás. Trocavam sempre de lugar. Enamoradas... Devem ter se amado durante a madrugada! E no silêncio da manhã sem vento, só aquele alegre movimento despertou meu olhar.
Depois de algum tempo elas foram embora. Da mesma forma giratória. Beijar, quem sabe, outras flores e árvores, de manga, pitanga ou amoras... Felizes, as borboletinhas seguiram quietas e livres. A paisagem voltou ao normal. Nem o sibilar do vento se ouvia...
A noite caia de mansinho. A lua foi se chegando, devagarzinho. Vieram as estrelas, algumas nuvens pequenas e o silêncio imenso no céu continuou... Apenas o som de um avião cortou e rapidamente passou. No mais, era a paz desejada.
Mas que nada. Os sapos, sempre eles, quebraram o terno momento. Começou, então, o ruidoso lamento... Poxas e puxas, gritavam alto a coaxar. Acompanhados da cigarra estridente...
Os vizinhos também chegaram. De carro, com risos altos de feriado. Voltei pra casa, lembrando das borboletinhas felizes e quietinhas. Que não alardeiam seu amor, suas idas e vindas... Nem a lua, as estrelas e o universo em movimento. Eles não precisam!
Os sapos, sim, querem contar tudo. Pra todo mundo! Mas a felicidade plena, essa... não faz barulho!
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DÊ DE PRESENTE O COMBO COM OS DOIS LIVROS DE CRÔNICAS
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
O ÚLTIMO TOQUE...
Tarde de sol quente. A Rua da
Liberdade fervilhava feito um vespeiro. O recém- aposentado não esquentava como o tempo. Não estava preso à mais nada. Nem emprego, nem mulher ou
namorada. Mas alguma coisa ele ainda procurava.
Entrava e saia das lojinhas, subindo e descendo as ruas- artérias que alimentavam o coração da cidade. O centro comercial de tantas glórias, tinha uma espécie de circulação extracorpórea. Indo e vindo de ambulantes, pedestres, pedintes e suas histórias...
Primeiro pensou em comprar roupas e calçados. Desistiu no ato. Não precisava mais de sapatos. Nem de ternos, gravatas e nós enforcando o pescoço. Poderia viver de moletom e um tênis velho que durasse até o osso.
Não queria livros. Nem relíquias em vinil. Tinha tecnologia suficiente para baixar o que bem entendesse nas redes. Também não queria nada esportivo. Seu time em baixa. Barriga em baixa. Pressão, colesterol e triglicérides em alta. O melhor era correr. Para um médico assim que possível. Talvez, no ano que vem!
Queria se dar um presente. Entrou rapidamente numa lojinha de importados e comprou um despertador. O melhor e mais barulhento que havia. Pagou cem pratas e foi pra casa.
Na véspera do novo ano. Colocou-o para despertar as cinco em ponto. Compromissos não tinha. Nem peru para colocar no forno. Era o Reveillon do abandono.
Queria o prazer imensurável de acordar no velho horário de trabalho e interromper o alarme diário, malvado e intermitente que havia destruído seu labirinto e sua mente.
O alarme tocou. Esticou as mãos e deu o último toque. O certeiro e definitivo, naquele perverso torturador suíço.
Depois, tateando sonolento, mergulhou-o num copo d' água, virando-o em castigo contra a parede e extasiado de prazer...
foi dormir, finalmente vingado, numa rede.
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