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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A MÃE DA FORMIGA

                                                                                                  

Tem gente que é cascuda. Leva cada pancada da vida. Levanta, sacode a poeira e segue em frente, sem grandes danos. Não leva a culpa. Nem culpa ninguém. Assim lhe faz bem.
É bom gente assim. Que segue sem lamento, aprendendo a seu tempo. Muitas vezes, sem  comprometimento. Forjando seu jeito de suportar e viver.
Mas tem gente que é pura seda. Rasga fácil e desfaz-se em pedaços. Basta um peteleco da vida e a alma se contorce ferida. Um beijo mal dado e lá se vai o feriado, Uma palavra errada do amigo e a relação corre perigo. E quando a injustiça começa a rondar, o mundo quer desabar.  
O ser sensível. Que num hospital vive o drama de um paciente terminal. Aquele que sente e se incomoda. Vê desenho da Disney, enternece e  chora. E como é duro ser assim...
Dizem que é coisa de artista, poeta, gente que não sabe ganhar dinheiro. Só problemas existenciais. Sou assim desde pequena. Os sentimentos vêm gigantes. Muitas vezes, desproporcionais. Para o bem e para o mal. Mas deixam na alma um bom contorno final!  
Eu tinha uns cinco anos... sentada no chão da cozinha olhando uma fileira de formiguinhas que passavam perto. Como toda criança, impetuosa e muitas vezes cruel, espremi com o dedo a última formiga da turma. Queria tocar. Sentir seu cheiro. Experimentar o caos!
Meu pai, sem ter a noção do tecido frágil de que era feito meu coração, perguntou com ar sério... você matou a formiguinha? Sabia que a mamãe dela estava esperando ela chegar em casa? 
A frase cravou no meu peito feito um punhal. Foram dias de choro e tristeza. E a promessa de nunca mais matar uma formiga sequer. Nem as terríveis saúvas, nem as furadeiras.
Nenhuma mãe, mesmo inseto... merece essa pena!     



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6 comentários:

  1. Que lindo Ines! Não consegui para de ler ! Tocou meu coração. 😘

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  2. Respostas
    1. É mesmo, vizinha, é duro ser assim. Quando criança, também tive meu dia de crueldade extrema. Foi quando, sem imaginar as consequências, subi num açaizeiro e retirei da folhagem da palmeira um ninho com três passarinhos-bebês. Assustados, eles se agitaram e piaram forte, pedindo socorro. No momento em que descia segurando o meu ''troféu'', chegaram os pais dos trigêmeos, ''gritando'' feitos loucos ao meu redor. Não dei importância e pisei no solo levando o ninho para dentro de casa, colocando-o num lugar da varanda onde, achava eu, ninguém poderia ver. Digo, com toda sinceridade, que não havia maldade no meu coração. Na minha ingenuidade, eu só queria criar aquelas criaturinhas, dando-lhes grãos de milho e de arroz. E foi com muita tristeza que, quando acordei no dia seguinte, vi que todos tinham morrido. Desse dia em diante, nunca mais matei um ser vivo sequer, com exceção de baratas e pernilongos. Mas até hoje sinto remorso quando lembro dos trigêmeos que retirei dos pais e que poderiam ter voado livres por muito tempo, embelezando a natureza. Como perguntaria o teu pai, com ar sério: ''Você não sabia que os passarinhos-bebês estavam esperando os pais voltarem pra casa com o alimento que eles necessitavam para viver?"

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    2. Caro vizinho de oceano... Com certeza,assim como eu , na ingenuidade infantil, você não pensou nas consequências do seu ato! Pela ignorância, penso que estamos desculpados! Mas concordo com você.. baratas e pernilongos não fazem parte do meu plano de salvação!

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  3. Maravilhoso o tema, Inês! Crianças aprendem com seus próprios erros. Lamentam-se...choram...mas aprendem. Fica a lição!

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