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terça-feira, 2 de julho de 2019

DE CARROÇA, NA AUGUSTA?



Chuva fina. Cena comum nas noites frias de inverno na capital de São Paulo. Na esquina da Rua Augusta com a Paulista, eu estava só, à espera do trólebus que deslizava com seus suspensórios de borracha na vagarosa e extensa subida. Meus pensamentos desviavam dos carros, ignorando as buzinas enquanto um aperto estranho no meu peito paulistano eu sentia...

O sinal se fecha e tudo em mim vira um retumbante silêncio. Ouço apenas e  claramente, o tilintar dos cascos dos cavalos se aproximando. Mulata e Ferrugem! Os animais que puxavam a rústica carroça de meu avô, abarrotada de sacos de cereais para vender na feira. 

Na verdade, uma pequena feirinha, quem diria, que acontecia aos sábados, no final da Avenida Paulista, endereço nobre dos casarões e das últimas fazendas dos barões do café. O dia começava às três da manhã e junto com meu avô, ia um ajudante e um lampião para iluminar a escura e íngreme subida da rua.

Às vezes, o peso era tanto, que era preciso descer da carroça para poupar os pobres cavalos amigos. Ferrugem e Mulata trabalhavam duro, como meu avô. Ganhavam favos, afagos, gratidão...

Na hora singela da feira, os comerciantes transformavam a avenida em festa, com suas frases bem humoradas e risos largos. Já na Consolação, grandes árvores na mata virgem e densa, completavam o antigo cenário da década de quarenta. 

Meu avô ia gostar de ver os artistas de rua, as bandas de música e os ambulantes, agora aos domingos, devolvendo à avenida, a antiga alegria, a caminhada, o lazer...

O ônibus elétrico chega. Subo rapidamente, olhando pelo vidro de trás. E no lusco-fusco esbranquiçado e mágico, vejo o vulto da velha carroça, os cavalos e meu avô, com o lampião na mão...
Foi um breve sorriso e um carinhoso piscar de olhos. Depois, fez a curva fechada na primeira alameda e sumiu no meio da noite no meio do nada.

O tranco do trólebus me fez voltar. Outro tranco e tudo de volta ao normal.A chuva, o frio, os carros e as buzinas.... 
Menos meu coração, que continuou apertado, naquele galope ancestral.                                                      

                                                                                        
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Foto: Sãopauloinfoco
https://www.saopauloinfoco.com.br/rua-augusta/








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