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domingo, 9 de fevereiro de 2025

PLACA NA PAREDE, RAÍZES NA ALMA!



O nome está lá, gravado na placa.

Vila Flor. Pequena e antiga, com suas casinhas de pedra e suas ruas estreitas que parecem guardar coisas do passado. Foi ali que Henrique nasceu. Foi ali que ele cresceu, em meio aos campos verdes, sob um céu de Portugal, às vezes azul intenso, outras vezes cinza e melancólico. Vila Flor, com suas vinhas que serpenteiam as colinas e suas oliveiras centenárias, também umedecia a sua alma.

Maria Emília, porém, não nasceu ali. Veio de Vila Real, não muito distante, onde as montanhas do Douro molduram o horizonte e o vinho escorre como herança. Mas para Henrique, bastava saber que ela existia. O coração dele a escolheu, ainda que ela nunca tenha facilitado esse amor. Maria Emília tinha a força das pedras do Porto e a teimosia de quem queria trilhar seu próprio caminho.

E partiu. Deixou Portugal para trás e cruzou o oceano rumo ao Brasil, levando consigo um coração fechado e o desejo de construir sua vida sem olhar o passado. Henrique não ficou por lá muito tempo. Algo por dentro dizia que não poderia deixá-la escapar. Seria loucura trocar as ladeiras de Vila Flor pelas ruas quentes do Brasil?

Ele partiu. Atravessou o oceano por amor. E aqui encontrou Maria Emília já dona de uma venda, comerciante próspera e independente. Mas Henrique, insistente, lhe trouxe a mais linda semente! Da flor do amor, de Vila Flor!

Casaram-se e tiveram três filhos. Todos os dias, Henrique se sentava à porta da vendinha, a cadeira virada ao contrário, dedilhando seu bandolim. Espantava a clientela assim, com melodias que nem ele sabia de onde vinham, mas, aos poucos, amoleciam o coração de Emília. Para as crianças, contava histórias de cavalinhos alados criados na sua imaginação. Era um lusitano sonhador.

Construíram juntos uma história de trabalho duro, madrugadas sem descanso e um amor tão sólido quanto as paredes de Vila Flor.  Depois vieram os netos, e Henrique "Henriqueceu" de vez. Viveu para ver a família crescer, até que a memória começou a lhe escapar. Aquele que nunca esqueceu Maria Emília passou a esquecer pequenas coisas, depois maiores, até que o passado virou novamente neblina. Partiu cedo, aos sessenta e seis anos, deitado ao lado de seu único amor.

Hoje, Vila Flor continua lá, tombada pelo tempo, preservada como um quadro antigo. Seus habitantes ainda descem as ruas de pedra nos dias de festa, carregando tradições que resistem. E quando vi as imagens do cortejo, feito um triste carnaval, seguindo por um tambor ritmado, senti como se Henrique estivesse ali, descendo com eles ao lado.

Aquele amor que cruzou o oceano veio parar em mim. 

Tenho Vila Flor no sangue, tenho Vila Real no destino. Hoje, na parede da minha casa, há uma placa que leva aquele nome. 

Vila flor! Também seu é o meu lugar, Henrique.

Porque, de certa forma, sua viagem não terminou...


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