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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

TROMBA DE CALOR!


O Parque era um labirinto. Ao invés do musical de sereias cantantes, paramos num mini Zoológico com animais sonolentos e aborrecidos.

Era um espaço grande e todos, alimentados. O sol a pino e o calor escaldante deixavam os bichos mais lentos e entediados.
Os grandes, jogados por sobre as pedras, como o urso e o leão, tinham um ar de melancolia. Eu os observava enquanto apertava meus passos e meu coração naquele enjaulado dia.   

Avistei os flamingos, os macaquinhos e os nada pacatos suricatos. Muito alegres, um barato! Quem me encantou de fato foi a elefanta, ou aliá. Eu prefiro “elefanta”, o som do “anta” parece combinar com o movimento alongado da sua enorme tromba. Bem longa. De grande e boa milonga. À procura de água para encher a tromba e se refrescar.

A estrela oversize começou seu lento caminhar em nossa direção. Havia um fosso, mas não era distante e pudemos acompanhar o seu desfile exuberante. Uma massa grossa de fina graça que caminhava mansamente, desfilando suas centenas de quilos e pele enrugada. Balançava a tromba e a pênsil cauda. Parou em frente ao grupo e vaidosa, ajeitou-se para posar.

Cabeça enorme. Olhinhos pretos e miúdos. Virou para um lado e para o outro, moveu a tromba coçando delicadamente suas patas, esfregando a direita na esquerda, num movimento leve feito balé. Senti ali a poesia de Drummond, quando dizia se fantasiar em frágil elefante de papel crepom e sair às ruas, desmoronando todos os dias.

Meu coração de algodão também se desmanchou ao ver no olhar daqueles bichos o desalento e a solidão. Na elegante elefanta, uma tromba colossal de calor.

E veio de repente, no meio daquele mini zoológico escaldante, uma vontade nada poética e delirante de prender ali, ao invés dos bichos, os responsáveis pelo malefício.

Seguimos pelo Parque, mais perdidos do que antes, em direção às sereias cantantes.

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domingo, 9 de fevereiro de 2025

A PLACA DA VILA FLOR



O nome está na gravado.

A pequena e antiga Vila Flor conserva suas casinhas de pedra e ruas estreitas que parecem guardar o passado. Foi ali que Henrique nasceu. Em meio aos campos verdes, sob um céu azul intenso, outras vezes, cinza modorrento de Portugal. As vinhas de Vila Flor serpenteiam as colinas e as oliveiras centenárias escondem os segredos de muitos casais.

Maria Emília era de Vila Real, não muito distante, onde as montanhas do Douro molduram o horizonte e o vinho é agua corrente. 

Para Henrique a distância não existia. O coração dele escolheu Emília, ainda que ela nunca tenha facilitado esse amor. Ela trazia a dureza das pedras do Porto e a teimosia de quem queria trilhar o próprio caminho.

Partiu num domingo, no grande navio, cruzando o oceano rumo ao Brasil. Levou consigo o coração fechado, sem olhar o passado.

Henrique não se deu por vencido. Seu sexto sentido dizia que ela seria sua. Por amor ou loucura decidiu trocar as ladeiras pequenas de Vila Flor pelas esquinas de um enorme Brasil.

Encontrou  Maria Emília um ano depois, já dona de uma venda, comerciante próspera e independente. Henrique, insistente, lhe jogou a semente da flor do amor, que veio da Vila Flor!

Casaram-se e tiveram três filhos. Todos os dias, Henrique se sentava à porta da vendinha, a cadeira virada ao contrário, dedilhando seu bandolim. Espantava a clientela assim, com melodias que nem ele sabia de onde vinham, mas, aos poucos, amoleciam o coração de Emília. Para as crianças, contava histórias criadas na imaginação. Era um português sonhador.

Com trabalho duro e madrugadas sem descanso construíram juntos uma história sólida como as paredes de Vila Flor. Henrique teve netos e "Henriqueceu" com esse amor.  Até que a memória partiu sorrateira. E aquele que nunca esqueceu Maria Emília passou a esquecer dos seus dias e das memórias de uma vida inteira. 

Partiu cedo, num domingo, dormindo ao lado de seu único amor.

Hoje, Vila Flor está tombada, preservada, como um quadro antigo no museu. Seus habitantes ainda descem as ruas de pedra nos dias de festa, carregando tradições que resistem ao tempo. 

Quando vi as imagens do cortejo municipal, feito um triste carnaval marcado por um tambor ritmado, senti como se Henrique estivesse ali, descendo com eles, tocando seu bandolim desafinado.

Aquele amor que cruzou o oceano veio bater em mim. E corre nas minhas veias.

Na parede da minha casa, coloquei a placa que leva o nome: Vila flor. Também é seu o meu lugar, meu avô.

Porque, de certa forma, a sua viagem não terminou...


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