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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

TRÊS APITOS... E UM TALVEZ

Um cheiro leve de maresia e uma atmosfera úmida no ar. Algumas quadras à frente, o pier do pescador juntava moradores e turistas para a despedida dos navios e dos passageiros que partem mar adentro para breves ou demoradas temporadas de cruzeiro. O som do apito lomgo soa três vezes...

Quem disse que não é bom ficar a ver navios? Procurei o motivo da expressão. Uma crença lusitana de mil e quinhentos e cinquenta e poucos se espalhou com o desaparecimento do Rei Dom Sebastião. Fiéis teriam seguido o novo Messias até o alto de Santa Catarina em Lisboa, esperando a vinda do Rei e sua nau, mas ficaram eternamente a ver navios. Talvez venha daí. Pois não, pois sim!

Quando os navios passam em frente ao pier, os lenços brancos começam a se agitar ao vento em alegres acenos. Alguns tentam reconhecer ao longe seus parentes. Muitas vezes, nem sequer conhecem as pessoas que saem dos seus postos e das cabinas para serem saudadas nas áreas externas do navio. Não importa. Elas retribuem. A ideia da conexão humana é terna. Ter alguém à vista. Um amigo com sorriso. Um amor à espera... O som dos três apitos ecoa forte no ar da partida, embalando nossa alma entretida no rastro ronronoso. Quilha cortando as ondas devagar até que a curva da primeira montanha esconde o navio e o resto imenso do mar.

Uma moça passou correndo ao meu lado na calçada, ensimesmada, não viu o navio, nem o pier, nem aquela gente toda que acenava. Nem nada.

Talvez seja bom passar sem ver. Ando com excesso de adeus. Tenho perdido amigos meus. Sigo tremulando todos os dias lenços brancos e ouvindo ecos do apito de um navio que insiste em partir no entardecer. 

E eles são três... um nunca mais, um vou voltar ... e um talvez!

 

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Foto gentilmente cedida pela amiga Celia Loriggio, tirada da Ponta da Praia em Santos.

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