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quarta-feira, 20 de julho de 2022

A FLOR COM FRIO...



Os três irmãos mantinham os pijamas quentinhos por dentro da calça amafronhados. Camisa de manga longa debaixo de uma malha grossa. Gola alta até o pescoço e um gorro que cobria até a pontinha das orelhas. Só o nariz desencapado e as bochechas vermelhas realçavam a pele lisinha dos sorrisos alegres e gelados.

A caminhada pela fria trilha de Campos começava. As crianças e as flores superavam o frio em diferentes arrepios. Cada um do seu jeito, metabolismo e sentimento. Na mata, pétalas de flores vidradas por uma película de água condensada desenhavam um cenário de quase neve. Ares europeus. Uma flor amarela se destacava gelificada entre elas. As flores deviam estar acostumadas. As crianças, não.

No caminho da fria estrada, árvores de pera d’água. Todas duras. Quase deixavam na polpa os dentinhos de leite encravados. Mais abaixo, uma paisagem de verde queimado e mato orvalhado.

O passeio deu energia às crianças. Alugaram bicicletas. Alegres no caminho plano. Na subida das ladeiras vinha o desânimo. Cada um carregava suas rodas e mochilas pesadas nas costas. O irmão mais velho vibrava a cada aragem mais fria. Sua alma invernada sorria. Foi feito para o frio.

Nem mesmo ao meio dia a coisa esquentou. Uma chuvinha veio. O frio aumentou um grau e meio. E o vapor mais quente se via saindo das bocas falantes.

O irmão do meio lembrou do café quentinho. Da casa e da lareira. Já tinha valido a pena. Enquanto o mais velho se deleitava e sorria, como um pinguim feliz na Oceania.

Eu era a florzinha friorenta que sofria. No caminho de volta pelo campo florido um radar de sentimentos me conduzia. Guiada por um perfume imaginário atravessei o mato alto que delicadamente me prendia com seus galhinhos secos e magros. Avistei a flor amarela. Abaixei gentilmente até ela. Assoprei o hálito quente nas minhas mãos e rodeei suas pétalas lisinhas. Aquelas que quase congelaram naquela manhã fria. 

As florezinhas e as meninas preferem o calor. Falei, segurando a mão quente dos irmãos como quem agarra um cobertor. Era a minha alma congelada pedindo para voltar pra casa...


 

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