Páginas

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

DESARRUMANDO A CASA...

Derrubei dois livros abertos suavemente sobre o sofá da sala. Joguei a manta sem muitos cuidados. Juntei três cadeiras e espalhei objetos em desordem na mesinha do lado. Pronto. O toque de liberdade, sem perder o conforto.

No escritório, afastei a poltrona abrindo as cortinas da janela convidando o sol a chegar mais perto. Deixei o notebook aberto.

Adentrei o quarto, amontoei os cobertores criando e redesenhando macias montanhas. Empilhei seis travesseiros. Como se as crianças tivessem brincado por lá o dia inteiro. Aventura pura e sem censura.

Na cozinha comecei o recheio do bolo caseiro. Selecionei os ovos, o leite e a manteiga, deixando uma nuvem de farinha salpicada em neve sobre a mesa.

Desci do armário quatro taças de vinho, as preferidas dos amigos. Completei o cenário, abrindo todos os vidros da varanda pra que a brisa balançasse alvoroçando as plantas. Queria o movimento. Alegria, mais que vento.

Depois, liguei o rádio cantando alto um velho e conhecido refrão. Queria o coro, não um solo de violão.

Pronto. Sinais de vida alterando o silêncio das coisas. Movendo as roupas, empilhando as louças.

Enchendo minha alma de presenças e esperanças.      A casa... delicadamente desarrumada.

 

*****
JÁ SE INSCREVEU NO CANAL INESPLICANDO NO YOUTUBE?    CORRE LÁ. Crônicas faladas! Um novo jeito de sentir, ver e ouvir as palavras.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

ATENDE. É O PREFEITO!

 
                    

Passei inúmeras temporadas de férias na cidade de Itanhaém quando pequena. Meu tio  tinha uma linda casinha com rampa de pedrinhas arredondadas, na rua que dava na praia dos pescadores. Da cidade em si, lembro pouca coisa.

Recordo a antiga ponte de madeira. A cama de Anchieta. A estátua de Mulheres de areia,  em sua primeiríssima versão, com Eva Vilma de Ruth e Raquel, e Guarnieri como Tonho da Lua. Além de alguns personagens da rua.

Lembro bem é do Seo Alcides. Que eu pensava ser o prefeito da cidade. 

Na verdade, ele dirigia o caminhão da coleta de lixo, mas meu tio insistia em chamá-lo de “prefeito”. Grande sujeito. E tinha a panca e a autoridade do fictício cargo. 

Era moreno, cara redonda e um dos olhos semi esvaziado. Um homem forte e calado que metia medo na garotada. Morava na rua em frente à casa do  meu tio e tinha uma esposa, cujo nome, minha memória seletiva, deixou escapar.

Passei muitas tardes sentada na varanda da casa do Seo Alcides, que tinha um carinho especial por mim, a menor de todas as crianças que passavam férias em Itanhaém. Éramos amigos. O prefeito e eu! 

Depois de anos, eu já adolescente, meu tio contou uma história que surpreendeu.

No meio de uma importante reunião da Fiesp, repleta de diretores e executivos da indústria, meu tio estava sendo pressionado pela queda das vendas. Era calorosa a discussão sobre mercado e crise financeira, quando a nervosa secretária adentrou a sala com o velho telefone de fio na mão:  -Sei que não devia interromper, mas acho que o Sr. Diretor vai querer atender. Ele disse que é urgente! É o prefeito de Itanhaém...

Meu tio, rápido e estratégico, tirou o telefone das mãos da secretária e atendeu com ares de poder: - O que é que há? Diga lá, prefeito! Pode falar...

Era o Seo Alcides, o motorista do caminhão coletor, parando a reunião da Fiesp!


*                  *                   *                


VEJA CRÔNICAS FALADAS INESPLICANDO NO YOUTUBE
350 K DE VIEWS

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O BONDE E A ESPERANÇA...

A Rua João Pessoa é uma linha reta que vai dar no Porto de Santos, cruzando o centro antigo da Cidade. Zona das bocas e da antiga boemia. Dos famosos Love Story e Fugitivo. Região do cais. Notívago caos. 

De dia, o comércio já não cresce. À noite, quando escurece, as mulheres aparecem feito mariposas. E se espalham pelas casas noturnas, salteando alegres entre clientes e copos de cerveja. Som de forró e música sertaneja. 

São muitas. Algumas, atrevidas. Outras simpáticas e coloridas. Expostas! Com pernas à mostra. Porém, mais discretas que os rapazes da General. Com saltos quinze e meias arrastão. De humor ácido e escrachado. Vozes finas e físicos avantajados. 

Conheci alguns desses personagens na saída do trabalho, no lusco-fusco confuso  das sete da noite. Todo cuidado é pouco no velho centro da cidade. Nessa hora tudo se mistura. Trabalhador e meliante. Policial, vendedores, ambulantes. E as mulheres da noite surgem dos casulos ocultos da avenida. Borboletas esvoaçantes. 

O Centro histórico fervilha. Tem cheiro de gasolina e maresia. É a zona do Porto. Beira do cais, onde tudo começa e termina. Rota de muitas vertentes. Entrada dos esperançosos. Saída dos descontentes. 

Foi no meio de toda essa gente que eu vi uma moça na esquina. Cara de menina. Corpo de adolescente. O que fazia? O que tinha em mente? Queria dinheiro ou presente? Passei com meu saquinho de pipoca doce e quente que ela me pediu com o seu olhar. Queria provar. Como quem quisesse, talvez, fugir e brincar.

Estendi a mão e ofereci a pipoca. Ela pegou e sorriu. Guardei na lembrança. O bonde passou. Ela subiu. Segui com o meu saquinho de pipocas quase vazio. Mas no fundo, lá no fundo, achei um grãozinho ainda puro de esperança. Seu sorriso era de criança. 

 

****************

VEM NOVIDADE POR ÁI...

O UNIVERSO INESPLICANDO VAI FICAR MAIOR!

AGUARDE!