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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

DÁ PRA CONSERTAR?


Tio Carlos era contador de piadas. E tinha uma profissão que desapareceu. Consertava máquinas de escrever! 

Fez isso durante décadas, numa loja do centro velho da cidade... Com o passar dos anos, seus clientes foram diminuindo. Alguns, desaparecendo. Até que zeraram. Lembro da sua alegria, quando levei, nos anos noventa, minha Olivetti Lettera 80 pra ele consertar. Queria a peça funcionando. Uma relíquia em cima da minha mesa lateral. Lembrança dos primeiros textos poéticos, imitando escrita manual. 

Depois disso, não vi mais o velho Carlos. Sua esposa adoeceu e ele aproveitou a idade avançada para se aposentar do ofício. Os amigos da delegacia ao lado devem ter sentido falta das suas piadas, do sorriso simpático e do sotaque madeirense... 

Lembrei dele esta semana, quando vi o senhorzinho que conserta guarda-chuvas perto da minha casa... Sempre sentado no seu banquinho, ao lado da velha Kombi cor creme mal emassada nas portas e laterais. Podia chover ou fazer sol que lá estava ele, às voltas com suas varetas. Soube que a quitanda em frente era da família. Mas, depois que ela fechou, nunca mais havia visto por lá o tal senhor. Pensei em depressão. Lembrei do Tio Carlos e seus dias de inatividade. Sozinho em casa, sem fazer nada. Nem trabalho. Nem amigos. Nem piadas...  

Semana passada fiquei feliz ao rever a Kombi e o velho consertador. Ele voltou! E estava sentado com um guarda-chuva preto na mão. Começou a chover. Apertei o meu passo e tentando alegrá-lo perguntei com sorriso largo... Tenho um guarda-sol em casa sem uma das varetas. O senhor pode consertar pra mim?  

Ele me olhou estranhamente e indignado com a minha total incoerência disparou: hoje, não! Não está vendo que está chovendo? Hoje conserto guarda chuva. Se amanhã fizer sol, a senhora traz o guarda-sol...  
Sai, com os pingos da água fria molhando meus ombros... 



*                         *                              *                          *



COMPARTILHO A MINHA ALEGRIA... E O SUCESSO DO LANÇAMENTO DA

 ANTOLOGIA " ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU" DA CHIADO EDITORA, 

 NA LIVRARIA CULTURA EM SÃO PAULO !  

OBRIGADA A TODOS QUE COMPARECERAM... FOTOS NO @INESPLICANDO




LEIA AGORA , O MEU POEMA SELECIONADO,


LUA DOIDA 



A lua anda.
Branda. No meio da noite. No fim da rua.
Ah, a lua...
Surge na janela. Imensa e amarela. Linda donzela.
Às vezes, é filete minguante. Feito a vida. Foice cortante.

São tantas, as luas...
Lua dos amantes. Das cartas de tarô...
Lua pequena e distante. Lua vermelha de sangue.
Lua cheia. Dos homens. E do lobisomem.

Lua dos nevoeiros. Do sertão. Dos seresteiros. 
Lua do brilho prateado no mar...
Lua de Ushuaia. Lua de Madagascar.
Lua dos loucos. Como ela, a girar...

É doida a lua, sim! Lua que bóia e flutua. 
Dona de estranho poder. 
Acorda os poetas. Faz criança adormecer...

E depois de tanta aventura, a lua ainda anda,
nas noites escuras... 
Completamente nua!

É doida a lua.   


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