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quarta-feira, 24 de julho de 2019

VIAJA... QUE MELHORA!


A fila de idosos era imensa na loja de departamentos. Só mulheres. Ruidosas e em pé, na longa e lenta fileira. Os homens idosos, na certa, deveriam estar em filas de bancos, INSS, lotéricas... Eu estava a dois passos delas e um pouco mais distante, na faixa etária. Apoiada em um pequeno balcão à espera da gerente que demorava horas. Foi inevitável ouvir a conversa de duas senhoras... 

A primeira, mais arqueada e entristecida. A outra, falante e jovial. Ambas davam sugestões de como passar o tempo. Sem solidão, nem baixo astral. - Eu pago uma loja a cada semana! Uma numa esquina. Outra, a três quarteirões do Centro. Eu me divirto desse jeito. - Eu, não posso andar muito tempo, disse a mais tristonha. 

Olha só minha perna, a idosa mais risonha falou mostrando no meio da fila e sem receio, uma cicatriz no joelho. Não me importo não. Não paro em casa. Em vez de remédio, eu tomo é ônibus! Vivo viajando. Ontem fui até Peruíbe e de graça. Chego lá e dou uma volta na praça. Tomo um cafezinho. Quatro Reais, no máximo! Mas tem que fazer uma coisa.... e deu o roteiro completo... saio do Centro e vou até Tude Bastos. De lá, tomo o ônibus pra Peruíbe. Não pago passagem. Não é vantagem? 

- É muito longe, a outra replicou. - E o que é que tem? O ônibus leva, meu bem. A gente vai de carona, sentadinha na poltrona. Dando uma larga risada... amanhã vou até Mongaguá. Cada dia um lugar. E já caminhando para o caixa, aconselhou a alegre senhora. -Aprende agora: tá com dor? Viaja, que melhora! 

A fila andou. Sai da loja. Pensando nas mulheres, que em maioria vivem mais que os seus parceiros... Geralmente sós e sem muito dinheiro. Acho que farei como a segunda senhora. Tomarei mais ônibus que remédios. Visitarei lugares e conversarei com todos nas ruas e praças. 

Até a viagem final, aquela que não tem volta. Mas como acho que ainda tenho um certo tempo. Vou conhecer o litoral inteiro... e de graça!


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terça-feira, 2 de julho de 2019

DE CARROÇA, NA AUGUSTA



Chuva fina. Cena comum nas noites frias. Na esquina da Augusta com a Paulista eu estava sozinha à espera do trólebus que deslizava com seus suspensórios de borracha na  extensa e vagarosa subida. Íngreme, feito a vida.
Meus pensamentos desviavam dos carros, ignorando as buzinas, enquanto eu um aperto estranho invadia meu peito jovem paulistano.

O sinal se fecha e então, tudo em mim vira um grande e retumbante silêncio. Ouço apenas e  claramente o tilintar dos cascos dos cavalos se aproximando. Mulata e Ferrugem! Os animais que puxavam a rústica carroça de meu avô, abarrotada de sacos de cereais para vender na feira. A feira livre da Paulista.

Na verdade, era uma feirinha que acontecia aos sábados, no final da Avenida, endereço nobre dos casarões e das últimas fazendas dos barões do café. O dia começava às três da manhã e junto com meu avô, ia um ajudante e um lampião para iluminar a escura e íngreme subida da rua.

Às vezes, o peso era tanto, que eles desciam da carroça para poupar os cavalos amigos. Ferrugem e Mulata trabalhavam duro, como meu avô. Ganhavam favos e afagos. Sentiam na pele a dor e a gratidão.

Na hora singela do pregão da feira, os comerciantes transformavam a avenida em festa, com suas frases bem humoradas e sorrisos largos. Já na Consolação, grandes árvores na mata virgem e densa completavam o cenário antigo da década de quarenta. 

Meu avô ia gostar de ver os artistas de rua, as bandas de música e os ambulantes, agora aos domingos, devolvendo à avenida Paulista, a antiga alegria, a caminhada, o lazer.

O ônibus elétrico chega. Subo rapidamente, olhando pelo vidro de trás. E num lusco-fusco esbranquiçado e mágico, vejo o vulto da velha carroça, os cavalos e meu avô, com o lampião na mão. 
Deu um breve sorriso e um carinhoso piscar de olhos. Depois, fez a curva fechada na primeira alameda e sumiu no meio da noite, no meio do nada.

O tranco do trólebus me fez trepidar. Outro tranco e tudo voltou ao normal. A chuva, o frio, os carros e as buzinas.... 

Menos meu coração, que continuou apertado, naquele galope ancestral.                                                      

                                                                                        
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Foto: Sãopauloinfoco
https://www.saopauloinfoco.com.br/rua-augusta/