************************
OBRIGADA PELA VISITA!
Ontem foi Natal. Hoje é verão. E de repente pulamos o carnaval, embora mal tenhamos tirado a areia dos biquínis e o bocado que restou de sal.
Não dá tempo de guardar o samba das escolas e o outono chega, derrubando folhas e algumas promessas.
Logo, férias de julho, crianças correndo e eu ainda procurando a
tampa do Tupperware perdida no Ano-Novo. Depois vem a primavera, com flores que
mal se abrem antes de murchar, e num instante, é Natal outra vez.
O que aconteceu com o tempo? Perdeu o freio? Ou será que o mundo virou um toca-discos com aquela borracha laceada, onde a agulha dança sem controle, pulando faixas e nos deixando tontos?
Antes, as tardes eram compridas como as saias de nossas
avós. Agora, são bermudas curtas, calças cortadas sem muita noção.
A medicina se gaba de nos dar mais anos de vida. Muitos de nós chegarão aos cem, brincando. Que adianta, se os dias saltitam e disparam à nossa frente? Parece ou estão mesmo cada vez mais curtos? Escandalosamente curtos. E rápidos.
Querem que vivamos mais, mas nos tiraram o luxo de viver devagar.
Não há mais tempo
para tardes preguiçosas, para fazer um bolo no forno, para olhar a vida passar
sem pressa, feito um barquinho deslizando no rio de Nova Odessa. O tempo agora
é o frisson de um mar revolto em Ibiza e nós, náufragos, riscamos aflitos os dias no calendário virtual acelerado.
Houve tardes em que o sol demorava a se pôr, e nós, crianças, acreditávamos que o amanhã estava tão longe quanto a lua. Hoje, estamos sextando em menos de sete dias. Bobeou é sexta de novo.
Corremos para viver mais e nessa pressa, esquecemos de viver a paz.
Talvez seja hora de parar, desligar o motor, o celular e ouvir o silêncio. Quem sabe o tempo volte a ser nosso aliado.
Vamos voltar o whatsapp à velocidade normal de uma voz humana e monótona, por que não? E o nosso velho toca-discos, com sua borracha laceada, talvez toque a vida em sua melodia original...
sem pressa de chegar ao fim.
Crônica feita em 17 minutos e 42 segundos. De repente, passou.
******
Alguns itens nas receitas vão se perdendo no tempo, aqui e acolá. Outros ingredientes são incorporados em certo momento e se perpetuam no lugar.
Eu continuo fazendo as mesmas rabanadas
portuguesas que minha mãe fazia nas tardes quentes próximas do Natal. Separo as fatias grossas de pão velho, o leite açucarado num prato raso e os ovos batidos na velha tigela. Depois frito em óleo quente, salpicando levemente
açúcar e canela. Faço assim há décadas. De olhos vendados. Reproduzindo a velha
cena, de um doce passado materno.
Foi uma surpresa provar na casa de uma portuguesa autêntica uma rabanada diferente, oferecida gentilmente para todos à mesa. Mais dura e com o pão escurinho, por conta de um creme com vinho.
Eu que nunca usei
vinho! Minha mãe também não. Será que a vovó subverteu a receita e não nos
contou?
A origem das rabanadas aguçou minha curiosidade junto com minhas papilas salivadas e fui pesquisar as primeiras rodelas servidas nas ceias de Natal. Seriam minhas rabanadas réplicas simples e abrasileiradas?
A origem é mesmo europeia. E muito antiga. As entregas? Talvez com charretes, em meados do século dezessete. Foi
criada para aproveitar pães velhos e amanhecidos e se tornou alimento sagrado no
Natal por representar para os católicos, o corpo de Cristo. Alguns dizem que a
origem é francesa e não portuguesa. Aposto nos lusitanos.
"Fui aos risos" ao saber que lá são chamadas de fatias douradas ou fatias paridas. Pode-se usar cacetes ou bengalas amanhecidas. E nas receitas portuguesas mais sofisticadas, usa-se o vinho. Achei o danadinho! Acho que a vovó usava e a mamãe cancelou sem dizer nada.
Seja qual for a receita original, sempre respinga na gente um ingrediente ancestral, além do pingo de óleo quente no braço, fatal.
É a lembrança das tardes doces e quentes. O meu coração, embebido em leite, respinga no peito uma saudade de dar dó.
Rabanada. É o açúcar da mãe. E o sabor da vovó!
******************
AINDA NÃO TEM O KIT INESPLICANDO COM O LIVRO DE CRÔNICAS
MAIS A CANECA PERSONALIZADA?
VEJA NO INSTAGRAM E FACEBOOK COMO CONCORRER!
Caro anjo, irmão.
Eu prometi que não seria triste. Uma carta simples. Sem pieguices. Acabo de olhar sua foto de infância. Você abraça duas crianças. O primo e o irmão.
Você abraçava o mundo. Nosso porto seguro. Ainda me protege nessas bandas angelicais onde andas. Talvez, campos de
lavanda? Casa entre nuvens? Atmosferas que não faço ideia. Continuo com meus
pés aqui na Terra. Mas ouço daqui, o bater do seu coração.
Olho suas orelhas. Eram
de abano ou me engano? Com a idade melhorou. O nariz é que se curvou. Rinite alérgica.
Você pingava duas gotas de remédio em cada narina. O lenço dobrado no bolso de trás era Presidente!
A tia Zilda dava no Natal, numa caixinha com fita, de presente.
Eu prometi que não
seria triste. Só levezas, lembranças banais, sem as partes que doem mais.
Toquei ontem o disco do
James Taylor que você comprou com o seu primeiro salário. Capa branca. Ouvi por inteiro. Depois
você deu o dos Beatles. Hard day's night! Você cantava alto demais. Às vezes, imito
sua voz e desafino. Você não seria um bom cantor, mas batia um bolão, admito.
O uniforme do
Paulistânia ficou comigo. Aquele verde e branco com meião encardido. Não lavo
de jeito algum. Ficou com o formato do seu pé. O direito, torto de fazer gols.
Você descrevia o lance por inteiro. Talvez fosse um bom narrador.
E aquela minha foto de pequena que você levava na carteira, com rabinho de cavalo e um pintinho nas mãos, eu perdi. Ouvi um pio de tristeza aí de cima? Ou foi cisma? Prometi que não seria triste. Sem pieguices.
Você viu meus livros
publicados? Dois só de crônicas como a mamãe e você gostavam. Em breve vou pro terceiro. Se der, mando um exemplar por um pombo ou anjo mensageiro.
O que está ruim mesmo
é o mundo que você, sem desejar, nos deixou. Vírus, política, intolerância e guerra,
em proporções estratosféricas. O ser humano vendo o mundo acabar e postando memes
no celular. O que são memes? Não vale a pena explicar...
Eu prometi que não seria triste. Vou terminar a carta. Ou por aí tem email? Sei que essa foto sua, no meio da tarde... no campinho da rua... me atropelou de um jeito.
Qualquer hora lhe vejo no meio das estrelas
e lhe sopro um beijo!
* * *