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domingo, 23 de novembro de 2025

AS VELHAS BOLINHAS AZUIS...


Todo ano é igual. Nunca sei ao certo o dia de montar minha árvore de Natal. Vinte de novembro? Um mês antes? Primeiro de dezembro? 

Ainda bem que alguém estabeleceu o dia seis de janeiro para o seu desmonte. Aí é moleza. Sem incertezas. Sem muito pensar.  Quanto às bolinhas velhas dos anos que passaram, para mim continuam sendo um dilema. Não consigo me desvencilhar.

Não sou de acumular coisas. Guardar papeizinhos, caixinhas, vidrinhos e coisinhas materiais. Para ser sincera, nem documentos importantes eu guardo. Muitas vezes, somem e nem dão sinal. Mas com relação às bolinhas de Natal, bate uma coisa, sei lá, sentimental. 

Tenho seis ou sete bolinhas azuis muito descoradas. Desbotadas. Feias de fato. Mas que não consigo desprezar. Todo ano é o mesmo movimento. Armo a árvore. Compro bolinhas novas. Modernosas. Com glitter. Purpurina. Laços de fita. Mas na hora de jogar fora as azuizinhas... Velhas e desbotadinhas. Vem aquele aperto.O coração encolhe, vira bolinha dentro do peito. E me rendo às recordações.

Estiveram em tantos Natais com a gente. Ouviram canções em coros estridentes. Viram nossos olhos brilhando a cada presente. E à meia noite, os abraços mais quentes. Como posso jogar fora por estarem velhinhas e desbotadas? Que desalmada!

Um ano até tentei. Coloquei no cesto da lixeira. Mas logo resgatei. Que loucura! Jamais desta maneira.Vou dar para minha mãe. Ela enxerga pouco, quase nada. Não iria se importar com as bolinhas desbotadas. Que nada! Rejeitou de cara. Oras, filha. São tão baratinhas. Troca essas bolinhas! 

E lá trouxe eu de volta, as bolinhas feinhas e azuizinhas para casa. Este ano, pensei em não colocar na árvore e deixá-las na caixinha. Mas é discriminar do mesmo jeito.

O meu dilema continua. E antes que eu tenha que fazer muita terapia... 
Alguém quer ficar com as minhas bolinhas?


*                                   *                                                                          

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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

NOSSA QUERIDA TRALHA


Todo mundo tem uma roupinha... 
Que não dá, nem joga fora. Aquela que é a nossa cara. E se não pegasse tão mal, a gente usava todo dia. Toda hora. Aquela roupa amiga e usada, às vezes amarrotada, que acomoda tão bem a gente.
É peça já formatada. Amaciada. Que nos aconchega e traduz. Por fora e por dentro. Num dueto mais que perfeito! 
Nem sempre é a mais cara. Na maioria das vezes, é aquela velhinha que encaixa certinha no corpo e na alma.
Tive roupas que marcaram etapas da minha vida. De criança, era uma calça vermelha que eu usava todo santo domingo. Ninguém mais aguentava. Acabou sumindo. Na juventude, uma calça jeans desbotada com bolsos coloridos, que combinava com o estilo folk e com meu violão, sempre comigo.
Hoje, uma calça branca meio solta, meio folgada, me representa. Já foi nova. Agora, clássica somente! Uso exageradamente. Já não ligo para o que possam pensar. Chega uma idade em que não precisamos mais nos explicar. Podemos usar. Abusar. Não há porque se preocupar.  
E  as roupas marcam as pessoas. A gravatinha do Jô. Os terninhos da Princesa. Os chapéus da rainha. As golas do Elvis... E para mim, as roupas mais velhinhas é que são inesquecíveis. 
Quando passei a dividir os espaços, os sonhos e a minha vida com alguém, tinha uma camiseta velha, tamanho gigante que a gente disputava. 
Ótima pra dormir, nela cabiam pernas e braços. Ousados. Unidos. Espalhados. Além de todos os sonhos de um casal enamorado. Era branca e vinha escrito “A tralha”. Quem achasse primeiro, pegava e ia dormir. Vingado e feliz, vencedor da batalha.
Que roupa boa era aquela. Uma camiseta velha! A nossa deliciosa...  tralha.

 *                        *                       *                                            


segunda-feira, 17 de novembro de 2025

CARTA AO MEU IRMÃO...

Caro anjo, irmão.                           

Eu prometi que não seria triste. Uma carta simples. Sem pieguices. Acabo de olhar sua foto de infância. Você abraça duas crianças. O primo e o irmão. Você abraçava o mundo. Nosso porto seguro. Ainda me protege nessas bandas angelicais onde andas. Talvez, campos de lavanda? Casa entre nuvens? Atmosferas que não faço ideia. Continuo com meus pés aqui na Terra. Mas ouço daqui, o bater do seu coração.

Olho suas orelhas. Eram de abano ou me engano? Com a idade melhorou. O nariz é que se curvou. Rinite alérgica. Você pingava duas gotas de remédio em cada narina. O lenço dobrado no bolso de trás era Presidente! A tia Zilda dava no Natal, numa caixinha com fita, de presente.  

Eu prometi que não seria triste. Só levezas, lembranças banais, sem as partes que doem mais.

Toquei ontem o disco do James Taylor que você comprou com o seu primeiro salário. Capa branca. Ouvi por inteiro. Depois você deu o dos Beatles. Hard day's night! Você cantava alto demais. Às vezes, imito sua voz e desafino. Você não seria um bom cantor, mas batia um bolão, admito.

O uniforme do Paulistânia ficou comigo. Aquele verde e branco com meião encardido. Não lavo de jeito algum. Ficou com o formato do seu pé. O direito, torto de fazer gols. Você descrevia o lance por inteiro. Talvez fosse um bom narrador.

E aquela minha foto de pequena que você levava na carteira, com rabinho de cavalo e um pintinho nas mãos, eu perdi. Ouvi um pio de tristeza aí de cima? Ou foi cisma? Prometi que não seria triste. Sem pieguices.

Você viu meus livros publicados? Dois só de crônicas como a mamãe e você gostavam. Em breve vou pro terceiro. Se der, mando um exemplar por um pombo ou anjo mensageiro.

O que está ruim mesmo é o mundo que você, sem desejar, nos deixou. Vírus, política, intolerância e guerra, em proporções estratosféricas. O ser humano vendo o mundo acabar e postando memes no celular. O que são memes? Não vale a pena explicar...

Eu prometi que não seria triste. Vou terminar a carta. Ou por aí tem email? Sei que essa foto sua, no meio da tarde  no campinho da rua  me atropelou de um jeito... 

Qualquer hora lhe vejo.... no meio das estrelas e lhe sopro um beijo!

 

 *                         *                            *

                       

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terça-feira, 28 de outubro de 2025

O FANTASMA DO PIANO



Eu não imaginava que a nascente do Rio Tietê ficasse na cidade de Salesópolis. Muito menos que ele era pequeno e limpo, até ir ganhando volume e sujeira, à medida que vai adentrando a grande São Paulo. 

Também não imaginava que meu irmão, médico formado, e com grande talento para cuidar não só de gente, como também de patos, marrecos e faisões, iria comprar terras no bairro de Remédios, vilarejo próximo a Salesópolis. 

E era uma aventura chegar lá. Duas ladeiras saiam da estrada de asfalto e iam dar na pracinha com uma pequena igreja e mercearias de balcões antigos. Depois, três quilômetros de terra batida, com direito a capelinhas, santos sem cabeça e mata-burros. Clima de interior. 

A casa foi erguida em poucos meses e chegou, enfim, o dia da visita da família. Logo na entrada, um pergolado com primaveras vermelhas e uma placa de boas vindas: Sítio do Zeca Pireba!  Ninguém sabia quem era Zeca Pireba. Ninguém perguntou. 

Mais à frente, a casa, sorridente, com janelas e portas pintadas de laranja e amarelo. Na cozinha, panelas de cobre penduradas nas paredes. E na sala, um velho piano, com a foto dos parentes que se foram. Ainda bem que não estavam de sobrecasaca, o que dava um aspecto carinhoso e menos soturno. 

E como se dorme cedo no sítio! Acorda-se cedo. Dorme–se cedo. E quando deu nove horas, depois da janta, todos foram para seus quartos. Adultos em camas e beliches. As crianças amontoadas em colchonetes pelo chão. E se de dia a natureza nos encanta e alegra, à noite, ela nos intimida, desentocando medos e mistérios. 

E foi perto das onze da noite que se ouviu, nitidamente, o som do piano vindo da sala vazia. Notas graves e agudas. Descompassadas. Dava para ouvir em todos os aposentos. 

Mas logo veio o silêncio e ninguém disse nada. Absolutamente nada. Na hora do café da manhã, os olhinhos das crianças se procuravam, à espera de algum comentário. Nada foi dito. E o dia seguiu com risos...

Na noite seguinte, onze em ponto, a cena se repetiu. O som do piano ecoou mais uma vez na sala vazia. Foi nessa hora que o menor da turma, inocente, perguntou... - Ué? Quem tá tocando piano? 

Os adultos e as crianças, juntos e tomados de uma coragem até então desconhecida, correram até o final do corredor e se depararam com o assustador visitante: um pequeno ratinho que se distraia pra lá e pra cá no teclado do velho piano.

O riso tomou conta da sala. Enquanto meu irmão botava o roedor pra correr. Era só um ratinho. Quem diria! Um ratinho... Voltaram, cada qual para o seu quarto, tranquilos, e foram dormir.

Enquanto, no canto da sala vazia, o fantasma do Zeca Pireba se divertia, 

mais uma vez...

               


 
*                  *                      *                                                                                                    
 
 
             
                 

                                     

A BUSCA DE UM OUTRO OLHAR...


Corpo jovem. Ágil. Andar perfeito. 

Era assim com meus vinte e poucos anos. Eu carregava mil planos. Possíveis e impossíveis sonhos. No olhar, estrelas. Na força, oceanos.

Não sou mais como antes. Ganhei marcas, ruguinhas, implantes. 
Rápido agora, só alguns instantes. O resto é sonolento. Mas olho com discernimento. Quase não me engano. Com o passar dos anos, escolhemos os melhores planos. Segredinhos do caminhar humano.

Faço marcas na areia e observo as ondas prontamente apagando. Não preciso deixar nada. Nem sequer pegadas. Ando calma. Quase flutuando. 

Eu, que tinha olhos de lince. Mirava o sucesso, fama. Corria trilhas e milhas para nem sempre alcançar. Hoje, repouso meus olhos no mar.

Até o amor se aquietou. Antes, suor e vertigem. Paixões, que eu julgava indestrutíveis. Agora é paz e calmaria. Valsa suave. Fina melodia. Nada mais sufoca. Na minha aorta, bate o amor verdadeiro que nada pede em troca. Às vezes, a válvula cansada é que entorta. Mas o amor está lá, por inteiro. Sem refluxos, nem reviravoltas. O vagalhão da paz conquistada me conforta. 

Não sou mais como antes. Pele macia. Joelhos sem dor. Articulações perfeitas. Esquece! Tudo está meio usado, mas muito decente. 
Até a boca afiada que usava palavras erradas em momentos de fúria, deu lugar ao silêncio, à ternura. 
Das ações prematuras, patéticas juras e inúteis e fúteis investidas, vieram absurdas renascidas. Encontro da razão com o coração. Alma, na sua melhor versão.

Não, não sou mais como antes. 
Não sou mais do jeito que um dia você me viu. Busco um outro olhar. Que não repare tanto nas fortes linhas, marcas e ruguinhas. Nem nos visíveis defeitos. 

Quando me olhar agora, por favor... leia-me por dentro!


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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

PÉ SUJO



Era tão bom! Durante o dia, corria e brincava. Subia e descia. As ladeiras e as escadas, na frente da casa. Depois, comia correndo e de novo pra rua voltava. Rodava, pedalava, empinava...
Ás vezes, brigava. Chutava e chorava. Descabelava e sorria. E finalmente, cansava. No começo da noite, quase desmaiando, em qualquer lugar a gente desabava. A mãe, com pena, nem banho dava. E a gente, com os pés sujos, dormia um sono só. Sono profundo. Com pés imundos.

Quem não dormiu com pé sujo uma vez na vida, não sabe o que é bom. Pé de infância cascuda. Pré-digital. De jogos com bola, amarelinha, mãe da rua. Rolimã, bola de gude ou bafo na calçada. E a bicicleta entre os carros, num ziguezague perigoso e acelerado. Um risco danado.

Na chuva então, chapinhando de poça em poça. Nem parecia uma moça! E o pé cada vez mais sujo... - Menina, moleca! Vem se lavar! E a gente por fim obedecia. Mas era um pé de gostosura. Aventura. Inocência. Poeira pura.

Hoje as crianças tem pés com rodinhas. Tênis com luzinhas. E a sola do pé bem lisinha. De quem não pisa no chão, no quintal, na areia... e nem na grama do vizinho! 
Eta infância sem graça, de pé de anjinho...                                                                                                                     
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 Crônica inspirada na música de Dorival Caymi... Quando durmo...
                                                                                 youtu.be/zs1J7CLG9ss   




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terça-feira, 30 de setembro de 2025

A LÁGRIMA NA JANELA...


Era gelada a madrugada. O calor da nossa respiração embaçava o vidro da janela do quarto. Não se via nada do outro lado. Só o fundo escuro, o vapor e um leve enredo de amor. Lá fora, tudo silenciava.

Meus olhos estalavam vivos e sem sono, em feliz abandono. De repente, um clarão em minha testa! A lua, de penetra, entrou pela fresta da outra janela. Alva. Branca. Iluminando feito um sol no quintal. Nunca vi igual. Ali, ela achou seu lugar e decidiu ficar.

Acordada à horas na demorada madrugada fiquei olhando a lua prateada que não queria ir embora. Já tinha passado da hora. Mas como dormir agora?                

De certo, a lua queria encontrar o sol que do outro lado já se aprontava. O céu clareava. A noite ia virando dia... E enfim, o astro rei apareceu. Ficaram os dois no céu ao mesmo tempo. Um em cada canto! Eu os olhava com olhar de espanto. Talvez fossem amigos distantes. Quem sabe, tenham sido amantes. A lua só queria dar uma espiadinha. Um oi de luz já bastaria.

Não teve jeito. O sol subiu com tudo que tinha direito, abriu o novo dia e a lua apaixonada e pálida foi desaparecendo. Fiquei acordada até que sumisse de vez, deixando a sombra enevoada de quem esteve ali, por muito tempo parada. 

Talvez ela tente amanhã encontrar o sol novamente na fria madrugada. Lunática! Não irá conseguir jamais, salvo uma hecatombe final. Melhor não pensar nisso, nesses dias de novo normal. A cena linda e triste apertou meu coração. 

Olhei o vidro embaçado da outra janela, me deparando com a lágrima condensada e gélida que rolou. 

A janela, emotiva, também chorou.


*                             *                                                                         



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