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segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

AQUELE DRINK AZUL...


Tá certo que a família estava unida e feliz. E que as crianças eram pequenas e se contentavam em brincar de artistas mirins. Com maquiagens, microfones e imitações dos seus ídolos da tevê.  Mas era tão bom de se ver!
Tá certo que ninguém ficava pendurado no celular, mandando vídeos e trocando mensagens com amigos de fora. Os mais importantes estavam ali e agora. Mas aquele drink azul, unia toda a família.
E todo ano era assim. Natal na casa do irmão mais velho. Às vezes, no mais novo. Às vezes, na casa da mãe. O drink azul abria as comemorações. Lembro vagamente a receita... Soda, gin e Curaçao blue, pra completar. Na borda, açúcar. Ah, e o limão cortadinho, que não podia faltar! 
Tá certo que depois vinham camarões empanados, trazidos pelos cunhados. O bacalhau português, da sogra orgulhosa. A maionese da mãe, tão leve, feita com amor para chegar no ponto certo no liquidificador! E a noite inteira para sorrir e trocar presentes. Presentinhos. A gente não tinha lá muito dinheiro.
Ninguém reclamava das redes. Não havia redes. E os políticos? Deviam agir como sempre. Mas não era esse o assunto da gente. Era sempre aquele drink azul.... Mortal! E hoje, imortal. Abria o apetite e o coração. E tinha algo marinho nele. Cor de oceano profundo. Onde a família, unida, mergulhava feliz e celebrava o mundo. 
Faz um tempão tudo isso. Já não temos mais esses grandes natais na família. As crianças cresceram e passam a festa com outras famílias. Alguns casais se dissolveram. O irmão mais velho se foi... a cunhada, também se foi. A mãe, não consegue mais andar, muito menos fazer uma leve e breve maionese.  
E quando a saudade aperta, eu lembro daquele drink azul... Deve ser culpa dele, essa minha vontade de chorar...   


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OBRIGADA PELA VISITA!  

FELIZ NATAL!


quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

ESTÁ PASSANDO, JÁ PASSOU.

Ontem foi Natal. Hoje é verão. E de repente pulamos o carnaval, embora mal tenhamos tirado a areia dos biquínis e o bocado que restou de sal.

Não dá tempo de guardar o samba das escolas e o outono chega, derrubando folhas e algumas promessas. 

Logo, férias de julho, crianças correndo e eu ainda procurando a tampa do Tupperware perdida no Ano-Novo. Depois vem a primavera, com flores que mal se abrem antes de murchar, e num instante, é Natal outra vez.

O que aconteceu com o tempo? Perdeu o freio? Ou será que o mundo virou um toca-discos com aquela borracha laceada, onde a agulha dança sem controle, pulando faixas e nos deixando tontos? 

Antes, as tardes eram compridas como as saias de nossas avós. Agora, são bermudas curtas, calças cortadas sem muita noção.

A medicina se gaba de nos dar mais anos de vida. Muitos de nós chegarão aos cem, brincando. Que adianta, se os dias saltitam e disparam à nossa frente? Parece ou estão mesmo cada vez mais curtos? Escandalosamente curtos. E rápidos.

Querem que vivamos mais, mas nos tiraram o luxo de viver devagar. 

Não há mais tempo para tardes preguiçosas, para fazer um bolo no forno, para olhar a vida passar sem pressa, feito um barquinho deslizando no rio de Nova Odessa. O tempo agora é o frisson de um mar revolto em Ibiza e nós, náufragos, riscamos aflitos os dias no calendário virtual acelerado.

Houve tardes em que o sol demorava a se pôr, e nós, crianças, acreditávamos que o amanhã estava tão longe quanto a lua. Hoje, estamos sextando em menos de sete dias. Bobeou é sexta de novo.

Corremos para viver mais e nessa pressa, esquecemos de viver a paz. 

Talvez seja hora de parar, desligar o motor, o celular e ouvir o silêncio. Quem sabe o tempo volte a ser nosso aliado. 

Vamos voltar o whatsapp à velocidade normal de uma voz humana e monótona, por que não? E o nosso velho toca-discos, com sua borracha laceada, talvez toque a vida em sua melodia original... 

sem pressa de chegar ao fim.


Crônica feita em 17 minutos e 42 segundos. De repente, passou.


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quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

NA CAIXA, POR FAVOR...



As de cinco quilos eram as melhores. 
Difíceis de se abrir. Muitas vezes, só a ponta da faca e um martelinho levantando o grampo de aço devagarzinho e soltando as madeiras. As uvas rosadas estavam lá. Lindas. Intactas. Até mesmo as que ficavam no fundo da caixa. 

Havia também as caixinhas menores. De um ou de dois quilos. Eu esperava o fim de ano para comer aquelas uvas brasileiras, nas caixas de madeira. 
A caixinha de figo também era especial. Menor. De madeira fininha. E espaços do lado. Vinha com um papel roxo por baixo, num tom azulado. Os figos maduros abriam como flores róseas, com mel e sabor. E as maçãs lustrosas e vermelhas, tinham brilho de cera. Divinas. Vinham num caixote grande escrito “manzanas argentinas”. 

As caixas de frutas me trazem recordações. Das antigas feiras, grandes bancas, quitandas. Na minha recente visita ao Mercado de São Paulo, o que chamou minha atenção, mais do que a majestosa arquitetura do antigo prédio e seus vitrais... mais do que o sanduíche mortal de mortadela com suas incontáveis rodelas e o pastel de bacalhau... foram as caixas e caixotes espalhados pelo local. 

Dentro e fora do Mercado. Na caçamba dos caminhões. Pelos corredores, aos montões. Caixas com frutas nordestinas desconhecidas. Além das uvas, melancias. Laranjas. Acerolas. Limões.

Estavam ali, frescas, as lembranças da minha infância. Das feiras. Da fartura. Natais em família e suas tradições. Além da exposição das frutas nas caixas, num outro corredor, achei potes com diferentes ervas. Barris de azeitonas. Picles e conservas.

Diante de tanto sabor, pedi, nostalgicamente ao vendedor : 
- Vê cinco quilos da uva rosada, senhor! 
Mas, na caixa, por favor!




Obs. As caixas utilizadas hoje em dia são feitas apenas de madeira preparada e higienizada. Não permitindo reutilização.
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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

AS RABANADAS DA VOVÓ

Alguns itens nas receitas vão se perdendo no tempo, aqui e acolá. Outros ingredientes são incorporados em certo momento e se perpetuam no lugar.

Eu continuo fazendo as mesmas rabanadas portuguesas que minha mãe fazia nas tardes quentes próximas do Natal. Separo as fatias grossas de pão velho, o leite açucarado num prato raso e os ovos batidos na velha tigela. Depois frito em óleo quente, salpicando levemente açúcar e canela. Faço assim há décadas. De olhos vendados. Reproduzindo a velha cena, de um doce passado materno.

Foi uma surpresa provar na casa de uma portuguesa autêntica uma rabanada diferente, oferecida gentilmente para todos à mesa. Mais dura e com o pão escurinho, por conta de um creme com vinho. 

Eu que nunca usei vinho! Minha mãe também não. Será que a vovó subverteu a receita e não nos contou?

A origem das rabanadas aguçou minha curiosidade junto com minhas papilas salivadas e fui pesquisar as primeiras rodelas servidas nas ceias de Natal. Seriam minhas rabanadas réplicas simples e abrasileiradas?

A origem é mesmo europeia. E muito antiga. As entregas? Talvez com charretes, em meados do século dezessete. Foi criada para aproveitar pães velhos e amanhecidos e se tornou alimento sagrado no Natal por representar para os católicos, o corpo de Cristo. Alguns dizem que a origem é francesa e não portuguesa. Aposto nos lusitanos.

"Fui aos risos" ao saber que lá são chamadas de fatias douradas ou fatias paridas. Pode-se usar cacetes ou bengalas amanhecidas. E nas receitas portuguesas mais sofisticadas, usa-se o vinho. Achei o danadinho! Acho que a vovó usava e a mamãe cancelou sem dizer nada.

Seja qual for a receita original, sempre respinga na gente um ingrediente ancestral, além do pingo de óleo quente no braço, fatal.  

É a lembrança das tardes doces e quentes. O meu coração, embebido em leite, respinga no peito uma saudade de dar dó.

Rabanada. É o açúcar da mãe. E o sabor da vovó!

 

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domingo, 23 de novembro de 2025

AS VELHAS BOLINHAS AZUIS...


Todo ano é igual. Nunca sei ao certo o dia de montar minha árvore de Natal. Vinte de novembro? Um mês antes? Primeiro de dezembro? 

Ainda bem que alguém estabeleceu o dia seis de janeiro para o seu desmonte. Aí é moleza. Sem incertezas. Sem muito pensar.  Quanto às bolinhas velhas dos anos que passaram, para mim continuam sendo um dilema. Não consigo me desvencilhar.

Não sou de acumular coisas. Guardar papeizinhos, caixinhas, vidrinhos e coisinhas materiais. Para ser sincera, nem documentos importantes eu guardo. Muitas vezes, somem e nem dão sinal. Mas com relação às bolinhas de Natal, bate uma coisa, sei lá, sentimental. 

Tenho seis ou sete bolinhas azuis muito descoradas. Desbotadas. Feias de fato. Mas que não consigo desprezar. Todo ano é o mesmo movimento. Armo a árvore. Compro bolinhas novas. Modernosas. Com glitter. Purpurina. Laços de fita. Mas na hora de jogar fora as azuizinhas... Velhas e desbotadinhas. Vem aquele aperto.O coração encolhe, vira bolinha dentro do peito. E me rendo às recordações.

Estiveram em tantos Natais com a gente. Ouviram canções em coros estridentes. Viram nossos olhos brilhando a cada presente. E à meia noite, os abraços mais quentes. Como posso jogar fora por estarem velhinhas e desbotadas? Que desalmada!

Um ano até tentei. Coloquei no cesto da lixeira. Mas logo resgatei. Que loucura! Jamais desta maneira.Vou dar para minha mãe. Ela enxerga pouco, quase nada. Não iria se importar com as bolinhas desbotadas. Que nada! Rejeitou de cara. Oras, filha. São tão baratinhas. Troca essas bolinhas! 

E lá trouxe eu de volta, as bolinhas feinhas e azuizinhas para casa. Este ano, pensei em não colocar na árvore e deixá-las na caixinha. Mas é discriminar do mesmo jeito.

O meu dilema continua. E antes que eu tenha que fazer muita terapia... 
Alguém quer ficar com as minhas bolinhas?


*                                   *                                                                          

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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

NOSSA QUERIDA TRALHA


Todo mundo tem uma roupinha... 
Que não dá, nem joga fora. Aquela que é a nossa cara. E se não pegasse tão mal, a gente usava todo dia. Toda hora. Aquela roupa amiga e usada, às vezes amarrotada, que acomoda tão bem a gente.
É peça já formatada. Amaciada. Que nos aconchega e traduz. Por fora e por dentro. Num dueto mais que perfeito! 
Nem sempre é a mais cara. Na maioria das vezes, é aquela velhinha que encaixa certinha no corpo e na alma.
Tive roupas que marcaram etapas da minha vida. De criança, era uma calça vermelha que eu usava todo santo domingo. Ninguém mais aguentava. Acabou sumindo. Na juventude, uma calça jeans desbotada com bolsos coloridos, que combinava com o estilo folk e com meu violão, sempre comigo.
Hoje, uma calça branca meio solta, meio folgada, me representa. Já foi nova. Agora, clássica somente! Uso exageradamente. Já não ligo para o que possam pensar. Chega uma idade em que não precisamos mais nos explicar. Podemos usar. Abusar. Não há porque se preocupar.  
E  as roupas marcam as pessoas. A gravatinha do Jô. Os terninhos da Princesa. Os chapéus da rainha. As golas do Elvis... E para mim, as roupas mais velhinhas é que são inesquecíveis. 
Quando passei a dividir os espaços, os sonhos e a minha vida com alguém, tinha uma camiseta velha, tamanho gigante que a gente disputava. 
Ótima pra dormir, nela cabiam pernas e braços. Ousados. Unidos. Espalhados. Além de todos os sonhos de um casal enamorado. Era branca e vinha escrito “A tralha”. Quem achasse primeiro, pegava e ia dormir. Vingado e feliz, vencedor da batalha.
Que roupa boa era aquela. Uma camiseta velha! A nossa deliciosa...  tralha.

 *                        *                       *                
                            

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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

CARTA AO MEU IRMÃO...

Caro anjo, irmão.                           

Eu prometi que não seria triste. Uma carta simples. Sem pieguices. Acabo de olhar sua foto de infância. Você abraça duas crianças. O primo e o irmão. Você abraçava o mundo. Nosso porto seguro. Ainda me protege nessas bandas angelicais onde andas. Talvez, campos de lavanda? Casa entre nuvens? Atmosferas que não faço ideia. Continuo com meus pés aqui na Terra. Mas ouço daqui, o bater do seu coração.

Olho suas orelhas. Eram de abano ou me engano? Com a idade melhorou. O nariz é que se curvou. Rinite alérgica. Você pingava duas gotas de remédio em cada narina. O lenço dobrado no bolso de trás era Presidente! A tia Zilda dava no Natal, numa caixinha com fita, de presente.  

Eu prometi que não seria triste. Só levezas, lembranças banais, sem as partes que doem mais.

Toquei ontem o disco do James Taylor que você comprou com o seu primeiro salário. Capa branca. Ouvi por inteiro. Depois você deu o dos Beatles. Hard day's night! Você cantava alto demais. Às vezes, imito sua voz e desafino. Você não seria um bom cantor, mas batia um bolão, admito.

O uniforme do Paulistânia ficou comigo. Aquele verde e branco com meião encardido. Não lavo de jeito algum. Ficou com o formato do seu pé. O direito, torto de fazer gols. Você descrevia o lance por inteiro. Talvez fosse um bom narrador.

E aquela minha foto de pequena que você levava na carteira, com rabinho de cavalo e um pintinho nas mãos, eu perdi. Ouvi um pio de tristeza aí de cima? Ou foi cisma? Prometi que não seria triste. Sem pieguices.

Você viu meus livros publicados? Dois só de crônicas como a mamãe e você gostavam. Em breve vou pro terceiro. Se der, mando um exemplar por um pombo ou anjo mensageiro.

O que está ruim mesmo é o mundo que você, sem desejar, nos deixou. Vírus, política, intolerância e guerra, em proporções estratosféricas. O ser humano vendo o mundo acabar e postando memes no celular. O que são memes? Não vale a pena explicar...

Eu prometi que não seria triste. Vou terminar a carta. Ou por aí tem email? Sei que essa foto sua, no meio da tarde...  no campinho da rua... me atropelou de um jeito. 

Qualquer hora lhe vejo no meio das estrelas 

e lhe sopro um beijo!

 

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