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VEM AÍ... NOVIDADES E NOVAS PLATAFORMAS INESPLICANDO!
Eu saía na chuva. Brincava no meu quintal, colhendo com as mãos os pingos grossos que caiam feito patacas esfriando o chão. Era a alegria que vinha do céu nas tardes de verão. As gotas desciam pela minha cabeça até os meus pés descalços. No piso liso, um pouco de sabão. Eu deslizava em engraçadas lambanças e escorregões.
Eu saía na chuva. Lembro dos pés encharcados dentro do sapato de couro alemão. A meia empapuçada. Eu batia os pés nas poças do chão. Chegava do colégio em total desalinho. Secava na toalha, guardando no coração o cenário alagado e festivo do caminho.
Eu saia na chuva, sim. Em especial no jardim. Quando a chuva cessava eu abaixava os galhos das árvores para me molhar um pouco
mais. Eu era flexível como os galhos finos. Feliz como o mato molhado,
nutrido e saciado. Era a menina ainda verde, buscando água para amadurecer.
Eu saia na chuva até pouco tempo atrás, no meu entardecer.
Hoje, sob um guarda-chuva barato, ando pelas ruas com sapatos apertados. Vejo a secura das pessoas que seguem com passos acelerados. Seguem rápido para voltar rápido. Os anos pesam. Meu caminhar é cansado.
Mas o verão continua, com suas chuvas vigorosas. O céu chora e a natureza se descontrola. A água vem forte do céu, caudalosa.
Hoje vou sair na chuva! Vou dançar de novo, chapinhando nas ruas. Vou rodopiar e subir no poste feito a cena da Broadway.
O que salva minha alma da secura... é essa gota interna, livre, louca... e sem censura.
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Tarde de sol quente. A Rua da
Liberdade fervilhava feito um vespeiro. O recém- aposentado não esquentava como o tempo. Não estava preso à mais nada. Nem emprego, nem mulher ou
namorada. Mas alguma coisa ele ainda procurava.
Entrava e saia das lojinhas, subindo e descendo as ruas- artérias que alimentavam o coração da cidade. O centro comercial de tantas glórias, tinha uma espécie de circulação extracorpórea. Indo e vindo de ambulantes, pedestres, pedintes e suas histórias...
Primeiro pensou em comprar roupas e calçados. Desistiu no ato. Não precisava mais de sapatos. Nem de ternos, gravatas e nós enforcando o pescoço. Poderia viver de moletom e um tênis velho que durasse até o osso.
Não queria livros. Nem relíquias em vinil. Tinha tecnologia suficiente para baixar o que bem entendesse nas redes. Também não queria nada esportivo. Seu time em baixa. Barriga em baixa. Pressão, colesterol e triglicérides em alta. O melhor era correr. Para um médico assim que possível. Talvez, no ano que vem!
Queria se dar um presente. Entrou rapidamente numa lojinha de importados e comprou um despertador. O melhor e mais barulhento que havia. Pagou cem pratas e foi pra casa.
Na véspera do novo ano. Colocou-o para despertar as cinco em ponto. Compromissos não tinha. Nem peru para colocar no forno. Era o Reveillon do abandono.
Queria o prazer imensurável de acordar no velho horário de trabalho e interromper o alarme diário, malvado e intermitente que havia destruído seu labirinto e alugado sua mente.
O alarme tocou. Esticou as mãos e deu o último toque. O certeiro e definitivo, naquele pontual e irritadiço torturador suíço.
Depois, tateou sonolento, e mergulhou-o num copo d' água, virando-o de castigo contra a parede.
Aposentado — e finalmente vingado — saiu da cama e foi dormir numa rede.
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Ele tremia, assustado. Num vaivém encabulado, tentava cruzar a louca e fria avenida.
Magro, medroso e molhado. Perdido entre os carros — prováveis algozes — que passavam velozes. Presenciei a cena de medo real e toda a aflição do pequeno animal.
O peludinho ia e voltava. Depois, de novo tentava. O carro da direita parava. O cãozinho seguia, e o da esquerda acelerava.
— Meu Deus, quase morreu!
Um carro freou. Que bom! Mas o cão refugou.
E foi assim: uma agonia sem fim. Eu não sabia como ajudar, nem como resgatar.
Ele corria pra frente e pra trás num ziguezague de arrepiar.
Chegou, então, um rapaz. Uma moça que ia pra faculdade.
Um entregador de pizza. E um senhor de idade.
Resolvemos que o trânsito todo teria de parar.
Força-tarefa. Ato de bravura — ou loucura.
Foi sem muito pensar: detivemos os carros um a um.
O cãozinho, assustado e com o rabinho entre as pernas, foi lentamente atravessando.
De orelhinha baixa, cruzando a faixa.
Saiu meio de lado, como quem sabe da aflição que nos havia causado.
Olhamos com doçura e cara feia — como olham as mães diante de alguma besteira.
Ou quando soltamos de suas mãos nas ruas e saímos sem pensar.
Elas sabem o perigo do vaivém.
E hoje, nós também!
Somos o vira-lata na avenida.
Sem saber desviar dos problemas da vida.
Doenças. Tragédias. Mágoas reprimidas.
Tentamos, sozinhos, dar conta.
Mas a coisa acelera.
A dor continua.
A gente se desespera.
E pedimos força-tarefa.
Amigos. Parentes. Vizinhos que cheguem depressa.
Venham nos salvar.
Seguimos em frente — e vivos!
Com ajuda e alívio.
Feito o pobre cão molhado, envergonhado e encolhido.
Ninguém sobrevive sozinho.