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segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

AS SETE ONDAS...

Janeiro. A primeira onda veio. Olhei aquele mar imenso e senti-me lá dentro. No ondular tenso do ano inteiro. Vaivém de esperanças e incertezas. De janeiro à dezembro. Brasil das tempestades e alagamentos. Maré no começo. Pulei a onda sem receio.

A segunda onda chegou, com águas que vinham do outro lado do mundo. Trazia velhos sentimentos. Ondas de extremos. Guerra por céu e por terra, triste atmosfera. Chorei pela Ucrânia, Palestina. Mas não sabia hebraico, russo ou mandarim. Pulei rapidim.

A terceira onda chegou. Trouxe queixas e o troco da natureza. Vieram nas águas, plásticos, tampinhas, além de flores brancas e garrafas. Não gritei, nem me indignei. E de tanto que me calei, me envergonhei. Pulei essa onda também.

A quarta onda veio e era artificial. Entrei nela e naveguei, mas presa não fiquei. Preferi meus erros e o olhar o real da natureza. Só curti, consultei e pulei.

Na quinta onda vieram os peixinhos. Trocamos olhares rapidinho. Era rasinho. Dei um aceno abrindo os meus braços e os cardumes ligeiros partiram com receio. Pulei feliz.

Na sexta onda eu entrei de corpo inteiro. Queria sal grosso limpando o corpo e a alma. Tirando o ranço desse ano pra entrar zerado em janeiro.

E a última onda, enfim, foi chegando. Era onda pequena. Miúda. Mas foi crescendo. 

Tinha uma crispa branca de espuma. Dobrei os joelhos. Olhei para as estrelas. Fiz o meu pedido e voltei pulando feito criança. 

Ah, essa onda chamada esperança.

Ainda hoje recomeço. Novinha em folha. Com força e menos celular.

Temos um mundo real pra consertar! 

 

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OBRIGADA PELA COMPANHIA NESTE ANO!

QUE VENHA UM NOVO ANO,  INES...PLICAVELMENTE MELHOR. 

CHEIO DE LIVROS E ESPERANÇA!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

AUSENTES PRESENTES



A saudade é, na alma, uma leve lanterna. Ilumina os cantinhos escuros, quando a gente menos espera.
Feito uma criança malcriada que passa e abre a gaveta trancada. Depois sai correndo deixando escorrendo a saudade e as lembranças guardadas, ainda machucadas.

Meu irmão mais velho gostava dos Beatles e nos Natais ele cantava. Com notas semitonadas. Soava lindo aos meus ouvidos. Agora, é uma saudade desafinada.

Do meu pai, lembrei ontem no almoço pedindo um pedaço de pão. Seu sotaque italiano insistia em falar “pon”.  Deu um nó na garganta e no coração. E assim a saudade vai pegando a gente no caminho. Pega no cantinho. Pega pelos olhos. Pelos colarinhos.

Este ano, foi no canto final da sala, montando a árvore de natal. Com as mãos hesitantes e a voz meio rouca. Em cada bolinha presa, uma lembrança solta. 

O sorriso da vovó e seu vestido florido. O presente repetido que a tia reembrulhava todo ano. O drink azul da cunhada, com curaçao e açúcar. A mãe com seus abraços de ternura. A gente não se dava conta como era boa aquela quentura.

No final da montagem, a árvore ficou pronta! Mas antes de ligar as luzes,  um suspiro profundo veio da alma e um instante de calma e a constatação... dolorida e reticente.

A cada ano, mais lembranças, menos entes. 

Estão ausentes. Mas, ainda tão presentes!


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FELIZ NATAL A TODOS OS "INESPLICAVEIS" leitores deste blog!
  

      DÊ LIVROS DE NATAL!

   

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

NUM PISCAR DE OLHOS



Foi numa quinta de manhã. Na hora de ler a minha receita preferida naquela página toda amarrotada, com marcas de gordura de chocolate em barra. A folha mais manuseada do caderninho, guardado com carinho na gaveta da cozinha. 

Olhei firme para a receita e todas as letrinhas, tal qual os ingredientes do bolo, haviam se misturado num grande liquidificador. O texto repleto de medidas, itens e pequenos parágrafos se transformou num bloco único. Nebuloso e compacto. Ilegível e incompreensível. Um tratado aramaico.

Esfreguei os olhos afastando a mão que segurava o papel. Afastei mais. Mais um pouco. Fui perto da janela. Quase peguei uma lanterna. Veio, então, a constatação. Não conseguia ler! De um dia pra outro. Num piscar de olhos. Eu não enxergava mais as letrinhas e coisinhas miúdas. E elas eram tantas... nos rótulos, nas bulas, nas tampas. Nos contratos e boletos à pagar.

Dr Luciano, meu oftalmo, disse que é assim, um grauzinho por ano depois dos quarenta. Ele está certo. Meu olho esquerdo já passou dos três. A coisa é rápida. Mas o que é rápido mesmo? Relativo, diria o grande cientista judeu-alemão, mostrando a sua língua na foto, com toda razão. 

Por trás de cada mudança, um processo interno e particular de perdas e transformações já vem engatinhando. Muitas vezes, silencioso e invisível. Porém contínuo e implacável. Inevitável com o correr dos anos.

Nascemos, crescemos, criamos filhos, escolhemos caminhos. Acertamos, erramos, recomeçamos. Assim seguimos, cambaleantes e exaustos. Com a alma de sustos e sobressaltos.

Então, feito fruta madura, numa tarde dura, a gente amadurece e cai. Não dá pra saber quando vai. É o ponto xis. O piscar de olhos! 

É quando de repente nos percebemos mais velhos. Mais feios. Mais arqueados. Mais sábios, talvez.

Porém ingênuos. Acreditamos que tudo foi... num piscar de olhos! Ah vai...

 

 

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foto: cromossomosblog 
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