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terça-feira, 10 de setembro de 2024

DÁ SÓ UMA OUVIDINHA...


Ouvir o vento. O mar. Uma ária de Bach...

Ouvir a dor de um amigo, sem dar aparte. Ouvir com cuidado e atenção aos detalhes. Ouvir os silêncios e as entrelinhas. O som da respiração mansinha. Suspiro de compreensão. Os sussurros do homem e da natureza reverberam no coração.

O som da brisa que balança as folhas do coqueiro. A água do rio que desliza entre as pedras, gotejando na alma por dentro. Pingos leves e perfeitos. Ouvi-los, exige silêncio.

Os bichos também falam. Os insetos pequenos rodopiam ao redor da lâmpada, zunindo até cair. São loucos ou tontos no seu girar sem fim. Deviam se inspirar nos pássaros que solfejam soltos no jardim.

Precisamos nos aquietar para ouvir os sons mais sutis. Disque-disques. Chiadinhos. Zum zunz, tiriris. A voz das abelhas, zabelês, bichos esquisitos que conversam no ar.  Os ouvidos mais elegantes e treinados ouvem sustenidos ao longe e notinhas fantasmas no ar. 

Enquanto isso o vento geme e pede ajuda. Um uivo faminto. Lobo eólico que chega rodopiando as folhas, tirando as telhas das casas e sacudindo as almas em desassossego. É urgente cuidar do planeta para ouvirmos sons mais ternos e menos violentos.

Pois é no oásis do silêncio, por fora e por dentro, que ouvimos com enternecimento e calma.  Ouvimos a alma em conversa íntima e suave com o coração. Solitude sem solidão. 

É quando cessa a fala que ouvimos o melhor dos cantos. O canto da natureza, poetando.


 

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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

A ISCA NA AREIA

Furinhos. Uns quietinhos. Outros a borbulhar. Sinais de vida nas minúsculas cavernas feitas na areia à beira mar. Eu e minha curiosidade seguimos juntas para observar. 

Um pescador surgiu ao lado. Pés enrugados. Rosto de sol e sal. Na mão, um tubo improvisado. De buraco em buraco fazia a sucção... - Zédazisca, ele se apresentou! Demorei pra entender a autodenominação. Isso se come, seo Zé? Os peixe gosta! Sorriu com os dentes falhos à mostra.

É pitú? - Pitú é de água doce, moça. Esse é o corrupto, sorriu. Tem muito no Brasil. Aqui na praia, só alguns. É igual na política, difícil de pegar. Se esperar uns dez furos eu acho um pra lhe mostrar! Aguardei com curiosidade, achando graça e verdade. Na calmaria da praia, um papo bom de pescador. Caça e caçador.

É dura a profissão? - Deus é pai e o mar, meu patrão. De dezembro até março, só dá maré à noite. E à noite eu não venho não. Cato de março em diante. Olha só que corrupto grandão...

Da boca do tubo, no meio da areia molhada saiu o bichão esquisito cheio de pernas e cor rosada. Feio pra danar. O Zé pegou com a mão, me mostrando de perto e colocando num latão. Esse corrupto não faz mal a ninguém. Ajuda a pescar garoupa, corvina, robalo, badejo e Merluza. Quinze reais a dúzia!

Agradeci com um sorriso a aula de pesca artesanal e segui caminhando, pés descalços na água e no sal, lembrando dos buraquinhos na areia, dos corruptos e das risadas pescadas na minha maré de ignorância. 

Eu achando que era pitu. Ele achando graça... - O único Pitu que eu cato moça... é a Pitu  cachaça!

 

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Sobre a atividade

Alguns municípios estão proibindo a caça de corruptos na praia, devido à sua quantidade estar diminuindo consideravelmente. As espécies mais comuns na costa brasileira são as do gênero ‹Callichirus› (pronuncia-se /kalikírus).