Páginas

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

O PESCADOR ME ENSINOU...


Dezenas de furinhos. Uns quietinhos. Outros a borbulhar. Sinais de vida em minúsculas cavernas à beira mar. Parei pra olhar.

Um pescador surgiu ao lado. Pés enrugados. Rosto rachado de sol e sal. Na mão, um tubo improvisado. De buraco em buraco fazia a sucção.

- Zédazisca, ele se apresentou... Demorei pra entender a autodenominação. 

- Isso se come, seo Zé?

 - Os peixe gosta... Sorriu com os dentes falhos à mostra.

- É pitú?

- Pitú é de água doce, moça. Esse é o corrupto, sorriu. Tem muito no Brasil. Aqui na praia, só alguns. É igual na política, difícil de pegar. Se esperar uns furos eu acho um pra lhe mostrar! 

Aguardei com curiosidade, achando graça e verdade. Na calmaria da praia, um papo bom de pescador. Caça e caçador.

- É dura a profissão? 

- Deus é pai e o mar, meu patrão. De dezembro até março, só dá maré à noite. E à noite eu não venho não. Cato de março em diante. Olha só que corrupto grandão!

Da boca do tubo, no meio da areia molhada saiu o bichão esquisito cheio de pernas e cor rosada. Feio pra danar. O Zé pegou com a mão, me mostrando de perto e colocando num latão. Esse corrupto não faz mal a ninguém. Ajuda a pescar garoupa, corvina, robalo, badejo e Merluza. Quinze reais a dúzia!

Agradeci com um sorriso a aula de pesca artesanal e segui caminhando, pés descalços na água e no sal, lembrando dos buraquinhos na areia, dos corruptos e das risadas pescadas na maré mansa da minha ignorância. 

Eu achando que era pitu. Ele achando graça: - O único Pitu que eu cato no mar, moça... é a garrafa vazia da cachaça!

 

******************


Sobre a atividade

Alguns municípios estão proibindo a caça de corruptos na praia, devido à sua quantidade estar diminuindo consideravelmente. As espécies mais comuns na costa brasileira são as do gênero ‹Callichirus› (pronuncia-se /kalikírus).