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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

SINFONIA DE FURADEIRAS

Dois mil e vinte veio com defeito. Vinte e um também. Andamos e travamos a todo momento, num abre e fecha sem fim. E não tem ninguém que dê jeito. Garantia não temos. Nem um dia estável ao menos.

Certos anos, como a vida, são imprevisíveis. Deve haver um porquê. Uma forte razão. A lei de retorno, talvez. Ou preço de nossa insensatez.

No futuro não muito distante, alguém lerá um chip gravado em diamante e poderá melhor compreender. Resta-nos, agora, o cumprimento. Mais empatia que lamentos. Estamos juntos neste sofrimento. 

Mas tem algo constante e ensurdecedor que também nos tortura. Tira o sono e nos leva à loucura. As construções. Elas não pararam um só instante. Também viraram pandemia. Um tipo de vírus diferente que ataca concreto e cimento. Não assusta, mas é barulhento. 

A serra grita, a porta range, o martelo cai do andaime. Os prédios, as casas e os comércios decidiram reformar todos ao mesmo tempo, formando bandas com sons imperfeitos...

Sinfonia de furadeiras! Histéricas britadeiras. Serras elétricas distorcidas e estacas mal batidas. Música concreta, sem maestria. E a orquestra desafina. 

No andar em cima ao meu, a construção nunca termina. No bloco da frente, sem gente, trocaram o piso da cozinha. O martelo bate e os azulejos solfejam noite e dia. No prédio em frente, trocaram as pastilhas da fachada. Plac-plac, fazem as placas despedaçadas, numa ópera caótica e saculejada.

Começa às oito da manhã e vai até o fim de tarde. Sem dó, nem piedade. Home Office? Gravação de aula? De música? Descanso ou lazer? Nem mesmo à noite, quando as buzinas começam a aparecer. Os coletores passam com seus motores ligados e o homem dos ovos num autofalante, oferece duas dúzias por trinta reais! Não descansamos jamais.

Só uma coisa, torço pra acontecer. Tudo, ou quase tudo, para... se chover!


*                     *                      *                                             


3 comentários:

  1. Sim, 2020 ficará para a história, ao menos a nossa,que estamos vivendo esse "pandemônio". A busca de um progresso faz um barulho e tanto, como dizia a minha mãe, "durma com esse barulho". Texto gostoso de ler Inês

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    1. Estamos dormindo com um barulho desses... há um bom tempo... rs Que tenhamos paciência! bjs... obrigada pela visita no blogue!

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  2. Inês Bari...
    Com sempre, transformando as coisas ruins da vida, em crônicas tão deliciosas de se ler.
    Parece mesmo q nesses meses de pandemia, tudo, ou quase tudo parou.
    Mas as reformas e construções..
    Nossa!! Todo mundo reformando, construindo.. fazendo muito barulho, sempre..
    Quero tb q chova!! Rs

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