Páginas

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

ESTAÇÃO SOLIDÃO

 
Nada encerra mais a angústia e a tristeza humanas do que o rosto dos solitários no trem da estação. Eles carregam seus tristes semblantes aonde vão. Nos metrôs. Nos ônibus. Em cada vagão. É doído perceber...
Sentadas nos cantos, mulheres carregam bolsas e mágoas. Dos filhos, dos genros, cunhadas. Em pé, um homem desempregado. São tantos hoje em dia. Angustiados. Ar de melancolia.
Cada tristonho no seu canto. Desiludidos, com o olhar distante. Ou quem sabe, num mundo perdido. Muitos olham pro chão. Na estação solidão!
Acho tristes e ao mesmo tempo tão belos, esses rostos sofridos das pessoas no metrô. Retrato de suas vidas, aventuras e amarguras contadas em rugas.  
Quando entrei no vagão às seis da tarde, o velhinho curvado já estava sentado olhando fixamente para o nada. O que ele pensava? O que dizia? Ainda sonhava? Conversava consigo mesmo, tentando se convencer. Reclamava de quem?
Talvez faltasse um ouvido ao lado. Um amigo. Um abrigo. Um som. Ou, uma boa dose de conhaque do bom!  
O trem partiu para a próxima estação. Um fingiu. Outro dormiu. A cabeça caiu. Entortou. E o velhinho prosseguiu resmungando sei lá de quê. Torci pra que alguma criança entrasse gritando. Chorando. Esperrneando. Ou cantando alguma coisa idiota qualquer. Não. O silêncio era o anfitrião. Cada um que entrava, se calava...
E o velhinho continuou sozinho no seu cantinho até a última estação. Depois, saiu carregando seu pacote pesado de dissabores, nas costas e no coração.
Triste espelho humano, no vagão!


**************************************************************

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

BOLINHOS COM CANELA


A felicidade chega, às vezes, numa tarde modorrenta. Sem muitos planos. Sem pretensões. 
Chega fugaz, em meio à fumaça de um café recém passado. Fresco e perfumado. No meio de uma conversa com alguém que nos faz bem. Ou nas frases soltas e perfeitas das letras das velhas canções.
Pronto. A felicidade, à nossa porta bate! Como um bálsamo, invade.
E é preciso habilidade para conservá-la por alguns minutos ou simples instantes, antes que inúmeros assuntos e pequenos tormentos tomem conta do nosso pensamento, distraindo nosso coração. 
Basta um segundo e saímos da vibração. Ligamos o rádio. O celular. A televisão. E largamos, sem muito pensar, em algum canto a nossa paz.
Síndrome dos dias atuais. Nada satisfaz. Estamos prontos e preparados a querer mais. Sempre mais. E quando não, ganhamos ansiedade, pânico, depressão.
Não basta ser rico. É preciso passar o reveillon em Noronha. All inclusive! Não basta ter o mar, de graça para revigorar. É preciso uma piscina olímpica no terraço. Com um trampolim para saltar. Se possível, do último andar. Não basta um copo de vinho e o peito de um companheiro fiel para descansar. É preciso que ele tenha sucesso e dinheiro. E sexo tântrico, sete dias por semana. O ano inteiro.  
O muito já não é o bastante. Queremos o mega. O top. O super-ultra deslumbrante. E a felicidade? De binóculos, distante...
Até que chega a Tia Lurdes no meio da tarde singela. Com bolinhos de chuva na tigela. Feitos por ela. Salteados de açúcar e canela!
E percebemos como é simples rimar. Felicidade, simplicidade!



***************************************************************


QUER RECEBER O LIVRO "INESPLICANDO"  NA SUA CASA, PELO CORREIO?
E COM DEDICATÓRIA?



ENTRE EM CONTATO PELO  whatsapp 13 997754072


quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

MINHA CARA... GELADEIRA!

 

Ela é de meia idade. Cinquentona. E continua linda, mesmo com as marcas do tempo acentuadas no frágil retoque da pintura. É o xodó da casa. Mas ela dá um trabalho...

É daquelas que sobreviveram aos modismos. Também não é “retrô". É velha mesmo. Bacias de ágata. Porta não aproveitável. Pés de porcelana. E um "N" de National na porta que lembra National Kid, marca tão antiga quanto a histórica série. Mas ela dá um trabalho...

Já foi pintada. Repintada. Transportada. Mal transportada. Ficou dois anos num guarda móveis à espera da compra de uma nova casa. E basta uma simples conta para perceber que o dinheiro gasto com o aluguel daria pra comprar umas cinco geladeiras novinhas em folha. Mas soubemos resistir. 

Ficou linda naquele canto da nova casa. Objeto de arte! De respeito. Destaque “vintage” na cozinha moderna. E não há quem não se encante com o charme da sua singela simplicidade. Mas ela dá um trabalho... 

Neste ano, a borracha ressecou. E o gás que era pouco, se perdeu. Mas quem iria consertar uma National? O Sérgio veio lá em casa. Disse que o tubo era ainda de alumínio e não dava para soldar. Sugeriu o seu triste fim.

Pobre Sérgio, não sabia o que estava propondo. E diante do nosso olhar fulminante de censura, decidiu tentar um remendo à altura. Um stent, cateterismo, superbonder... Sabe se lá o quê, mas ele conseguiu! 

Agora faltava a borracha. Só em São Paulo. Partimos. 

No local do conserto, vimos geladeiras novinhas. Leves e com muitos compartimentos. Espaços luxuosos. De plástico, e sem coração. Não!

A nossa National tem alma! É membro vitalício da família. Guardou tantas cervejas para os amigos. Carnes para os churrascos alegres de verão. Vinhos e frutas para as noites de amor.

Só um coração de gelo para querer trocar. Ela vai continuar com a gente, sim senhor! 

Mas ela dá um trabalho...


*                        *                         *                                                                                 
                         
                                                    PRESENTEIE COM LIVROS!!!

Disponível na www.papaleseditorial.com



quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

PREFIRO AS CURVAS...


As linhas retas são diretas. Sem vai e vem. Mas são as curvas que me encantam. As curvas me fazem bem.
As retas são objetivas. Chegam direto ao ponto. Mas as curvas trazem emoção em cada volteio. Leveza. Balé. Desenho!
É por isso que meus olhos preferem as curvas. As curvas dos edifícios antigos, por exemplo. Aqueles prédios arredondados. De rampas longas e azulejos vazados. Anos cinquenta. Sessenta, talvez. Meu olhar se curva, diante daquelas curvas. Maleável doçura. Romântica arquitetura!  
Mas tem outras curvas tão lindas e incertas por aí... A curva do rio, que nos tira a certeza de onde ir. Mistério da vida. O eterno fluir...
A curva da estrada que pode dar em glória. Ou cilada. Vem um precipício? Ou um ponto de chegada?  As curvas não definem nada. As curvas tentam. Desorientam. Atiçam. Mas fazem sorrir...
E as curvas dos corpos? Sensualmente belas. A silhueta roliça das pernas. Dos seios. Dos entre meios. Curvas de prazer e tentação. E a mais profunda delas, feita de paixão: a curva da aorta. Porta do coração!
São lindas as curvas das ruas. Das praças. Rotundas. Levaria horas descrevendo... Curvas por todos os lados. A curva do laranjinha e a do S de Interlagos. A curva da retina e da lente de contato. A curva do arco da Torre Eiffel. E das fases da lua no céu. A curva da banana. Da serpente caninana. Da montanha. E da Terra, repleta de contornos e encantos.
No entanto, me contento em descer a Serra... nas curvas da estrada de Santos...         

************************************************************* 
Crônica presente no livro Inesplicando Vol.1  À venda na Livraria Cultura e Martins Fontes.

Obrigada a todos presentes na palestra!