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terça-feira, 6 de julho de 2021

AS BALINHAS DO PADRE...

      
Era mágico e amedrontador entrar naquele prédio antigo e bem conservado do Colégio do Carmo. Portas maciças, grandes colunas e andares amplos onde os padres de batina preta cruzavam as alas com semblantes fechados e austeros. Meus irmãos estudavam lá!

Todos os padres eram sérios. Menos um. O Irmão Martinez. Quando me via, colocava a mão no bolso da batina e voltava com um punhado de balinhas. Ardidas. De hortelã, as minhas preferidas! Depois, com o indicador frente a boca, pedia o meu silêncio. Era doce o nosso segredo.

As aulas de exatas e ciências eram as mais fortes do colégio. Mas havia música e arte. E a peça teatral dos alunos no fim de ano, um capitulo à parte. 

Eles mesmos criavam, produziam e ensaiavam. Geralmente escolhiam uma comédia cheia de graça ou uma sátira de terror. E rezavam para passar pela censura dos padres e do reitor.

No dia da apresentação, os mais velhos e de batina assistiam na primeira fila, com orgulho e atenção. Logo atrás, os amigos, as famílias e eu, que não entendia quase nada, mas me divertia com o riso e os aplausos dos adultos. 

Quando eu cansava, o irmão Martinez percebia. Sentava do meu lado e tirava do bolso as balinhas verdinhas santificadas. Tudo ficava mais doce e o meu "medo de padre" passava mais longe. 

Meu irmão confessou, certa vez, que sentiu muito medo ao falar com o temido e compenetrado Padre Pedro. Foi na primeira missa de sábado, dentro do confessionário. Não tinha feito nada errado, restou inventar um pecado. Pecadinho. Bem levinho. Só pra não ficar chato. 

Depois, voltou com sua pena de sete Ave Marias e um pai nosso! Meu irmão garante que não pecou. Não sei se acredito. Ele voltou muito feliz com o pequeno castigo.

Pra mim, foi merecido!



                         *                        *                                             
     
            
                                                                                






3 comentários:

  1. Gostei. Grandes momentos que não se perdem.

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  2. Amei..imaginei o colégio, os.padres, as balinhas, os.meninos e VC.. Lindo.

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  3. Inês, viajei no tempo, morei em São Paulo entre 1993 e 1997. E ainda tenho uma amiga lá que sempre me levava ao pátio do Colégio, e a outros marcos civilizatórios de Sampa. A sua descrição precisa e poética me encantou. um beijo grande e parabéns mais uma vez.

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