Um cheiro leve de maresia e a atmosfera úmida no ar.
Algumas quadras à frente, o pier do pescador juntava gente. Moradores e turistas à espera de ver a despedida dos grandes navios de passageiros que partem mar adentro para breves ou longas temporadas de cruzeiro. O som do apito longo soa três vezes...
Dizem que não é bom ficar a ver navios. Procurei o motivo da expressão. Descobri uma lenda portuguesa de mil e quinhentos anos atrás, de um tal Dom Sebastião que desapareceu no mar bravio. Fiéis teriam seguido o rei até o alto de Santa Catarina, em Lisboa, esperando sua chegada. Ninguém nunca mais o viu. Ficaram eternamente a ver navios. Talvez seja uma boa explicação. Pois sim, pois não?
Quando os navios passam em frente ao pier, os lenços brancos se agitam ao vento em volteios e acenos. Alguns tentam reconhecer ao longe seus parentes. Muitas vezes, nem sequer conhecem os passageiros que saem das cabinas para serem saudados nas áreas externas do navio. Não importa. Eles retribuem. A ideia da conexão humana é terna. Ter alguém à vista. Um amigo com sorriso. Um amor à espera.
O som dos três apitos ecoa novamente no ar da partida, embalando nossa alma entretida no rastro ondulado e devagar. Quilha cortando as ondas. Até que a curva da primeira montanha vai escondendo o navio na imensidão do mar.
Uma moça passou correndo na calçada, fones de ouvido, ensimesmada. Não viu o navio virando a esquina, nem o pier, nem a gente que acenava. Não viu nada.
Talvez seja bom nada ver. Ando com excesso de adeus. Perdi muitos sonhos e amigos meus. Vou tremulando todos os dias lenços brancos e ouvindo ecos do apito de um navio que insiste em partir no entardecer.
São apitos longos. E eles são três... um nunca mais, um vou voltar ... e um talvez!
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Foto gentilmente cedida pela amiga Celia Loriggio, tirada da Ponta da Praia em Santos.
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