Caro anjo, irmão.
Eu prometi que não seria triste. Uma carta simples. Sem pieguices. Acabo de olhar sua foto de infância. Você abraça duas crianças. O primo e o irmão.
Você abraçava o mundo. Nosso porto seguro. Ainda me protege nessas bandas angelicais onde andas. Talvez, campos de
lavanda? Casa entre nuvens? Atmosferas que não faço ideia. Continuo com meus
pés aqui na Terra. Mas ouço daqui, o bater do seu coração...
Olho suas orelhas. Eram
de abano ou me engano? Com a idade melhorou. O nariz é que se curvou. Rinite alérgica.
Você pingava duas gotas de remédio em cada narina. O lenço dobrado no bolso de trás era Presidente!
A tia Zilda dava no Natal, numa caixinha com fita, de presente.
Eu prometi que não
seria triste. Só levezas, lembranças banais, sem as partes que doem mais.
Toquei ontem o disco do
James Taylor que você comprou com o seu primeiro salário. Capa branca. Ouvi por inteiro. Depois
você deu o dos Beatles. Hard day's night! Você cantava alto demais. Às vezes, imito
sua voz e desafino. Você não seria um bom cantor, mas batia um bolão, admito.
O uniforme do
Paulistânia ficou comigo. Aquele verde e branco com meião encardido. Não lavo
de jeito algum. Ficou com o formato do seu pé. O direito, torto de fazer gols.
Você descrevia o lance por inteiro. Talvez fosse um bom narrador.
E aquela minha foto de pequena que você levava na carteira, com rabinho de cavalo e um pintinho nas mãos, eu perdi. Ouvi um pio de tristeza aí de cima? Ou foi cisma? Prometi que não seria triste. Sem pieguices.
Você viu meus livros
publicados? Dois só de crônicas como a mamãe e você gostavam. Em breve vou pro terceiro. Se der, mando um exemplar por um pombo ou anjo mensageiro.
O que está ruim mesmo
é o mundo que você, sem desejar, nos deixou. Vírus, política, intolerância e guerra,
em proporções estratosféricas. O ser humano vendo o mundo acabar e postando memes
no celular. O que são memes? Não vale a pena explicar...
Eu prometi que não
seria triste. Vou terminar a carta. Ou por aí tem email? Sei que essa foto sua, no meio da tarde... no campinho da rua, me atropelou
de um jeito...
Qualquer hora lhe vejo.... no meio das estrelas e lhe sopro um beijo!
* * *
Gosto da nostalgia de seus escritos....
ResponderExcluirObrigada pelo carinho, Ieda!
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