A tardinha cai. Mãos finas e precisas dobram pequenos papeizinhos e formam figuras que representam paz, amor, felicidade. O origami é arte milenar. Não tenho essa habilidade. Não dobro bem lençóis. Minhas pernas não dobram com facilidade. Imagine dobrar minúsculos papéis com arte e sensibilidade?
Tentei fazer um balão. Ficou troncho. Em total assimetria. Cheio de varetas e boas intenções. Mas nunca subiu aos céus. Restou-me olhar a arte alheia e ver os pássaros voando perfeitamente ao léu. Eu jamais faria grandes balões que machucassem crianças e incendiassem casas e arranha-céus.
Num dia de tédio fiz um barquinho de papel. Bem dobrado. Ficou razoável. Tão frágil, o coitado. Soltei mesmo assim, no lago que desembocava no mar. Parei, olhando o seu arrastado navegar.
De longe e cambaleando, seguia miúdo entortando e adernando no lago largo do mundo. Na primeira curva empacou. Ah, se tivesse uma criança com um sopro de esperança. Ou um pescador experiente pra ajudar... Ninguém. O barquinho naufragou por lá. Minha alma também. Saí sem mais ver.
O lago continuou calmo. Em mim, a sensação de fragilidade. Do pobre barquinho de papel que me transformei. Origami de minha alma com dobras de humanidade, dor e de tudo que fui e amei.
Retornarei. Farei um barco mais forte. De madeira de lei, talvez. Levantarei velas. Enfrentarei outras águas. Deixarei de fora as dores e as mágoas. Serei arte contemporânea, focada no futuro.
Hoje, ainda sou o velho origami. De um tímido barquinho que vai... quando a
tardinha cai...
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