Páginas

terça-feira, 17 de maio de 2022

A MENINA E O RÁDIO...

Eu levava o rádio de pilha para o quarto. Deitava na cama me aninhando nos cobertores, colocando o velho parceiro ao lado do travesseiro, perto do ouvido. Eu gostava das ondas curtas. O som que se alongava e encurtava. Indo e vindo em chiados e línguas estranhas. Fantasmas que falavam. O sussurrado me levava além da janela do meu pequeno quarto. A cada nuvem de som eu intuía um lugar, um país, conversas miúdas que prendiam minha atenção. Era um mundo novo em cada girar do botão.

Às vezes, eu sintonizava uma rádio de Berlim ou de Moscou. Alemão ou russo? Quase dormindo eu me perguntava. Pequena, não entendia nada.

Girava novamente o botão e a imaginação. O que viria a seguir? Adorava a surpresa. O que vem na próxima estação? O coração batia baixinho para ouvir o radinho que falava comigo nas noites silenciosas.

Os jogos de futebol do Rio eram quartas à noite. Eu ouvia um gol que vinha de longe se amplificando. Sentia a explosão do Maracanã vibrando. Uma mistura de torcida e zumbido reverberando.

Não curto mais ondas curtas. Notícias da Áustria. Folclore da Alemanha. Músicas do Japão... Mas continuo girando o botão num vaivém danado. Ouço as notícias atuais e prefiro as músicas do passado.

Continuo presa à surpresa. E as canções que de repente me comovem. Por isso ele continua por perto. No carro. Na sala. No quarto. Pronto para ser acionado.

Aquele velho radinho de pilha de botões prateados está no armário. E numa caixa de lembranças cheia de músicas e sons que ainda soa no peito. Sentimento antigo e profundo. 

Com ele, eu sintonizava o mundo!


************

As chamadas ondas curtas utilizam frequências compreendidas entre os 3 000 kHz, a frequência acima da qual predomina a propagação ionosférica, e os 30 000 kHz (3 - 30 MHz).[1] A reflexão na ionosfera permite cobrir extensas regiões e atingir pontos da superfície terrestre situados a milhares de quilómetros de distância a partir de uma única antena emissora.


*************



 

 

terça-feira, 10 de maio de 2022

BENÇÃO AO FILHO...

Toco a palmeira com a mão como quem abençoa o filho crescido. Trocamos energia. Seu cerne vibra comigo. Feito a lenda do Joãozinho, meu pé de feijão ruma ao infinito...

O terreno era mal aterrado. Só entulho, madeira, ferro retorcido. Pouca terra boa num chão batido. Ganhei a palmeira magrinha. Trouxe de pequenina. O jardineiro sem muita certeza afirmou ser palmeira real e que chegaria a seis metros apenas. Foi larguíssimo engano ou brincadeira.

Veio com três folhinhas retorcidas e finas. O tronco, uma cintura de bailarina. Fizemos o buraco e plantamos, abençoando com a água da chuva que caia. Nossas roupas sujas de terra coloriam o batismo da filha. 

E não é que a lenda se refez? A espichada foi crescendo. O tronco se alargando e cheio de água retumbando. Abraçar, quem dera. Não consigo mais. Olho para o céu avistando suas grandes folhas que acenam e balançam. Querem me dizer... olá, sou eu! Cresci, mas continuo te amando. 

Sinto saudades de quando era pequena e eu podia circundar seu tronco com meus braços e acariciar suas folhinhas. O tempo passa, crescem rápido as criancinhas.

Um amigo disse que chegando ao topo encontro meu pote de ouro. Que tolo! O pote já está no meu jardim. Nas primaveras. Nas helicônias. No flamboyant que acolhe os colibris. Nas bromélias e nas suculentas espalhadas aqui e ali.

Até meu coqueiro anão cresceu. Ficou alto e forte. Dá vinte a trinta cocos em cada ramada. De anão não tem nada. Coisa engraçada. Jogaram um fermento do bom. Ou é coisa de um Deus brincalhão!  

Toco árvores. Acaricio arbustos. Beijo flor. Gosto de sentir o enlace sem qualquer pudor. Na grama verde minha alma se rende... e faz amor!


********************



    

OBRIGADA!

 370 MIL LEITURAS NO BLOG!

AGUARDEM MAIS SURPRESAS...