Eu levava o rádio de pilha para o quarto. Deitava na cama me aninhando nos cobertores, colocando o velho parceiro ao lado do travesseiro, perto do ouvido. Eu gostava das ondas curtas. O som que se alongava e encurtava. Indo e vindo em chiados e línguas estranhas. Fantasmas que falavam. O sussurrado me levava além da janela do meu pequeno quarto. A cada nuvem de som eu intuía um lugar, um país, conversas miúdas que prendiam minha atenção. Era um mundo novo em cada girar do botão.
Às vezes, eu sintonizava uma rádio de Berlim ou de Moscou. Alemão ou russo? Quase dormindo eu me perguntava. Pequena, não entendia nada.
Girava novamente o botão e a imaginação. O que viria a seguir? Adorava a surpresa. O que vem na próxima estação? O coração batia baixinho para ouvir o radinho que falava comigo nas noites silenciosas.
Os jogos de futebol do Rio eram quartas à noite. Eu ouvia um gol que vinha de longe se amplificando. Sentia a explosão do Maracanã vibrando. Uma mistura de torcida e zumbido reverberando.
Não curto mais ondas curtas. Notícias da Áustria. Folclore da Alemanha. Músicas do Japão... Mas continuo girando o botão num vaivém danado. Ouço as notícias atuais e prefiro as músicas do passado.
Continuo presa à surpresa. E as canções que de repente me comovem. Por isso ele continua por perto. No carro. Na sala. No quarto. Pronto para ser acionado.
Aquele velho radinho de pilha de botões prateados está no armário. E numa caixa de lembranças cheia de músicas e sons que ainda soa no peito. Sentimento antigo e profundo.
Com ele, eu sintonizava o mundo!
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As chamadas ondas curtas utilizam frequências compreendidas entre os 3 000 kHz, a frequência acima da qual predomina a propagação ionosférica, e os 30 000 kHz (3 - 30 MHz).[1] A reflexão na ionosfera permite cobrir extensas regiões e atingir pontos da superfície terrestre situados a milhares de quilómetros de distância a partir de uma única antena emissora.
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