Eu não imaginava que a nascente do Rio Tietê ficava na cidade de Salesópolis. Muito menos que ele era pequeno e limpo, até ir ganhando volume e sujeira, à medida que vai adentrando a grande São Paulo.
Também não imaginava que meu irmão, médico formado, e com grande talento para cuidar não só de gente, como também de patos, marrecos e faisões, iria comprar terras no bairro de Remédios, vilarejo próximo a Salesópolis.
E era uma aventura chegar lá. Duas ladeiras saiam da estrada de asfalto e iam dar na pracinha com uma pequena igreja e mercearias de balcões antigos. Depois, três quilômetros de terra batida, com direito a capelinhas, santos sem cabeça e mata-burros. Clima de interior.
A casa foi erguida em poucos meses e chegou, enfim, o dia da visita da família. Logo na entrada, um pergolado com primaveras vermelhas e uma placa de boas vindas: Sítio do Zeca Pireba! Ninguém sabia quem era Zeca Pireba. Ninguém perguntou.
Mais à frente, a casa, sorridente, com janelas e portas pintadas de laranja e amarelo. Na cozinha, panelas de cobre penduradas nas paredes. E na sala, um velho piano, com a foto dos parentes que partiram. Ainda bem que não estavam de sobrecasaca, o que dava um aspecto carinhoso e menos soturno.
E como se dorme cedo no sítio! Acorda-se cedo. Dorme–se cedo. E quando deu nove horas, depois da janta, todos foram para seus quartos. Adultos em camas e beliches. As crianças amontoadas em colchonetes pelo chão. E se de dia a natureza nos encanta e alegra, à noite, ela nos intimida, desentocando medos e mistérios.
E foi perto das onze da noite que se ouviu, nitidamente, o som do piano vindo da sala vazia. Notas graves e agudas. Descompassadas. Dava para ouvir em todos os aposentos.
Mas logo veio o silêncio e ninguém disse nada. Absolutamente nada. Na hora do café da manhã, os olhinhos das crianças se procuravam, à espera de algum comentário. Nada foi dito. E o dia seguiu com risos, brincadeiras e frutas colhidas no pé...
Na noite seguinte, onze em ponto, a cena se repetiu. O som do piano ecoou mais uma vez na sala vazia. Foi nessa hora que o menor da turma, inocente, perguntou... - Ué? Quem tá tocando piano?
Os adultos e as crianças,
juntos e tomados de uma coragem até então desconhecida, correram até o final do
corredor e se depararam com um pequeno ratinho que se distraia pra lá e pra cá
no teclado do velho piano.
O riso tomou conta da sala. Enquanto meu irmão botava o roedor pra correr. Era só um ratinho. Quem diria! Um ratinho... Voltaram, cada qual para o seu quarto, tranquilos, e foram dormir.
Enquanto no cantinho da sala vazia, o fantasma do Zeca Pireba se divertia, mais uma vez...
bárbaro, amei ... Eu quero
ResponderExcluirQ fascinante,adorei..
ResponderExcluirQ fascinante,adorei..
ResponderExcluirUm pouco de mistério perfeitamente "casado" com doçura! Delicioso!
ResponderExcluirEu quero.
ResponderExcluirMuito legal.
ResponderExcluirShow!
ResponderExcluirNão tem como, não abrir um sorriso de alívio ao final do texto.